ENTREVISTAS
Helena Espvall
Violoncelo nómada
· 09 Out 2012 · 18:48 ·
Helena Espvall é uma alma irrequieta. Nota-se na sua música, nota-se no ziguezaguear geográfico, nota-se nas suas respostas. A violoncelista sueca procura a superação constante e encontrou no violoncelo a forma ideal para dar voz a toda a sua inconformidade. Apesar de mostrar talento sempre que pega numa guitarra ou mostra as capacidades da sua voz, é no violoncelo que Helena Espvall concentra todas as suas energias. Numa entrevista a propósito da sua actuação no Out.Fest, que enche o Barreiro de música estranha de 10 a 13 de Outubro, falamos com a violoncelista sueca acerca de tudo aquilo que achamos essencial falar: da sua relação com a música clássica, dos motivos que a levaram a cair de amores pelo seu instrumento de eleição, de Portugal e de projectos futuros. Um talento sempre crescente a confirmar no dia 11 de Outubro no Teatro Municipal do Barreiro.
Como te sentes a viver em Filadélfia? Ainda te sentes alimentada pela cena folk local?

Deixei Filadélfia (e os Estados Unidos da América) há alguns meses, por agora vivo em Lisboa e espero ficar aqui durante muito tempo. Não acho que exista uma forte cena folk em Filadélfia nos dias de hoje, as cenas mudam e evoluem e desaparecem… Mas ainda estou muito perto de muitas das pessoas que fizeram parte dessa realidade.

Mesmo assim, podes dizer-nos quais são os projectos mais entusiasmantes em Filadélfia nos dias que correm?

Eu já estou um pouco fora de sintonia com o que está a acontecer em Filadélfia, mas os concertos de música experimental na Highwire Gallery, organizados pelo Steve Tobin da Fire Museum Records, são muitas vezes fantásticos. O Steven mudou-se de São Francisco há alguns anos atrás, e desde então tem sido uma parte muito importante da cena de música improvisada em Filadélfia.

Como e quando entra o violoncelo pela primeira vez na sua vida? Foi uma paixão instantânea?

Comecei a tocar violoncelo quando era adolescente. A guitarra foi o meu primeiro instrumento, mas quando peguei no violoncelo pela primeira vez, sim, apaixonei-me imediatamente, apesar de ter sido um amor não correspondido nos primeiros dois anos…



Mudares-te para os Estados Unidos da América mudou tudo para ti? Como foi deixar a Suécia para trás?

Sim, encontrei tantas oportunidades nos Estados Unidos da América, e foi possível relacionar-me com tantos músicos incríveis, especialmente através do Festival High Zero, de música improvisada, em Baltimore, e por fazer parte dos Espers, foi muito entusiasmante. Deixar a Suécia foi uma decisão muito fácil naquela altura. Eu estava pronta para tentar algo completamente novo. Mas também soube sempre que não iria ficar para sempre nos Estados Unidos da América, e agora após 12 anos, é óptimo estar na Europa novamente.

Como é tua relação com a música clássica hoje em dia?

Hoje em dia é praticamente inexistente. Eu costumava ter aulas, para melhorar a minha técnica, mas não voltei a ter. Ainda toco as suites de violoncelo de Bach em casa, porque adoro a música, mas não tenho aspirações a ser um excelente intérprete de música clássica. O violoncelo como instrumento está sobrecarregado com tanta expectativa de virtuosismo clássico, mas é também um grande instrumento excelente para fazer música noise, para exorcizar os demónios e frustrações.

Tens alguma peça favorita para violoncelo do repertório clássico ou algum concerto ou um violoncelista clássico favorito?

O primeiro concerto para violoncelo de Shostakovich é maravilhoso, e sim, as suites de Bach, claro, nunca me canso delas. O Peter Wispelwey é um violoncelista clássico que eu admiro muito.

Diz-me assim de repente, qual é o uso mais original de um violoncelo que você ouviste na vida na tua vida? Na tua opinião, existe um disco ou um violoncelista que tenha mudado a forma como as pessoas ouvem o instrumento?

O Tom Cora, que infelizmente faleceu muito cedo, inspirou-me como nenhum outro violoncelista. Ele não usava um monte de técnicas avançadas nem nada parecido, mas o violoncelo dele tinha o som mais pessoal, único e facilmente reconhecível que eu já ouvi, verdadeiramente bonito e ardente.

É gratificante para ti colaborar na música de outras pessoas? Quanta liberdade te é dada nessas experiências?

Sim, eu adoro colaborações, e não me importo de trabalhar em projetos de outras pessoas, de todo. Normalmente, quando alguém me pede para trabalhar com eles é porque conhecem e gostam da minha forma de tocar, e normalmente tenho uma grande liberdade para responder como quero.



Podes dizer-nos qual foi a colaboração mais desafiante da tua carreira? Aquela que realmente empurrou para a frente a forma como tocas violoncelo...

Trabalhar com a orquestra sueca Projektor 7 para musicar um filme mudo foi um enorme desafio. Fizemos música para o filme The Passion of Joan of Arc, de Carl Dreyer. Os outros músicos eram bastante excêntricos e incrivelmente talentosos, com exigências muito altas em relação a eles mesmos e à sua música, e aconteceu-me quebrar e chorar nas nossas sessões de trabalho, de pura exaustão, física e emocional. Mas aprendi muito com este grupo, e abriu-se um universo desconhecido dentro de mim.

Alguma vez te sentes feliz por seres capaz de viver a tua vida dedicada inteiramente à música? Ou isso não é totalmente verdadeiro?

[risos] Sinto sorte de não ter ainda morrido de fome... Não tenho outro tipo de trabalho constante, e é uma existência muito incerta. Mas sim, sinto-me extremamente abençoada e grata.

Podes dar-nos um mapa do que estás a fazer agora e dos projectos futuros?

Neste momento estou a ouvir mais de dois anos de gravações caseiras, e a tentar escolher peças para um lançamento a solo de violoncelo com loops e processamentos vários... E estou à espera do lançamento de três álbuns em duo num futuro não tão distante, um com Anahita (a minha colaboração com a Fursaxa), um com o improvisador Ernesto Diaz-Infante, e outro com o guitarrista Hisato Higuchi. E vou à Suécia lá para meados de Outubro durante uma semana para trabalhar e actuar com um grupo de improvisadores num projecto com curadoria da pianista Lisa Ullen. Além disso, quero continuar a trabalhar com os meus amigos de Lisboa, o David Maranha, a Margarida Garcia, o Manuel Mota e outros, e também encontrar novos colaboradores musicais aqui.

O que é que vais levar ao Out.Fest? O que é que nos podes dizer acerca disso?

Apesar de cantar e tocar muito a guitarra, para o Out.Fest pretendo concentrar-me apenas no violoncelo, tocado através de loopers e pedais de efeitos. Camadas, improvisações a partir de padrões mais estruturados. Alguma doçura, alguma acidez.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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