ENTREVISTAS
White Haus
Uma casa portuguesa
· 24 Out 2013 · 23:59 ·
© Luís Espinheira
João Vieira é um nome conhecido de muitos. Sobretudo no Porto, conquistando amizade e afecto pelas mãos de Club Kitten, em sets que atolavam o Teatro Sá da Bandeira de gente. Noutra dimensão, provavelmente mais popularizada, João Vieira é líder dos X-Wife, uma das bandas do dance electro punk rock português com mais provas dadas nos últimos anos. Agora, chegámos à fala com João Vieira porque este acaba de nos dar uma vez mais motivos para o fazer: White Haus, o seu projecto a solo, que não esquece o punk dance mas vai beber ao Leftfield Disco e à electrónica da costa oeste dos anos 80. Em entrevista ao Bodyspace, Kitten dá-nos a conhecer as suas três facetas e deixa-nos em suspense para o lançamento do seu primeiro longa duração nesta sua nova casa portuguesa.
Começaste como dj em Inglaterra e depois voltaste a Portugal para vir a formar os X-Wife. Agora estás num projecto a solo. Podes fazer-nos um retrato detalhado deste teu trajecto enquanto Kitten, depois João Vieira nos X-Wife e agora como White Haus?

Gosto de pensar que foi um trajecto natural, sem grandes planos ou sem grandes ideias de sucesso. O que sempre me moveu foi não me limitar a ter um trabalho e fazer alguma coisa de normal, sempre quis fazer alguma coisa criativa para além disso. A música acaba por surgir de uma forma natural. Se quiseres recuar ainda mais no tempo, eu era daqueles miúdos que gravava cassetes para passar nas festas de garagem quando tinha 12 anos. A minha primeira compra foi um gravador de duas cassetes para poder editar cassetes e músicas que gravava da rádio. O meu sonho, quando era puto, além de ter um gira-discos no quarto, era ter um programa de rádio quando fosse mais velho. O Club Kitten surgiu em Inglaterra. Na altura estava a trabalhar como dj no club da minha faculdade, o espaço tinha potencial, por isso juntei-me a três amigos influentes da cena de clubbing londrina. Conheci-os no Smashing, um club em Regent Street que mudou por completo a minha vida. Foi aí que tudo começou,juntei mais dois miúdos para fazermos o nosso próprio club, eu já tinha espaço em East London, muito antes de ser trendy. O Club Kitten começou lá e foi um sucesso no meio "underground". Depois fomos mudando de sítio e acabámos em Camden em finais de 2000. Em 2001 já cá estava a trabalhar como designer gráfico num atelier (esqueci-me de contar que me formei em design e marketing em Londres). A mudança foi terrível para mim, não me conseguia adaptar ao Porto, sentia-me um peixe fora de água. Não curtia os clubs, não curtia os bares, tinha poucos amigos, não havia concertos frequentes, não havia uma "cena". A adaptação foi terrível. Mas eu continuei a insisitir e as coisas lá acabaram por acontecer. Quando eu vi o Rui Maia no Mercedes (bar no Porto) com óculos Ray Ban de lentes amarelas num estilo Jarvis Cocker achei que poderia ser uma pessoa interessante para fazer algum projecto musical. "Afinal tambem há freaks aqui no Porto" pensei, estão é por tribos separadas e dispersos, isto assim é uma missão dificil. Em Londres estavam todos no mesmo sítio, ias ao Smashing e lá estavam eles todos. Uma espécie de cbgbs de Nova Iorque circa 1975. Foi assim que os X-Wife começaram: por causa de uns óculos. Sei que parece fútil para muita gente mas na verdade não o é. Os X-Wife fizeram carreira durante mais de 10 anos, viajando, lançando álbuns non stop e dando mais de três centenas de concertos. A história é demasiado longa para estar aqui a explicar tudo. O Club Kitten em Portugal surgiu também de uma forma parecida: foi através de uma rapariga que eu conheci numa festa. Não era bem uma rapariga, era já uma mulher. Quando a conheci percebi logo que aquela era a pessoa indicada para fazer um club. Dava-se com a freakalhada toda que eu curtia ver numa festa (por freak quero dizer excêntrico ou simplesmente fora de vulgar) mas adiante. A Fátima Magalhães é talvez a pessoa mais importante a quem eu devo o sucesso do Club Kitten no Porto e consequentemente à minha carreira como DJ. Se tens um bom produto mas não tens ninguém para o promover, ele não cresce, não chega às pessoas e acaba por morrer, um tipo de atitude de "ninguem me compreende" ou "as pessoas são incultas e não sabem o que é música". A Fátima foi então o impulso para a minha carreira de DJ. Tudo começou assim: "eu passo música e faço os flyers e tu trazes as pessoas". Passados dois anos tínhamos camionetas em excursão para o Lux e o Teatro Sá da Bandeira esgotado com mais de 2000 pessoas. A minha ideia era só juntar os freaks num clubezito para 50 pessoas, não era nada disto. Afinal havia muitos mais freaks, estavam era escondidos... Claro que se o produto não fosse bom, não teria resultado. White Haus continua da mesma forma como quando eu era miúdo e editava cassetes, só que agora tenho um mac e mais alguns brinquedos. A forma como começou foi pelo facto de ter mais tempo livre de ensaios, o Rui Maia foi viver para Lisboa, logo os ensaios regulares acabaram e passaram a ser muito mais espaçados e pouco frequentes, logo senti necessidade de começar a fazer música e também pelo facto de achar que uma carreira como DJ sem seres produtor hoje em dia é muito mais complicado, especialmente se já o fazes há mais de 12 anos no teu país. Tens que mostrar algo de novo, tens que te reinventar, é uma necessidade mas fi-lo de forma natural, sem pressões, sem ambições, sem nada, fi-lo porque me apetecia, porque tinha vontade de fazer música sem regras, sem refrões, sem serem hits de rádio ou para agradar seja a quem for. E assim fiz: montei a minha mini-editora, criei o site, mandei fabricar o vinil e arranjei uma distribuidora internacional. Contratei músicos com quem me identificasse e com o quais gostaria de andar na estrada e montei o projecto. É algo em construção que vai evoluindo com o passar do tempo mas se estou à espera que esteja tudo perfeito nunca mais faço nada, a ideia é ir fazendo.

© Luís Espinheira

Conhecemos-te desde sempre como um frontman de guitarra nos braços. Agora vemos-te agarrado aos vocoders e aos sintetizadores. Primeiro que tudo, como te sentes noutro território? Achas que esta é uma viragem para manter?

Não sei o que é para manter, antes de ser frontman de guitarra era frontman de uma banda de rock nos finais dos anos 90 em Londres, uma onda de Roxy Music, Stooges e Bowie. Alem disso, como Kitten tambem fui frontman durante algum tempo, a minha performance como DJ no início não assentava nas questões técnicas mas sim de comunicação com o público, uma das razões pelas quais as noites do Club Kitten funcionaram tão bem. O estranho deste novo projecto é o facto de depois de cinco concertos me sentir completamante à vontade, já não sou um menino, com X-Wife já pisei o palco mais de 300 vezes e como Kitten perdi a conta. Acima de tudo tens que te sentir confortável e acreditar naquilo que estás a fazer, isso torna tudo muito mais fácil. Se te sentes constrangido e inseguro de alguma forma isso depois transparece e torna-te mais vulnerável e menos confiante. Sinto-me bem assim, estou confortável. Se é uma viragem para manter, não sei, como disse atrás vou fazendo, não penso muito a longo prazo, penso no que está a acontecer agora e tento tirar o maior proveito disso. Com o passar do tempo, valorizas mais os bons momentos e não deixas que outras coisas insignificantes te chateiem.

Como é que descreves o processo de composição, produção e finalização das faixas? És só tu em estúdio ou tens mais alguém envolvido na coisa?

Sou só eu em estúdio. Começo normalmente por um beat e uma linha de baixo, depois entram as vozes e depois os synths e depois o pesadelo de estruturar tudo. Quando está tudo gravado e estruturado levo a um engenheiro de som para misturar a coisa. No caso deste EP o Pedro Chamorra misturou duas faixas, o Humberto (Social Disco Club) outra e o Nuno Mendes uma também. Depois a masterização é feita por profissionais da coisas, este EP foi masterizado em Londres.

Agora uma pergunta de escolha, não vale morrer: Sei que são coisas diferentes, mas em que formato é que te sentes mais à vontade, dos que já mencionámos?

Neste momento em White Haus e posso explicar porquê: como DJ, nunca sabes bem com o que vais levar e é muito mais dificil organizar um set de forma a que as coisas funcionem. Com White Haus, o set está programado e é aquilo, quer seja para 10 ou para 1000 não há mudança de planos. Nos X-Wife, há uma responsabilidade muito maior pois é um projecto com 4 álbuns, 11 anos e muitos concertos em cima, as expectativas são sempre maiores do que para um novo projecto.

Uma coisa que me intriga sempre, em projectos como este, é a adaptação das malhas em formato live act.

O live act ainda não aconteceu. Nesse formato sou eu sozinho a disparar muita coisa ao mesmo tempo. Ainda não aconteceu porque ainda não surgiu o convite e a opção é sempre formato banda ou dj set. No formato "banda" foi complicado ao inicio. Saber o que era realmente importante manter nas músicas, o que deveria ser alterado e como funcionava. Esse foi um processo mais complicado de ensaios, a distribuição das tarefas, a disposição dos músicos em palco, o material todo para andar na estrada, o que é disparado por midi e o que é tocado, enfim... Primeiro que se arranque é mesmo complicado e aí tenho que agradecer a paciência dos musicos que me acompanham, ao disponibilizarem tempo em ensaios e aperfeiçoamento de todo o processo.

Tudo isto ainda é muito recente, mas já tens planos para inovar as performances ao vivo?

Como disse atrás, isto é um projecto em fase de construção, não quero dar tudo de uma vez. Curto as bandas e projectos que vão crescendo e melhorando, pois quando tenho oportunidade de acompanhar o projecto de raiz, gosto de ver como as coisas evoluem. Às vezes nem sempre para melhor, às vezes perdem personalidade e tornam-se mais um projecto no meio de muitos com a mesma sonoridade. Por isso ideias tenho muitas, mas para algumas também é preciso investir e a altura não é a melhor. Eu ainda acredito que a música e a performance se podem sobrepôr a qualquer outra parafernália que possa ser incluida no espectáculo.

Este novo projecto nasce com um EP, mas dizes na tua biografia que já está previsto um longa duração para ser lançado ainda este ano. Já tens isso pronto, o que podemos esperar?

Vou entrar em estúdio esta semana para editar e misturar o disco, já tenho os temas todos gravados mas não é para sair este ano. Ainda não planeei data de lançamento, não estou com pressa. Quando a altura for certa...

Pelo que percebi, todo o projecto nasce das tuas mãos, até o trabalho de design. Também foi uma experiência nova para ti?

Não, fui eu que fiz as capas todas dos X-Wife - são seis: quatro álbuns, um EP e um Single - e também fui eu que fiz todos os flyers do Club Kitten. Em White Haus tive a ajuda do André Cruz, que me convenceu a substituir o preto e branco pelo laranja salmão fluorescente e melhorou todo o design final.

© Luís Espinheira

Houve um pormenor na tua sonoridade que se destacou, a meu ver: uma certa atonalidade, que ouvimos em sintetizadores ligeiramente desafinados, misturada com vozes em delay um tanto ou quanto dadas à esquizofrenia. Também consideras que é uma marca sonora que te identifica? Que outros aspectos te distinguem?

Não penso muito nisso. Se curto um som, se acho que encaixa na música, se me transporta para um determinado estado de espírito, isso é crucial para a musica. Um synth pode alterar por completo o ambiente da música, torná-la mais viva ou mais nostálgica. Por vezes sacrifico melodias de voz de forma a entrarem mais no "mood" da música. Se é algo que me identifica não sei, tenho muitas referências que vão desde os primórdios da Mute, à era de Berlin do Bowie, Prince, Death grips, Arthur Russel, In Flagranti. São tantas coisas que é dificil falar de todos mas é sobretudo uma influência daquilo que passo nos meus sets. Sinceramente não me cabe a mim perceber o que é me distingue dos outros, a partir do momento em que se está tão envolvido na música perdes um bocado a noção daquilo que estás a fazer, já não sabes bem o que é que a destingue dos outros. Acho que já desde o início como DJ foi o facto de passar música com alma e menos música a metro: entusiasmava-me mais a passar o "Metal Fingers In My Body" dos Add N To (X) seguido do Revolution dos Spacemen 3 do que a acertar um beat a 120 BPM.

Tal como acontece muitas vezes em projectos a solo deste tipo, as colaborações têm sido um modus operandi com provas dadas, e dado o teu currículo em partilhar palco com nomes sonantes, quer como DJ, como banda, e até agora como White Haus, há alguma colaboração na calha?

Não há nada na calha, acho que o facto de ser vocalista e cantar no temas que produzo torna a coisa mais fácil. Muitas vezes os produtores de música de dança procuram vozes para os seus temas. Tentei o Snoop Dogg mas já estava ocupado...

Isto é sempre difícil de apurar, mas vou arriscar: achas que já chegaste onde querias? Claro que aqui vou pedir-te que enquadres os três prismas em que te encontras.

Acho que ninguém chega onde queria, tirando casos muitos especiais. Quando alcanças o primeiro objectivo, já estás a começar a pensar no próximo, em subir mais um patamar, em ir mais longe... Honestamente ainda não, mas aprendi a viver com isso, continuo a fazer música de uma forma natural e não obsessiva, tenho alguma ambição mas tento não criar expectativas. Faço aquilo que me apetece, aquilo que eu gosto e em que acredito. Não tenho sede de sucesso, mas sim de poder continuar a fazer aquilo que gosto e ter condições para o fazer. Se gostava que a minha música chegasse a mais gente e além fronteiras? Claro que sim, quem é que não o desejaria? Se acho que conseguiria chegar a mais gente? Acredito que sim. Se preciso de uma boa máquina de PR que dê o empurrão? Claro que sim. Mas se isso é fácil nos dias de hoje? Cada vez mais dificil. É que somos muitos e cada vez mais. A música anda no ar e evapora-se facilmente.
Simão Martins
simaopmartins@gmail.com

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