ENTREVISTAS
Matthew Shipp
A impossibilidade poética de lidar com o infinito
· 29 Jul 2014 · 22:23 ·
Para o pianista Matthew Shipp, "o silêncio é Deus." E a música pode ser uma busca religiosa, não necessariamente no sentido de preencher um vazio existencial, o silêncio, o infinito, mas como uma forma de "linguagem dos deuses", com ritmo e harmonia, "mais próxima dos sentimentos e emoções do que a linguagem discursiva." A pretexto do concerto agendado para 2 de Agosto, no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, do duo Evan Parker & Matthew Shipp (integrado no ciclo "Jazz em Agosto"), eis uma breve entrevista a Shipp.
Começou a tocar piano aos cinco anos de idade, inspirado por um organista da igreja, de uma igreja episcopal. Depois iniciou as lições de música clássica. E por volta dos 12 anos surgiu o interesse em torno do jazz, como é que aconteceu? Por causa dos discos que ouvia naquela altura? Influência dos pais? Uma atracção espontânea pelo som, o ritmo, a essência da música jazz?

Ouvia jazz na televisão, Nina Simone, e depois descobri Ahmad Jamal. Havia algo de misterioso e mágico em ambos. Foi então que soube que queria ser um músico de jazz.

Como é que se aprende a tocar jazz? Improvisação, liberdade, espiritualidade, como é que tudo isto pode ser ensinado?

Não, essas coisas não podem ser ensinadas. O que é preciso é ter um desejo ardente de tocar a música. O que pode ser ensinado são os elementos básicos da harmonia, a teoria e alguma técnica. Mas depois disso é a imaginação e a personalidade dos instrumentistas que permite que as coisas aconteçam.



Quando instado a definir a música que compõe e toca, responde recorrentemente que se trata de "música cósmica", como uma tentativa de criar um universo e lidar com o infinito. Contudo, insiste em negar a componente religiosa, diferenciando-a em relação ao que denomina como espiritualidade. Mas não é o silêncio aquilo que mais se aproxima e assemelha ao infinito, e não é a música uma busca no sentido de preencher esse vazio existencial? Ora, essa busca não é de alguma forma religiosa?

Sim, sim, sim, o silêncio é Deus. A busca é completamente religiosa, sim, sim. Não sei se a música é uma busca para preencher o vazio. É possível que a música seja mais pura do que a linguagem falada e mais próxima dos sentimentos e emoções do que a linguagem discursiva. Por isso a música pode ser perspectivada como uma linguagem dos deuses, como quer que se defina Deus ou os deuses.

Em Nova Iorque, vivia na antiga casa de Charlie Parker, depois viveu nas proximidades da antiga casa de Charles Mingus, isso era uma fonte de inspiração para o processo criativo?

O Lower East Side de Nova Iorque foi tradicionalmente habitado por muitos músicos. Ainda sinto esse espírito, de facto, naquele bairro.

Quais são as maiores influências da sua música? Além de John Coltrane...

Tudo e todos que entraram no meu sistema nervoso e eu aprendo a partir de tudo. Acho que não o posso reduzir a apenas um par de músicos.

O projecto com William Parker, Beans e HPrizm, que resultou no LP "Knives from Heaven", gostou dessa experiência? Não foi uma espécie de novo "Guru's Jazzmatazz"? Podemos esperar mais discos desse projecto? Costuma ouvir discos de hip-hop ou música electrónica?

Deixei de ouvir hip-hop. Está em todo o lado e necessito de uma pausa, deixar de ouvir hip-hop à minha volta, o tempo todo, até a partir dos carros das pessoas, etc. Já chega! Eu adoro Antipop [Antipop Consortium, colectivo nova-iorquino de hip-hop, entretanto extinto, do qual fazia parte Beans e que gravou um disco com o próprio Matthew Shipp, em 2003, intitulado "Antipop Vs. Matthew Shipp] e o que aqueles tipos fazem, mas isso é passado. Agora estou apenas concentrado na minha própria música acústica.



Quando toca com Evan Parker, estão ambos a improvisar mas a dada altura as duas linhas acabam por se fundir numa linha comum e harmoniosa... Trata-se de um processo espontâneo ou exige um treino constante e empatia entre os músicos?

Empatia, respeito e o desejo de criarmos juntos um objecto sonoro coeso.

O que é que podemos esperar do próximo concerto em Lisboa, no "Jazz em Agosto"?

Não faço ideia. Vamos descobrir conjuntamente.
Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com
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