ENTREVISTAS
Bernardo Devlin
Sic Transit Gloria Mundi
· 29 Nov 2012 · 01:07 ·
Bernardo Devlin tem um disco novo. Sic Transit é mais um importante volume numa discografia ímpar na música portuguesa. De difícil de classificação, a música de Devlin vem desafiando os nossos ouvidos desde que este se iniciou nas lides musicais com os Osso Exótico – sim, já lá vai muito tempo. Aquele que será o mais audaz cantor e compositor de língua portuguesa, chega agora ao quinto disco, completando uma discografia a solo inicada quase há vinte anos (!): World, Freehold (1994), Albedo (1997), Circa 1999 (2003) e Ágio (2008). Em discurso directo, Devlin fala ao Bodyspace sobre o novo disco e muito mais. Assim vai a glória do mundo.
Antes de mais, porquê este título, Sic Transit?

Porque quis dar ênfase ao transitório, ao impermanente.

Li que neste disco havia um desejo de simplificar, de fazer as coisas de forma mais directa. Conseguiste traduzir na música essa simplificação?

Estamos a falar de música, certo? Mas a questão é, será que o facto de as canções assentarem em ritmos mais sólidos e definidos que os dos álbuns anteriores o torna mais directo e simples? Não há música mais esotérica do que o techno, do meu ponto de vista. E sempre ouvi música electrónica.



Sobre este disco Sic Transit tem-se falado muito em krautrock. Confirmas que esta referência estará correcta? Se sim, terá sido algo consciente?

Não aquando da escrita e composição. À posteriori é muito mais fácil dizer essas coisas. Se o mencionei deve-se ao facto de ter procurado um equilíbrio entre um aspecto mais expansivo, repetitivo e hipnótico de algum rock alemão dos 1970's e a estrutura de canção, algo como se a falada colaboração entre o Tim Hardin e os CAN tivesse dado frutos.

Numa crítica a este disco li uma classificação como “música pop para adultos”. Qual a tua reacção a esta “classificação”?

A indústria musical tem o AOR como rótulo, para artistas tipo Joe Cocker, etc. Eu acredito que este seria um álbum que eu teria adorado aos 18 anos. E muitas vezes é ao meu eu dos 16-18 anos que recorro em caso de dúvida. No entanto percebo o que ele quis dizer, claro.

Este disco conta com a participação de convidados vindos de universos muito díspares: Rui Dâmaso, Luísa Gonçalves, Rita Braga, Maria João Neves, Nuno Leão e Miguel Cintra na bateria - e ainda Ernesto Rodrigues, David Maranha e Keiko Higuchi. Porquê a escolha destes nomes, oriundos de universos tão diferentes?

Nada é assim tão díspar. O universo é composto por um número indefinido de agentes químicos e físicos.

Esta música estará muito distante do trabalho com os Osso Exótico? Sentes que há uma coerência ao longo do teu percurso?

Boa questão. Quando o Osso Exótico se formou em 1989, a música era um estranho derivado daquilo que gostávamos e das nossas limitações. E ao mesmo tempo bastante original. Canções absolutamente estruturadas. Ainda hoje me arrependo de não ter sido esse o primeiro álbum do grupo. De resto, mesmo os dois álbuns que gravei com o Osso Exótico eram consideravelmente diferentes a nível do som e ideia. Da minha perspectiva não existe qualquer diferença entre o que eu fiz com eles e o que tenho vindo a fazer. Se saí em 1991 foi porque percebi que a direcção que eu queria seguir não era praticável naquele contexto.

Trabalhaste a produção do disco, com a colaboração de Joel Conde. Foi importante controlar também esse trabalho mais “técnico”?

É sempre importante haver alguém com competências para desempenhar esse papel. O Joel foi fantástico a esse nível, e espero continuar a contar com ele para os próximos projectos, o que aliás já foi discutido. Para além disso, o disco foi gravado pelo Joaquim Monte no estúdio Namouche, onde espero conseguir arranjar forma de continuar a trabalhar, assim o projecto o exija.



Na condição de produtor foste também responsável pelo disco da Rita Braga, Cherries that went to the Police. Que ideias tentaste transmitir no trabalho desse disco?

Em primeiro lugar talvez deva dizer que não me considero um “produtor”. Simplesmente estava numa situação em que o pude fazer. No disco da Rita, tal como com os Calhau, o Presidente Drógado e Traumático Desmame, tentei ter a certeza que não desvirtuava a ideia. Mas isso também não é sinónimo de passividade.

Esse papel de produtor complementa a faceta de autor/cantor?

Por vezes é bom sair do nosso hemisfério, mas não é minha intenção dar continuidade a essa actividade.

Há planos para a apresentação do disco ao vivo?

Há remotas possibilidades. É complicado nos tempos que correm pôr certas coisas em prática. Concertos com banda é uma delas. O que é uma pena, até porque me daria a chance de voltar a tocar coisas que não toco desde 1999.

E agora, após a edição do disco, o que tens agora preparado para os próximos tempos?

Tenho vindo a trabalhar em coisas novas, um pouco mais abstractas e electrónicas. Acredito que para o ano haverá disco novo. Isto se o mundo não acabar no dia 21.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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