ENTREVISTAS
Lady Lazarus
Dig Lazarus dig
· 17 Fev 2014 · 23:48 ·
Estudou poesia, enveredou pela música. Melissa Ann Sweat escreve canções tingidas de folk naquele jeito que só os norte-americanos conhecem, histórias onde a amargura, o amor e a viagem percorrem de braço dado, na procura de algo que se não identifica mas existe. Desde 2008 que se dedica à guitarra, tendo já editado dois discos, Mantic e All My Love In Half Light, que lhe valeram comparações a Cat Power, Bill Callahan e Grouper. Longe das comparações existem temas como "Midnight Music For A Broken Heart Condition", do primeiro disco, balada bonita de baixa fidelidade, ou "Argosy", deste seu último registo, coisas que todos os corações sonhadores deveriam ouvir. Fomos ter com ela à Califórnia e trouxemos esta pequena conversa: é a conversar que conhecemos alguém, afinal de contas.
"Lady Lazarus" vem de um poema de Sylvia Plath. Como é que a poetisa te influenciou, artisticamente falando? Já que estiveste a tirar um curso de poesia na universidade, trabalhas mais nas letras das tuas canções que na música em si?

Relaciono-me com o estilo confessional da poesia de Sylvia Plath, e com o facto de que ela, tal como eu, era uma mulher sensível e apaixonada mas também poderosa, com uma voz que precisava de ser escutada. Trabalho nas letras e na música por igual, e as minhas letras são, principalmente, inspiradas pelo que ouço na música e pelo que esta retira de mim.

I may be skin and bone, / Nevertheless, I am the same, identical woman. Lady Lazarus enquanto projecto é diferente de Melissa Ann Sweat enquanto pessoa, ou estas canções são os teus próprios pensamentos e experiências pessoais?

Lady Lazarus é só o nome do meu projecto musical enquanto artista a solo e cantautora, tal como Cat Power, Mount Eerie, Smog, Grouper, Bat For Lashes, St. Vincent, Tiny Vipers, e todos esses. É definitivamente um reflexo de quem sou e articula os meus sentimentos pessoais, os meus pensamentos, as minhas experiências, etc. Escrevo de forma auto-biográfica.



No Mantic, o teu primeiro disco, os títulos das canções são mais longos - e soam mais poéticos - que aqueles do teu último álbum, All My Love In Half Light. Porquê esta mudança súbita?

Essa é uma boa observação, e eu própria notei isso - embora gostasse de dizer que o meu segundo disco tem títulos bastante agradáveis, e revela perspicácia na escolha de algumas palavras. Acho que o Mantic foi um extravasar de ideias e inspiração. Era o meu primeiro disco, sendo que a inspiração e o acto de criar eram um dos temas gerais. O All My Love In Half Light está ligeiramente mais polido, conhecia melhor o meu rumo com este disco. Neste último disco, a tua voz soa muito mais confiante que no Mantic - não está tão afogada em detritos lo-fi como dantes, e pronuncias cada palavra mais fortemente. Li que eras uma pessoa muito tímida quando nova. Superaste-o? A música pode ter um efeito muito positivo em quem a ouve; que aspectos positivos retiras da tua posição enquanto criadora?

Eu gostei dos "detritos lo-fi" do Mantle, obrigada... lo-fi é o género de música que ouvia e adorava enquanto crescia. Interessa-me mais a sinceridade do Daniel Johnston e discos caseiros divinamente humanos do que as tretas super-produzidas e limpas. E os "detritos", como dizes, conseguem criar uma textura e um calor maravilhosos. Dito isto, a confiança e o crescimento no que à escrita de canções diz respeito é uma progressão natural, e as canções no novo disco tendem a entrar em campos folk-pop, o que exigiu que eu me chegasse um pouco mais à frente. Senti que era a direcção certa, e fazer o que sinto que está correcto tem sido, sempre, o que me guia - seja na música ou não.

Creio que existe uma certa qualidade psicadélica na tua música, e cresceste na Califórnia, a Meca do psicadelismo nos anos sessenta. Inspiraram-te algumas das bandas da região? Que te levou a começar a fazer música?

Gosto de alguma música psicadélica, mas sou provavelmente mais influenciada pelo meu crescer na Califórnia em si: a paisagem, a literatura, a mitologia deste lugar. Os músicos californianos de quem mais gosto são o Tom Waits e a Joanna Newsom, apesar de que o primeiro parece nem sequer pertencer à Califórnia - a persona dele é mais mito que homem, e no entanto nasceu em Pomona... há que vir de algum lado. Nasci em San José, por isso tive a sorte de estar rodeada de boa música, não cresci no meio de nenhures. No secundário era uma enorme fã dos Pavement, de Elliott Smith, Aimee Mann, Wilco, Yo La Tengo e Guided By Voices, só para nomear alguns, e tive a sorte de ver bons concertos na adolescência, caso dos GbV, quando tocaram num espaço minúsculo na baixa de San Jose. Após o secundário interessei-me pela escrita e por arte, e a inspiração veio quando comecei a tocar teclado na casa dos vinte anos. Foi aí que começou a minha aventura musical.



Sei que és fã da Maya Deren. Há uns anos atrás houve um festival de cinema em Portugal onde alguns dos filmes dela foram exibidos e uma banda portuguesa, os Mão Morta, compôs uma banda-sonora para os mesmos e tocou-a durante as exibições. Consegues ver-te a compor canções especificamente para cinema? Há algum realizador com quem gostasses muito de trabalhar?

Sim, adorava compor música e canções para cinema. Acho que seria interessante trabalhar com a Miranda July. A banda-sonora do Eu, Tu e Todos os que Conhecemos é perfeita.

I rise with my red hair / And I eat men like air. Nestes cinco anos em que fazes música, alguma vez sentiste que eras menosprezada enquanto artista por ser mulher? O feminismo tem um grande papel no teu trabalho?

Não. Não me permito a mim própria pensar que sou menosprezada em qualquer aspecto. Sou mulher e feminista, e sendo isto um trabalho autobiográfico, a minha identidade tem naturalmente um papel muito grande na minha música. Regra geral, estou a lutar para ser a mais feliz, a mais forte, a melhor versão de mim que consiga ser, enquanto pessoa e enquanto artista, e sei que os caminhos que percorro têm influência.

Porque é que queres ser big in Japan?

Porque seria absoluta e extraordinariamente surreal e encantador.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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