ENTREVISTAS
The Weather Station
Aqui está uma coisa que existe
· 21 Jan 2015 · 11:00 ·
Actriz feita cantautora, cantautora feita actriz, Tamara Lindeman, canadiana de nascimento, tem sido, nos últimos anos, dona e senhora duma folk fria, triste e não poucas vezes dolorosa, capaz de pôr até a mais empedernida das pedras da calçada a choramingar pelas agruras da vida. Através da sua música, garante, só fala de coisas, em particular de coisas que não sabe ou não compreende bem (e talvez seja por isso que o nom de guerre por ela escolhido, The Weather Station, seja tão apropriado, por nos remeter para essa quase-ciência tantas vezes incerta que é a meteorologia), e é através dessa mesma falta de compreensão que busca, quiçá, que os outros a compreendam. A verdade é que What am I Going to do with Everything I Know, EP lançado em finais de 2014, foi alvo de muito boas críticas por parte de gente como a Pitchfork e mantém-se como uma das pequenas pérolas do ano que agora findou. Será esse o registo que a artista vem esta semana apresentar a Portugal, em quatro datas na Associação Cultural Mercado Negro de Aveiro (amanhã, dia 22), Maus Hábitos no Porto (sexta-feira, dia 23), Casa das Artes da Fundação Bissaya Barreto em Coimbra (sábado, dia 24) e na Casa Independente em Lisboa (domingo, dia 25), uma mini digressão que também serviu de mote para a conversa que se segue.
O teu mais recente registo, o EP What am I Going to do with Everything I Know, lançado no ano passado, foi, apesar da falta de alarido no lançamento, muito bem recebido pela crítica, em particular pela Pitchfork. Estavas à espera de um feedback assim tão positivo?

Não, de todo! Eu nem sequer tinha a certeza se queria lançar estas canções, visto ser uma perfeccionista. E depois de lançar o disco, sempre pensei que seria algo para ser vendido na mesa de merchandise, e não algo que fosse ouvido e criticado como tem sido. Estou muito feliz em relação a isso – é maravilhoso ser-se entendido.

Dizes, na secção “sobre” da tua página de Facebook, que “escreves sobre coisas que existem”. Que tipo de coisas que “existam” te inspiraram para este disco?

Ah!, na verdade eu escrevi isso como uma espécie de subtil piada. Estava a pensar na forma como escrevo, e como contrasta com a música pop e com a música dos meus amigos. Reparei que as minhas canções, geralmente, têm todas um “alcance” muito curto, chamando a atenção para coisas que de outra forma passariam para sempre despercebidas. Mas não tenho nenhuma tendência para especificar se essas coisas são boas ou más, simplesmente escrevo as canções para virar os holofotes sobre essa coisa, esse momento, esse sentimento. A canção está lá para dizer: “aqui está uma coisa que existe”.



Li numa entrevista que deste à The Feedback Society que não te consideras uma pessoas triste, mas no entanto crias estas canções desoladoras, cheias de uma tristeza capaz de nos tirar o ar. É esta a tua forma de purgar os teus “demónios interiores” e de os manter afastados da tua “vida normal”?

Não sei bem. Eu sinto tudo de uma forma muito intensa, e certamente já senti muita tristeza – talvez não mais nem menos do que toda a gente. No entanto já reparei que normalmente sinto-me puxada para escrever quando tenho uma emoção que não percebo, quando há algo que ficou por dizer, quando tenho algo que me deixou zangada ou quando estou perante um sentimento de injustiça ou de perda. Quando algo faz sentido para mim, ou é compreensível, não escrevo uma canção sobre isso. Talvez seja por isso que acabo por ter tantas peças tristes. E sim, quando escrevo uma canção sobre perda, ou confusão, acabo por me sentir melhor.

Para além do teu trabalho na música, também tens uma carreira enquanto actriz; é fácil para ti conjugar estes dois “empregos”?

Nem por isso. E não creio que combinem muito bem um com o outro; na minha cabeça têm a música e a representação não têm muito em comum.

E qual dirias que te faz sentir mais realizada? Consideras-te uma actriz que canta, ou uma música que representa?

Sem dúvida considero-me uma música que muito ocasionalmente representa. Afinal de contas, nos últimos três anos trabalhei, tudo junto, uns 15 dias enquanto actriz… enquanto na música trabalhei todos os dias. Representar é algo que me aconteceu por acidente, quando eu era uma adolescente tímida – os meus pais acharam que me poderia ajudar a aprender a lidar com as outras pessoas. Nunca foi o trabalho da minha vida, mas continuei a fazê-lo para poder ganhar a vida e sustentar-me. A música sempre foi o meu “chamamento”, aquilo que sempre estive destinada a fazer, e é aquilo em que eu trabalho todo o santo dia.

Costumavas tocar numa “banda de rock antes de lançares All of it Was Mine, (2011) e optares por uma carreira inteiramente a solo; o que é que te fez largar a banda e seguir por uma carreira a solo?

Bem, eu comecei a gravar música no meu computador em 2005, numa altura em que não sabia nada sobre ser música, escrever canções, tocar instrumentos. À medida que fui aprendendo a gravar, aprendi todas essas coisas também, e fui recebendo pedidos para cantar e tocar em várias bandas, o que me fez conhecer outros músicas e crescer nesse “mundo”. Quando estava a escrever canções para esse disco, que por acaso tinha a intenção de fazer com uma banda, conheci o Daniel Romano, que me convenceu a fazer o álbum da maneira como foi feito: apenas eu e ele na cave dele. E tenho perseguido essa simplicidade desde então.

Lanças os teus discos a solo, mas ultimamente tens andado a tocar ao vivo com uma banda. Isto afecta o teu processo criativo de alguma maneira? Quando estás a criar as tuas canções, costumas pensar na forma como as vais tocar ao vivo?

Não, nem por isso. Lá está, só comecei a tocar com banda muito recentemente, e até aqui tenho tocado sobretudo sozinha. Para mim, tocar sozinha é o desafio maior.



E por falar em concertos ao vivo, vens a Portugal para uma “mini” digressão, com quatro concertos em Aveiro, Porto, Coimbra e Lisboa. Podemos esperar um “vira o disco e toca o mesmo” em todos os espectáculos, ou tencionas dar ao público português algo de diferente e único a cada noite?

Provavelmente haverá algo de diferente todas as noites! Aqui vou tocar sozinha, e normalmente isso significa tocar o que quero e o que me apetece, seguindo o meu estado de espírito e o estado de espírito do público.

Estes concertos contarão com aberturas de Minta & the Brook Trout (Aveiro, Porto e Coimbra) e They’re Heading West (Lisboa), dois projectos que têm sido vistos como “de proa” da indie folk portuguesa. Já ouviste alguma coisa deles? O que é que achaste?

Ambos os projectos são muito bons! Vi alguns dos vídeos deles, e achei que têm uma música maravilhosamente criativa. Estou mesmo entusiasmada para os ver ao vivo.

Já que estamos em Janeiro e 2014, passando a redundância, acabou de acabar, quais é que foram, para ti, os melhores discos do ano que passou?

Pink City, de Jennifer Castle foi, para mim, o álbum do ano. Também gostei bastante do Way Out Weather, do Steve Gunn, um disco maravilhoso. E também adorei o novo disco de Bahamas, Bahamas is Afie. Fiquei mesmo orgulhosa do Afie por ter feito o álbum; senti que ele decidiu seguir a “musa” dele, apesar de todo o sucesso que teve e da pressão que sem dúvida deve ter sentido para fazer um álbum mais pop, e fez registo folk muito delicado e agridoce. À parte dos dois grandes singles, claro está. Mas tenho um ritmo de audição muito lento, e só costumo ouvir “música nova” alguns anos depois dos lançamentos. No ano passado acabei por ouvir, sobretudo, música mais antiga.

E para quando podemos esperar um novo LP?

Este ano, a 5 de Maio! E na Europa teremos um lançamento através da Paradise of Bachelors, uma excelente editora.
João Morais
joao.mvds.morais@outlook.com

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