ENTREVISTAS
10.000 Russos
(Not) From Russia, with love
· 27 Jul 2013 · 00:04 ·
O nome é sugestivo mas nasceu de um brainstorming numa noite de copos, e a explicação por lá ficou. Os 10.000 Russos são, no fundo, só dois: Pedro Pestana, mentor único do projecto Tren Go! Sound System, na guitarra, e João Pimenta, vocalista de vários projectos. O cinema e os ares de Leste são algumas das influências desta experiência musical libertina, reunida na cassete já editada que conta com quatro temas. Assumem-se egoístas na medida em que compõem para si mesmos, não olhando sequer ao que o público poderá gostar. No futuro querem manter a lógica “do it yourself” e para o Milhões de Festa prometem novidades.
O Pedro tinha um projecto a solo e tu sempre foste vocalista. Como nascem daí os 10.000 Russos?

Joca - O Pedro tem um projecto a solo de seu nome Tren Go! Soundsystem que continuo a achar dos segredos mais bem guardados da música moderna portuguesa. Infelizmente as pessoas no dia de hoje dão mais importância à forma e não tanto ao conteúdo, mas isso são outras histórias. No meu caso, estava nitidamente farto de ser o vocalista que espera que os outros façam as canções para eu cantar por cima. É algo que faço desde 1998 e apesar de gostar do papel de frontman, também acho que o meu tempo nessa posição provavelmente esgotou-se porque já encontro problemas em me reinventar, são muitos anos seguidos. Sendo assim e conhecendo-nos os dois, decidimos embarcar nesta aventura que nos tem agradado caso contrário não teríamos editado nada.

O nome da banda é um tanto ou quanto curioso. Demis Roussos ou poderiam ser 10.000 Portugueses?

Eu comprei o nome da banda a um gajo de Barcelos chamado Meira, numa noite de copos em que atirávamos para cima da mesa nomes de bandas. Penso que esse surgiu a seguir a Tó, Quim e Guedes ou algo do género. Achei-o genial, o Meira vendeu-me os direitos de autor do nome por um fino e reside aí o mistério do nome.

Ainda nesse sentido, a simbologia aparentemente crua e fria do nome vai ao encontro da sonoridade?

Sim, claro que tem ligações. Há sempre um conceito por trás dos títulos e da própria simbologia das 4 músicas que estão na cassete. Acaba por ser uma invasão sonora onde surgem silvos e feedbacks não sabes muito bem de onde, é o equivalente sonoro a uma aldeia do centro da Europa que é atacada por Hunos.

O resultado musical é extremamente libertino, o que se evidencia nos concertos ao vivo. O processo criativo é semelhante? Como acontece?

Ao vivo não se diferencia muito do que é em ensaio. Metade do concerto está programado e a outra metade não está. Ou seja nós improvisámos partes que de repente se transformam numa canção. Nunca se sabe muito bem quando vai começar ou acabar a canção, é algo que fazemos através de olhares. Como somos só dois, é muito mais fácil de trabalhar assim. Por isso nenhum concerto é igual ao anterior ou ao seguinte

Qual o efeito que um concerto vosso deverá provocar, além de tinnitus? E qual tem provocado? Quais têm sido as reacções?

Tem sido muito positiva num segmento entre os 30 e os 40 anos. A malta de 20 acho que não entende muito bem o que estámos a fazer, mas na realidade não nos interessa muito a reacção porque isto é profundamente egoísta, só fazemos isto para nós. Claro que apreciámos que as pessoas gostem, mas na realidade nem interessa assim muito porque nem estámos a olhar para o público sequer. Mas temos recebido críticas muito positivas de quem ouvia Suicide e Spacemen 3 no final dos anos 80. Essa malta costuma adorar-nos.

Algumas músicas poder-se-iam encaixar em narrativas fílmicas nomeadamente pelo suspense que transmitem. Há influências cinematográficas na vossa criação?

Muito mais do que influências de qualquer banda. O Pedro Pestana trabalha directamente com cinema já que faz sonoplastia e captação e edição de som para vários filmes que vão desde o "Estrada de Palha" ao "Pokemon". E por isso se há pessoa para conversar sobre cinema é ele. Eu sou mais um entusiasta, que aprecia as tensões e as cadência que uma música num filme pode ter. Nós gostámos dessa capacidade de alguns tons e feedbacks conseguirem reproduzir um ambiente claustrufóbico numa determinada parte da canção, porque nunca sabes o que vai acontecer a seguir como um bom filme deve ser. Eu pela parte que me toca gosto bastante dos sons dos filmes de terror e isso é algo que transportámos para a nossa música

Editarem em cassete é de algum modo a expressão de um certo saudosismo?

Editar em cassete deve-se ao facto de editar em vinil ser demasiado caro e editar em cd não ter qualquer importância nos dias de hoje, já que se transformou num objecto de uma tamanha vulgaridade que as pessoas não dão qualquer valor ao mesmo. A não ser que tenhas um artwork brutal, como um livro que acompanha o cd. Como não temos dinheiro para nenhuma destas duas formas, optámos pela cassete, aproveitando uma fábrica de Águas Santas que ainda edita neste formato. As pessoas mostram-se surpreendidas mas na realidade quer eu, quer o Pedro, quando começamos a tocar a meio dos anos 90, o mais vulgar era as obras serem em cassete, as míticas demo tapes.

Sendo tudo tão descomprometido, quais são os planos futuros para este projecto?

Gostávamos de usar mais imagem nos concertos até porque achámos que a nossa música se iria ligar bem a isso. E continuar a trabalhar de uma forma 100 por cento independente em que tudo passa por nós. Esta cassete por exemplo foi captada no estúdio de um amigo nosso, a mistura foi feita totalmente por nós, o artwork foi feito pela minha namorada, a marcação de concertos é feita por nós, a divulgação também. É uma atitude perante a música que queremos ter, até porque se isto é para nós, temos de ser nós a cozinhar tudo caso contrário não faria sentido estarmos a fazer o que estámos a fazer. Se calhar poderemos estar a perder concertos por não estarmos numa agência ou numa label, mas isso também foi uma opção nossa, já que queremos controlar todo o processo criativo. Sentimo-nos muito bem assim.

O que trazem para Barcelos e o que esperam levar?

Trazemos algumas novidades que serão intercaladas com algumas músicas da cassete e não esperámos levar nada. Não fazemos isto para levar algo connosco a não ser o sentirmo-nos bem connosco próprios, embora gostemos sempre que demonstrem que também se sentiram bem connosco como por exemplo quando fomos tocar ao Lounge, em Lisboa e a primeira pessoa que apareceu, surgiu uma hora antes do concerto, a dizer-nos que andava a ouvir a nossa cassete há mais de um mês em repeat e que a nossa música o tinha ajudado a passar por um momento complicado da vida dele. Deu-nos um abraço e comprou-nos a cassete. Agora alguém vai dizer, se ele andava a ouvir-vos, como não tinha já a cassete? Porque as músicas podem ser "sacadas" em download livre através da nossa página do facebook. Acreditámos nessa livre partilha de ideias, arte e conceitos.
Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com

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