ENTREVISTAS
Nuno Sanches
Grão-a-Grão
· 19 Mar 2013 · 22:33 ·
Nuno Sanches é Nuno Sanches, e os convidados. Natural do Porto, assume não ser um virtuoso a nível técnico mas as ‘quase-canções’, em .wav e .txt, espalhadas no computador levaram-no a acreditar que podia fazer três álbuns num ano. Eis que surgem Grão, Caule e, mais recentemente, Flor. Antes disso, Nuno apenas tinha feito parte de Flóber, um projecto com dois amigos entre música experimental e ligeira. Traz na sua música as raízes tradicionais portuguesas e acrescenta-lhes a tecnologia electrónica do século XXI. Acredita não haver limites nos campos criativos e por isso não invalida a possibilidade de vir a casar-se com uma concertina. Tocar acompanhado fá-lo feliz. Por norma, o entusiasta da experimentação sobe ao palco com bateria, coros, harmónica, baixo e, às vezes, metalofone e melódica. Para a capa de cada álbum convidou um ilustrador a interpretar. Contudo, flores coloridas não garantem animação.
Grão, Caule, Flor... Este projecto é um crescendo?

O projecto nasceu de uma forma natural e foi uma espécie de exercício auto-proposto, para começar e terminar na trilogia, e tentar ser menos caótico na disciplina da motivação e aprendizagem. Pareceu-me que, com as muitas “quase-canções” que tinha espalhadas em gavetas e ficheiros audio e texto, seria possível elaborar três álbuns de fabrico caseiro no prazo de um ano e que me permitissem, com a edição do Flor, dominar alguns instrumentos que precisassem de tempo. Não me refiro a técnica instrumental – em sou tudo menos virtuoso - , mas sim a um exercício mais interior, da escrita à métrica, da melodia à harmonia e de alguns processos básicos de gravação e mistura que fossem úteis no futuro. Creio que tudo o que se faz na área criativa é inevitavelmente um crescendo, dê por onde der. Em termos formais, a trilogia fechou. O crescendo continuará, por outros caminhos e novas aprendizagens.

O que levou nesta fase a expores o teu trabalho enquanto músico? Tiveste outros projectos?

Com o Fred e o Tiago Ramos (continuamos juntos em palco e na vida), fizemos uma série de canções originais, entre o experimentalismo e o “ligeiro”. O processo de gravação e “formalização” da coisa arrastou-se por demasiado tempo e, de alguma forma, essa demora acabou por contribuir para que me focasse mais individualmente naquilo que dá prazer – escrever e compor. O projecto chamava-se Flóber e começou por transpor para canção textos de um projecto literário muito bom de seu nome “Estrume” (Miguel Clara Vasconcelos e Nuno Morão). A partir daí, começamos a trabalhar outros temas que – espera-se – vejam a luz do dia algures num futuro incerto.



As influências de música tradicional são notórias. Contudo, muito mais nos primeiros trabalhos. Como surge o cruzamento deste género com técnicas mais electrónicas e experimentais?

A ideia (só ideia, porque não consigo traduzir com rigor – nem sei se alguém conseguirá – os mistérios do diálogo constante entre a memória, o coração e a razão) que tenho e que me dispus a explorar é que de facto o campo musical não tem qualquer espécie de limites, o que torna tudo aliciante – se guiado pelo prazer. Não invalido um dia ter um romance apaixonado com uma concertina ou com um violino, tão intenso que ignore tudo o resto e me “case” definitivamente, vestido a rigor e tudo. Para já, gosto da ideia do não-limite, onde se possa misturar tudo que produza som, do sample japonês ao cavaquinho, da tarola ao miar de gato, do adufe ao barril de petróleo tocado com colheres de pau. É o que de momento mais me entusiasma, essa aproximação a uma espécie de liberdade, por isso esse cruzamento de (chamemos-lhes assim) géneros, acaba por ser natural. E descomprometida. Não há pressão para com nada nem para com ninguém.

Também os títulos dos discos se relacionam com um afastamento à raiz, nesse sentido?

É uma bela leitura...mas nunca pensei muito nisso. Se o Grão tem uma leitura mais literal – no sentido de semente de um projecto a solo – o Caule e a Flor seriam os caminhos a seguir, numa perspectiva de crescimento e cor e, como já referi, de encerramento dessa fase de pré-aprendizagem em três álbuns.

As colaborações têm sido uma constante. É uma forma de cada um dos convidados deixar a sua semente neste projecto?

E uma forma de ser feliz, também. Juntar amigos, música e tempo é possivelmente das melhores maneiras de se fazerem coisas. Umas acontecem por coincidência boa (na escrita por exemplo), outras quase por necessidade, mas sobretudo vem deste prazer que é viver rodeado de amigos bons, disponíveis para ouvir coisas intragáveis e de coração aberto para sugestões e a crítica. Não sou muito fechado no que à criação diz respeito com as pessoas mais próximas.

Tanto as músicas como as letras possuem uma espécie de aura bucólica. Apesar de real e verdadeiro, há algo de poético. És de alguma forma, um sonhador?

Somos todos. E se há tempo onde nos devemos esforçar para moldar o sonho em realidade, são estes em que vivemos.



Contas estórias musicadas ou tocas músicas com estórias?

As duas. Às vezes a história segue a música, outras vezes é a música que lhe faz a cama e puxa os cobertores para cima.

O uso de letras minúsculas ou maiúsculas em letras e títulos é propositado? E significativo?

No Flor começou a ser mais propositado e é-o inconscientemente quando o título de uma música não aparece, a minúscula indicia aquilo que podemos chamar de “sub-leitura” daquilo que a canção possa transmitir. Quando é mais assumido, aparece o caps-lock todo seguro. [risos]

A capa é bastante mais colorida que as restantes. O mesmo se traduz no disco?

Não. No seguimento do exercício dos três álbuns a nível musical, o conceito por trás das capas dos álbuns era que fosse um ilustrador diferente a interpretar cada um dos álbuns, ou a colaborar com um desenho ou imagem que já existisse. Foi o caso do Grão, com ilustração da Susana Maciel e do Flor, com ilustração-programada (não sei que nome dar a isto – mas é um software de autoria que criou as várias flores que compõem a capa), do Pedro Amado. O Caule foi o mais trabalhado na relação músicas-desenho, com ilustração do Tiago Lourenço. Há quem diga que possa ser um bocadinho contrastante, mas gosto desta ideia – como alguém já escreveu – de escrever uma letra pujante numa harmonia delicada. Esse contraste entusiasma-me, como ter uma capa colorida quase a cheirar a álbum produzido sob o efeito de LSD e muita alegria, e dar de caras com uma dose q.b. de melancolia.

Tocar ao vivo é um desafio? Costumas subir ao palco acompanhado?

As canções nos concertos vivem de outros arranjos e da energia de um grupo de 4 pessoas. Eu, o Fred nos coros, harmónica e algum ritmo, o Nuno Morão na bateria e percussão e o Tiago Ramos no Baixo. Ocasionalmente um Metalofone e Melódica. Os arranjos são substancialmente diferentes dos das gravações, frutos de um trabalho de grupo.

A seguir, o que vem? O fruto?

A seguir estão as ideias que já começaram a crescer. Em Fevereiro passado estivemos 5 dias (nós, os dos concertos) com a ajuda preciosa do Pedro Magalhães, em aldeia isolada numa serra onde estivemos a gravar vários temas da trilogia com o objectivo descomprometido de conseguir lançar um álbum para meados de Maio. Foi muito estimulante porque juntou aquilo que referi há umas linhas atrás: tempo, música e amigos (acrescido de isolamento e natureza). Tivemos a participação das vozes da Oriana Alves e da Lucy Evangelista, tudo filmado e documentado pelo Tiago de Faria. Em Junho, espera-se álbum de originais mas sem nome de fruta (um álbum chamado “Ameixa”, “Abacate” ou “Melão” seria cómico, mas não, a trilogia fechou em três).
Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com

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