ENTREVISTAS
Nuno Sanches
Grão-a-Grão
· 19 Mar 2013 · 22:33 ·
Grão, Caule, Flor... Este projecto é um crescendo?
O projecto nasceu de uma forma natural e foi uma espécie de exercício auto-proposto, para começar e terminar na trilogia, e tentar ser menos caótico na disciplina da motivação e aprendizagem. Pareceu-me que, com as muitas “quase-canções” que tinha espalhadas em gavetas e ficheiros audio e texto, seria possível elaborar três álbuns de fabrico caseiro no prazo de um ano e que me permitissem, com a edição do Flor, dominar alguns instrumentos que precisassem de tempo. Não me refiro a técnica instrumental – em sou tudo menos virtuoso - , mas sim a um exercício mais interior, da escrita à métrica, da melodia à harmonia e de alguns processos básicos de gravação e mistura que fossem úteis no futuro. Creio que tudo o que se faz na área criativa é inevitavelmente um crescendo, dê por onde der. Em termos formais, a trilogia fechou. O crescendo continuará, por outros caminhos e novas aprendizagens.
O que levou nesta fase a expores o teu trabalho enquanto músico? Tiveste outros projectos?
Com o Fred e o Tiago Ramos (continuamos juntos em palco e na vida), fizemos uma série de canções originais, entre o experimentalismo e o “ligeiro”. O processo de gravação e “formalização” da coisa arrastou-se por demasiado tempo e, de alguma forma, essa demora acabou por contribuir para que me focasse mais individualmente naquilo que dá prazer – escrever e compor. O projecto chamava-se Flóber e começou por transpor para canção textos de um projecto literário muito bom de seu nome “Estrume” (Miguel Clara Vasconcelos e Nuno Morão). A partir daí, começamos a trabalhar outros temas que – espera-se – vejam a luz do dia algures num futuro incerto.
As influências de música tradicional são notórias. Contudo, muito mais nos primeiros trabalhos. Como surge o cruzamento deste género com técnicas mais electrónicas e experimentais?
A ideia (só ideia, porque não consigo traduzir com rigor – nem sei se alguém conseguirá – os mistérios do diálogo constante entre a memória, o coração e a razão) que tenho e que me dispus a explorar é que de facto o campo musical não tem qualquer espécie de limites, o que torna tudo aliciante – se guiado pelo prazer. Não invalido um dia ter um romance apaixonado com uma concertina ou com um violino, tão intenso que ignore tudo o resto e me “case” definitivamente, vestido a rigor e tudo. Para já, gosto da ideia do não-limite, onde se possa misturar tudo que produza som, do sample japonês ao cavaquinho, da tarola ao miar de gato, do adufe ao barril de petróleo tocado com colheres de pau. É o que de momento mais me entusiasma, essa aproximação a uma espécie de liberdade, por isso esse cruzamento de (chamemos-lhes assim) géneros, acaba por ser natural. E descomprometida. Não há pressão para com nada nem para com ninguém.
Também os títulos dos discos se relacionam com um afastamento à raiz, nesse sentido?
É uma bela leitura...mas nunca pensei muito nisso. Se o Grão tem uma leitura mais literal – no sentido de semente de um projecto a solo – o Caule e a Flor seriam os caminhos a seguir, numa perspectiva de crescimento e cor e, como já referi, de encerramento dessa fase de pré-aprendizagem em três álbuns.
As colaborações têm sido uma constante. É uma forma de cada um dos convidados deixar a sua semente neste projecto?
E uma forma de ser feliz, também. Juntar amigos, música e tempo é possivelmente das melhores maneiras de se fazerem coisas. Umas acontecem por coincidência boa (na escrita por exemplo), outras quase por necessidade, mas sobretudo vem deste prazer que é viver rodeado de amigos bons, disponíveis para ouvir coisas intragáveis e de coração aberto para sugestões e a crítica. Não sou muito fechado no que à criação diz respeito com as pessoas mais próximas.
Tanto as músicas como as letras possuem uma espécie de aura bucólica. Apesar de real e verdadeiro, há algo de poético. És de alguma forma, um sonhador?
Somos todos. E se há tempo onde nos devemos esforçar para moldar o sonho em realidade, são estes em que vivemos.
Contas estórias musicadas ou tocas músicas com estórias?
As duas. Às vezes a história segue a música, outras vezes é a música que lhe faz a cama e puxa os cobertores para cima.
O uso de letras minúsculas ou maiúsculas em letras e títulos é propositado? E significativo?
No Flor começou a ser mais propositado e é-o inconscientemente quando o título de uma música não aparece, a minúscula indicia aquilo que podemos chamar de “sub-leitura” daquilo que a canção possa transmitir. Quando é mais assumido, aparece o caps-lock todo seguro. [risos]
A capa é bastante mais colorida que as restantes. O mesmo se traduz no disco?
Não. No seguimento do exercício dos três álbuns a nível musical, o conceito por trás das capas dos álbuns era que fosse um ilustrador diferente a interpretar cada um dos álbuns, ou a colaborar com um desenho ou imagem que já existisse. Foi o caso do Grão, com ilustração da Susana Maciel e do Flor, com ilustração-programada (não sei que nome dar a isto – mas é um software de autoria que criou as várias flores que compõem a capa), do Pedro Amado. O Caule foi o mais trabalhado na relação músicas-desenho, com ilustração do Tiago Lourenço. Há quem diga que possa ser um bocadinho contrastante, mas gosto desta ideia – como alguém já escreveu – de escrever uma letra pujante numa harmonia delicada. Esse contraste entusiasma-me, como ter uma capa colorida quase a cheirar a álbum produzido sob o efeito de LSD e muita alegria, e dar de caras com uma dose q.b. de melancolia.
Tocar ao vivo é um desafio? Costumas subir ao palco acompanhado?
As canções nos concertos vivem de outros arranjos e da energia de um grupo de 4 pessoas. Eu, o Fred nos coros, harmónica e algum ritmo, o Nuno Morão na bateria e percussão e o Tiago Ramos no Baixo. Ocasionalmente um Metalofone e Melódica. Os arranjos são substancialmente diferentes dos das gravações, frutos de um trabalho de grupo.
A seguir, o que vem? O fruto?
A seguir estão as ideias que já começaram a crescer. Em Fevereiro passado estivemos 5 dias (nós, os dos concertos) com a ajuda preciosa do Pedro Magalhães, em aldeia isolada numa serra onde estivemos a gravar vários temas da trilogia com o objectivo descomprometido de conseguir lançar um álbum para meados de Maio. Foi muito estimulante porque juntou aquilo que referi há umas linhas atrás: tempo, música e amigos (acrescido de isolamento e natureza). Tivemos a participação das vozes da Oriana Alves e da Lucy Evangelista, tudo filmado e documentado pelo Tiago de Faria. Em Junho, espera-se álbum de originais mas sem nome de fruta (um álbum chamado “Ameixa”, “Abacate” ou “Melão” seria cómico, mas não, a trilogia fechou em três).
Alexandra João MartinsO projecto nasceu de uma forma natural e foi uma espécie de exercício auto-proposto, para começar e terminar na trilogia, e tentar ser menos caótico na disciplina da motivação e aprendizagem. Pareceu-me que, com as muitas “quase-canções” que tinha espalhadas em gavetas e ficheiros audio e texto, seria possível elaborar três álbuns de fabrico caseiro no prazo de um ano e que me permitissem, com a edição do Flor, dominar alguns instrumentos que precisassem de tempo. Não me refiro a técnica instrumental – em sou tudo menos virtuoso - , mas sim a um exercício mais interior, da escrita à métrica, da melodia à harmonia e de alguns processos básicos de gravação e mistura que fossem úteis no futuro. Creio que tudo o que se faz na área criativa é inevitavelmente um crescendo, dê por onde der. Em termos formais, a trilogia fechou. O crescendo continuará, por outros caminhos e novas aprendizagens.
O que levou nesta fase a expores o teu trabalho enquanto músico? Tiveste outros projectos?
Com o Fred e o Tiago Ramos (continuamos juntos em palco e na vida), fizemos uma série de canções originais, entre o experimentalismo e o “ligeiro”. O processo de gravação e “formalização” da coisa arrastou-se por demasiado tempo e, de alguma forma, essa demora acabou por contribuir para que me focasse mais individualmente naquilo que dá prazer – escrever e compor. O projecto chamava-se Flóber e começou por transpor para canção textos de um projecto literário muito bom de seu nome “Estrume” (Miguel Clara Vasconcelos e Nuno Morão). A partir daí, começamos a trabalhar outros temas que – espera-se – vejam a luz do dia algures num futuro incerto.
As influências de música tradicional são notórias. Contudo, muito mais nos primeiros trabalhos. Como surge o cruzamento deste género com técnicas mais electrónicas e experimentais?
A ideia (só ideia, porque não consigo traduzir com rigor – nem sei se alguém conseguirá – os mistérios do diálogo constante entre a memória, o coração e a razão) que tenho e que me dispus a explorar é que de facto o campo musical não tem qualquer espécie de limites, o que torna tudo aliciante – se guiado pelo prazer. Não invalido um dia ter um romance apaixonado com uma concertina ou com um violino, tão intenso que ignore tudo o resto e me “case” definitivamente, vestido a rigor e tudo. Para já, gosto da ideia do não-limite, onde se possa misturar tudo que produza som, do sample japonês ao cavaquinho, da tarola ao miar de gato, do adufe ao barril de petróleo tocado com colheres de pau. É o que de momento mais me entusiasma, essa aproximação a uma espécie de liberdade, por isso esse cruzamento de (chamemos-lhes assim) géneros, acaba por ser natural. E descomprometida. Não há pressão para com nada nem para com ninguém.
Também os títulos dos discos se relacionam com um afastamento à raiz, nesse sentido?
É uma bela leitura...mas nunca pensei muito nisso. Se o Grão tem uma leitura mais literal – no sentido de semente de um projecto a solo – o Caule e a Flor seriam os caminhos a seguir, numa perspectiva de crescimento e cor e, como já referi, de encerramento dessa fase de pré-aprendizagem em três álbuns.
As colaborações têm sido uma constante. É uma forma de cada um dos convidados deixar a sua semente neste projecto?
E uma forma de ser feliz, também. Juntar amigos, música e tempo é possivelmente das melhores maneiras de se fazerem coisas. Umas acontecem por coincidência boa (na escrita por exemplo), outras quase por necessidade, mas sobretudo vem deste prazer que é viver rodeado de amigos bons, disponíveis para ouvir coisas intragáveis e de coração aberto para sugestões e a crítica. Não sou muito fechado no que à criação diz respeito com as pessoas mais próximas.
Tanto as músicas como as letras possuem uma espécie de aura bucólica. Apesar de real e verdadeiro, há algo de poético. És de alguma forma, um sonhador?
Somos todos. E se há tempo onde nos devemos esforçar para moldar o sonho em realidade, são estes em que vivemos.
Contas estórias musicadas ou tocas músicas com estórias?
As duas. Às vezes a história segue a música, outras vezes é a música que lhe faz a cama e puxa os cobertores para cima.
O uso de letras minúsculas ou maiúsculas em letras e títulos é propositado? E significativo?
No Flor começou a ser mais propositado e é-o inconscientemente quando o título de uma música não aparece, a minúscula indicia aquilo que podemos chamar de “sub-leitura” daquilo que a canção possa transmitir. Quando é mais assumido, aparece o caps-lock todo seguro. [risos]
A capa é bastante mais colorida que as restantes. O mesmo se traduz no disco?
Não. No seguimento do exercício dos três álbuns a nível musical, o conceito por trás das capas dos álbuns era que fosse um ilustrador diferente a interpretar cada um dos álbuns, ou a colaborar com um desenho ou imagem que já existisse. Foi o caso do Grão, com ilustração da Susana Maciel e do Flor, com ilustração-programada (não sei que nome dar a isto – mas é um software de autoria que criou as várias flores que compõem a capa), do Pedro Amado. O Caule foi o mais trabalhado na relação músicas-desenho, com ilustração do Tiago Lourenço. Há quem diga que possa ser um bocadinho contrastante, mas gosto desta ideia – como alguém já escreveu – de escrever uma letra pujante numa harmonia delicada. Esse contraste entusiasma-me, como ter uma capa colorida quase a cheirar a álbum produzido sob o efeito de LSD e muita alegria, e dar de caras com uma dose q.b. de melancolia.
Tocar ao vivo é um desafio? Costumas subir ao palco acompanhado?
As canções nos concertos vivem de outros arranjos e da energia de um grupo de 4 pessoas. Eu, o Fred nos coros, harmónica e algum ritmo, o Nuno Morão na bateria e percussão e o Tiago Ramos no Baixo. Ocasionalmente um Metalofone e Melódica. Os arranjos são substancialmente diferentes dos das gravações, frutos de um trabalho de grupo.
A seguir, o que vem? O fruto?
A seguir estão as ideias que já começaram a crescer. Em Fevereiro passado estivemos 5 dias (nós, os dos concertos) com a ajuda preciosa do Pedro Magalhães, em aldeia isolada numa serra onde estivemos a gravar vários temas da trilogia com o objectivo descomprometido de conseguir lançar um álbum para meados de Maio. Foi muito estimulante porque juntou aquilo que referi há umas linhas atrás: tempo, música e amigos (acrescido de isolamento e natureza). Tivemos a participação das vozes da Oriana Alves e da Lucy Evangelista, tudo filmado e documentado pelo Tiago de Faria. Em Junho, espera-se álbum de originais mas sem nome de fruta (um álbum chamado “Ameixa”, “Abacate” ou “Melão” seria cómico, mas não, a trilogia fechou em três).
alexandrajoaomartins@gmail.com
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