ENTREVISTAS
Barn Owl
Estrelas Ancestrais
· 12 Out 2012 · 17:39 ·
Uma carreira construída na espiritualidade e no psicadelismo. Irá caber-lhes a honra – sim, a honra, de estrear a edição de 2012 do Amplifest com um concerto único no Passos Manuel (entretanto já esgotado), bem como de se apresentarem na Galeria Zé dos Bois um dia antes, dois concertos onde os Barn Owl nos abrirão as portas da percepção. De esperar: uma longa viagem ao mais profundo da psique humana, estrada construída a partir das guitarras, dos riffs, dos drones meditativos da dupla composta por Jon Porras e Evan Caminiti. Após uma série de lançamentos aqui e ali, os norte-americanos encontraram o seu espaço na Thrill Jockey, que editou aqueles que porventura serão os seus discos mais conhecidos, Ancestral Star e Lost In The Glare. Numa entrevista por e-mail, Evan contou ao Bodyspace um pouco daquilo que tem vindo a fazer e abriu o livro para o que se passará no dia 26.
Esta é provavelmente uma pergunta um pouco estranha para se fazer numa entrevista por e-mail, e assim menos pessoal do que seria se estivéssemos cara a cara, mas: como estás? Que tens feito ultimamente?

Estou bem, obrigado. Tenho andado ocupado a trabalhar no novo disco de Barn Owl. E também a trabalhar nalgum material ao vivo para projectos a solo, tanto sob o meu nome como sob Painted Caves.

Ao longo dos vossos álbuns, independentemente das variações no som e nos instrumentos que utilizam, a vossa música continua, no seu âmago, algo de muito meditativo, quase religioso. Ao trabalhar num disco, onde se situa a vossa alma? Que tipo de coisas vos inspira para criar a música que fazem?

Música, livros, filmes, e simplesmente viver dia a dia. As coisas que já experienciámos e as pessoas que conhecemos em tours também são uma inspiração. Ao trabalhar num álbum o que importa é seres honesto contigo mesmo, fazer música que queiras ouvir, focares-te só nas coisas que realmente te inspiram e não tentar viver à custa das expectativas que os outros possam ter de ti. A música vem de um canalizar de forças exteriores e não é tanto uma forma de lidar com problemas pessoais, mas continua a ter esse aspecto catártico, especialmente ao vivo.



Foram sempre uma banda muito activa - lançando discos ano após ano, colaborando com músicos como The Infinite Strings Ensemble, criando a vossa própria editora (Electric Totem) - mas em 2012 parecem ter "dado um tempo ao estúdio". Que poderemos esperar para 2013, em termos de música?

Bem, ambos lançámos discos a solo em 2012, juntamente com as tours e as gravações do novo disco de Barn Owl. Lancei dois discos este ano com o meu nome, Night Dust e Dreamless Sleep. Quisemos levar algum tempo a compor o nosso novo disco e esculpimos-lo ao longo de um largo período, sem nos limitarmos ao tempo que tínhamos de estúdio. Dito isto, acho que podem esperar o nosso melhor disco até agora.

Que vos levou a criar a Electric Totem, e como a avaliariam até agora?

Era suposto que a Electric Totem fosse apenas uma insígnia, uma forma de unificar várias actividades. Como editora, não verão mais lançamentos. Comecei a Dust Editions, que se irá focar em material meu e que eu próprio lançarei.

Sobre a Thrill Jockey, terem-vos contratado foi um passo enorme para que a vossa música se tornasse mais conhecida - o Ancestral Star e o Lost In The Glare são porventura os vossos discos mais conhecidos. Como começaram a trabalhar com eles e que tal tem sido?

Tínhamos algumas ligações, e eles gostaram da nossa música. Tudo se juntou.

Disseram numa entrevista a uma webzine portuguesa, em 2011, que gostariam de gravar um disco ao vivo. Já que irão tocar no Amplifest, utilizarão essa oportunidade para o fazer?

Esforçámos-nos muito no disco novo, por isso, de momento, não temos material com que nos focarmos num disco ao vivo. Se o fizermos algum dia, gostava que fosse numa igreja ou numa catedral, um espaço que tenha um reverb fantástico e talvez até um órgão que possamos tocar.

Sendo uma banda que coloca bastante ênfase na improvisação, como escolhem o que fica e o que é cortado de um disco? Como é o vosso processo criativo? Guardam algum "rascunho", isto é, coisas que gravaram mas não lançaram?

Existe uma forma intuitiva de se perceber o que funciona e o que não funciona. Temos várias abordagens diferentes, nenhuma forma única de fazer as coisas. Às vezes é melhor focarmos-nos apenas em porções pequenas de uma improvisação e elaborar ideias com esse pequeno pedaço. Também temos passagens estruturadas, nem tudo é improvisação. Há certamente gravações que não foram colocadas nos discos por diversos motivos.



Disseram no ano passado que se despediram dos vossos empregos e se concentraram exclusivamente em compor música e dar concertos. Tem sido sustentável? Considerando que os músicos já não vendem tantos discos hoje em dia, gravá-los e ir imediatamente em tour é uma opção vossa para o longo prazo?

Temos conseguido sobreviver, de algum modo. Gravar e ir em tour quando tocas numa banda como os Barn Owl não é uma forma viável de ganhar a vida decentemente. Para nós não faz sentido tocar em muitos dos sítios [onde tocamos] - a maioria dos bares, por exemplo. Estamos limitados pelos sítios que criam o cenário ideal para que a nossa música seja tocada: galerias, teatros, igrejas... opções alternativas, como estas, são regra geral uma melhor experiência para todos. Dito isto, tenho mesmo gostado de tocar nos festivais maiores onde temos ido, a energia é incrível. Temos feito algum trabalho com realizadores independentes e bandas-sonoras, algo que me agrada mesmo muito, e no qual gostaria de me focar mais.

Nos últimos tempos temos assistido a um crescimento na música inspirada pelo psicadelismo ou assumidamente psicadélica, sejam coisas mais mainstream como os Tame Impala ou do underground como vocês. Considerando a afinidade do género com questões espirituais, diriam que tem havido uma "crise espiritual" que tem levado as pessoas a criar e ouvir mais música do género?

Custa-me a crer que a maioria das pessoas sinta alguma realização espiritual com música psicadélica. Não conheço Tame Impala, mas acho impossível que a música mais mainstream seja honestamente "espiritual". Especialmente quando existe tanta gente que se limita aos downloads ilegais, dos mp3 que encontram em blogues. Há um desligar tão grande do esforço que é colocado na música, do processo de composição, produção, manufactura, deste ecossistema complexo. Não há responsabilidades. Parece produzir um efeito alienador, retirando a alma vital da música, transformando-a numa comodidade. Acho que as pessoas que vão a concertos e compram discos têm uma hipótese muito maior de retirar algo de espiritual da música. O acto de desembrulhar um disco, olhar para o artwork, sentar-se e rodar o vinil... tudo isso contém um elemento ritualista que me parece ter um significado maior, e é assim que prefiro absorver a música que ouço. Sacar ficheiros da Internet é geralmente desprovido de alma e, no final, perdem todos com isso. Ou isso, ou faz da música apenas entretenimento, da mesma forma que alguém ligaria a televisão para ver um programa manhoso, ao invés de cativar a mente. Acho que ouvir música ao vivo é a melhor maneira de nos sentirmos movidos por ela de uma forma transcendental, espiritual. As ragas, o jazz e o minimalismo mostraram-me, definitivamente, uma nova espécie de espiritualidade pessoal.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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