ENTREVISTAS
Gobi Bear
Homens Como Ursos
· 29 Jan 2014 · 00:19 ·
O Urso entrou pela primeira vez nesta vida há ano, ano e meio, altura em que deu um concerto na FCSH para cerca de quinze fãs acérrimos, se tanto. Na altura era o EP de nome graçola LP que se erguia, alto e bom som, no Bandcamp de Diogo Alves Pinto, que nestas lides é Gobi Bear. Vinte e um minutos que serviram para que nos lançássemos para dentro do seu mundo de melodias bonitas, tocadas com as patas na guitarra e coadjuvadas por loops que enchiam a canção. Desde então houve outro EP, um óptimo disco - o de estreia, Inorganic Heartbeats & Bad Decisions - e muitas palavras trocadas (e outras coisas, em Moledo, que é melhor não referir não vá alguém da família ler isto). Nestas coisas do "jornalismo musical", seja lá isso o que for, a comparação bacoca assume uma importância demasiada, mas como de outra forma alguns poderão não querer saber, lá vai: este é o "nosso" Iron & Wine [quanto mais não seja pela barba]. Mandámos umas perguntas fraquinhas ao Urso e ele reenviou-nos estas respostas fixes. Enorme.
Sempre que alguém entrevista um músico pergunta-lhe sempre quais as suas maiores influências. Vou dar a volta a isso: que géneros ou artistas não te influenciam mesmo nada?

Não sei se é igual com toda a gente, mas essa pergunta das influências faz-me sempre muita confusão. Eu não ouço propriamente música a pensar "vou fazer alguma coisa parecida com isto". Se calhar com bandas é diferente, não sei. Nunca tinha tido uma banda antes do Urso. Algumas das minhas músicas são mesmo as primeiras coisas que compus, ou inspiradas nisso. Creio que sou mais influenciado por música que não gosto precisamente por não querer seguir um caminho semelhante. Mas, em resposta à tua pergunta, acho que os Evanescence e os Vengaboys não me influenciaram nada. Acho!

Já lá vão três anos desde que lançaste o teu primeiro EP. De que maneira sentes que cresceste como artista? Que guardas deste período como o ponto mais alto?

Bem, dois anos e dois meses não são bem três anos e isso faz uma grande diferença na tua pergunta e também na minha resposta. Como te estava a dizer, eu comecei a fazer música precisamente como Gobi Bear, e sinto que passou mesmo muito tempo entre o primeiro disco (novembro de 2011) e o último (novembro de 2013). E acho que este crescimento se nota também nos álbuns que lancei. Em cada um quis experimentar coisas diferentes e continuo a querer (agora que estou a preparar já o(s) próximo(s)). Como toco sozinho é-me muito fácil compor, gravar e tocar na mesma altura, daí ter lançado 3 EPs no meu primeiro ano de concertos sem qualquer interrupção. Fi-lo porque podia. Em relação ao ponto alto, há vários: há dois anos atrás não estava à espera de ter tocado com e conhecido o Matt Elliott (um ídolo já de há muito), não achava que fosse gravar um longa-duração ou fazer uma tour europeia ou tocar num festival com a dimensão do Bons Sons e muito menos receber reviews estrangeiras dos meus discos, ou conseguir mais de 150.000 downloads com o LP EP que foi todo gravado em 3 ou 4 horas...



Tocas sozinho, auxiliado por loops. Consideras-te uma pessoa muito individualista? Algum dia poderás expandir o projecto para incluir uma banda completa?

Não me considero uma pessoa muito individualista. Tanto que neste último LP contei com algumas participações e conto ter mais no futuro. A minha ideia sempre foi a de progredir no sentido de um dia tocar com uma banda completa e essa ideia mantém-se. Mas, para já, continua a fazer mais sentido estar sozinho. Gosto muito de explorar as diferentes dinâmicas que posso criar ao vivo e em estúdio. Por exemplo: neste último álbum toquei bateria/percussões em várias músicas. Ao vivo tenho que enveredar por um caminho diferente para suportar essa falta, ou simplesmente despir as músicas e tocá-las de uma forma mais crua. Gosto de estudar estas diferentes formas de encarar a mesma música. E ajuda-me a não me cansar de as tocar ao vivo.

Quando fizeste a tour europeia, espantaste-te por teres pessoas a cantar as tuas canções. Já recuperaste a fé na humanidade depois de teres estado a tirar ciência política?

Epá, tínhamos que ir por aí, não é? Continuo a estar atento e a gostar muito de política. Como sempre. Não desisti desse curso por falta de fé na humanidade, mas por falta de fé no curso. Ter pessoas a cantar as minhas canções foi toda uma cena que ainda não sei explicar e que só sei que foi demasiado bom. Como surgiu a ligação com a Murmürio e que benefícios tens daí retirado?

A ligação com a Murmürio surgiu praticamente na altura em que comecei a dar concertos e ela nasceu comigo (e com outras bandas), portanto temos também crescido juntos. Já se juntaram bandas novas e outras saíram, já existe a vertente Murmürio Records, que serviu de plataforma para todas as minhas edições físicas... Os benefícios são incontáveis. É bom pertencer a um círculo com amigos e gente de cuja música gostamos. É bom partilhar noites de concertos com eles, colaborar com eles, vê-los a ter sucesso e tudo o resto. E porque o caminho de uma one man band é tão solitário, há que agarrar estas pequenas coisas que mantêm contacto com outros músicos e artistas.

Fala-me do Inorganic Heartbeats & Bad Decisions. Onde foi gravado? Sentiste uma maior dificuldade em compor estas canções do que nos EPs mais "caseiros"?

O Inorganic Heartbeats & Bad Decisions tem algumas gravações feitas pelo Henrique Toscano em Coimbra e alguns coros gravados por mim também em Coimbra, mas a grande maioria das gravações e tudo o que se seguiu no processo foi feito no AMPstudio, em Viana do Castelo, com o Paulo Miranda. Não senti nenhuma diferença de dificuldade, principalmente porque a maior parte das músicas deste disco foram compostas ao mesmo tempo que as músicas dos EPs, mas eram temas que se iam encaixando no conceito que eu estava aos poucos a criar para o longa-duração. Então, "guardava-as". Também por isso é que acabei por usar uma canção de cada EP no disco. Porque, pelo menos na minha cabeça, existe uma enorme noção de continuidade entre faixas que tinham um ou dois meses e outras que tinham dois ou três anos.



É um disco que tem um som mais "cheio" do que aquele que tinhas mostrado nos EPs. Era esta a direcção que querias seguir quando começaste a fazer música? Que poderemos esperar em termos de mudança de sonoridade daqui para a frente?

Esta era uma direcção que eu tinha em mente, sim. E estou muito satisfeito com o resultado final da gravação. Em relação a mudanças de sonoridade para o futuro, não te sei dizer e fico feliz por isso. Nunca me impus determinado trajecto em composições. Fiz um LP EP com poucos loops e poucas camadas porque era o que conseguia fazer na altura. Tenho muitas músicas terminadas que não sei ainda quando ou se vou lançar. Provavelmente não vou lançar um disco de metal nem de disco, mas gosto de me manter imprevisível também para mim mesmo neste campo. Assim mantenho-me sempre entusiasmado com ideias novas.

"Caroline", "Emily", "Joanna", "Monica"... que importância têm as mulheres na tua vida?

Sempre gostei de nomes de pessoas em nomes de músicas. A verdade é que haver tantos nomes de mulheres é só coincidência. Tenho também a "D. Lloyd", que é um homem. E a "Eli/Abel", que são dois homens! Gosto da ideia de aproximação a alguém ou a um momento específico que isso traz ao tema da música. A "Emily" surgiu por causa da "Emily" da Joanna Newsom e a "Caroline" por causa da "Caroline" do John Butler, por exemplo. Não são necessariamente pessoas com quem me cruzo.

Que aconteceu aos O Doido E A Morte?

Aconteceu termos vidas diferentes. Estivemos os últimos anos a viver longe uns dos outros por razões académicas/profissionais. Mas agora, ainda afastados, estamos a começar a gravar o primeiro disco à distância. Estamos animados. Vai haver um álbum!
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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