ENTREVISTAS
Branko
Anthony Bourdain da música esquisita
· 07 Out 2012 · 23:32 ·
Lil’ John, J-Wow, Branko... São todos nomes artísticos de e para João Barbosa, músico lisboeta lançado para a ribalta pela participação no colectivo Buraka Som Sistema. O produtor da internacional banda de kuduro progressivo portuguesa decidira, já há algum tempo, iniciar carreira a solo. Primeiramente trabalhando como produtor, ao longo da carreira foi adoptando várias posições na criação de música: instrumentais, vozes, performances, arranjos, ou composição, foram algumas das tarefas incumbidas a João desde 2004. Destes trabalhos destacam-se Expediente com DJ Zinc, Off With Their Heads / Too Late, o single Klang, o vinil O Dedo e o EP Spark. Aloe Blacc, Sam The Kid, Dominique Young Unique e, claro, Buraka Som Sistema, são alguns dos nomes sonantes que constam no cardápio de colaborações de João Barbosa. Considerado pela revista Monocle como uma das personalidades portuguesas mais inspiradoras da actualidade, assume uma certa dificuldade em determinar a própria identidade musical. Hoje, sob o nome Branko, João Barbosa integra a editora Mad Decent, taco-a-taco com Crookers ou Snoop Lion.
Lil' John, J-Wow e, finalmente, Branko. A mudança de nome artístico representa puramente isso ou significa também alguma reviravolta na identidade musical?

Acho que sempre tive uma certa dificuldade em determinar a minha própria personalidade musical. Talvez por isso é que ando constantemente envolvido em duos, grupos, bandas, colectivos, tudo e mais alguma coisa. No meio de tudo isto o tempo que fica para me sentar no estúdio sozinho e criar música não é tanto como eu desejava, muito menos para parar e pensar numa identidade artística. Independentemente de "detalhes", de serem nomes que vieram a ser adoptados por outras pessoas, acho que na realidade nunca estive confortável até agora, em que finalmente decidi simplesmente ir buscar um nome ao meu nome! Não sinto que seja uma reviravolta de identidade musical, apenas uma conclusão a que cheguei que em termos de identidade eu não quero ser um projecto, quero ser eu!

No novo projecto como Branko, a sonoridade tende a diferenciar-se sobejamente de trabalhos a solo anteriores como Klang ou O Dedo? De algum modo se enaltece o hip-hop em detrimento do house?

Não sinto que exista assim uma diferença tão grande, estaria perfeitamente á vontade de meter estes 3 temas num disco se fosse necessário. Acho que o meu statement musical da procura dos géneros mais obscuros e de sangue novo está presente em todos os lançamentos que fiz, sinto que essa é a linha condutora. O facto de ter alguém como o SBTRKT a fazer um remix do Dedo (bastante antes da explosão) ou a Dominique Young Unique a cantar no “Going in Hard”, são frutos da minha busca musical, da procura de talento nas entrelinhas da indústria musical. Tento não distinguir as coisas por géneros, se perguntassem à minha avó se este lançamento era mais hip-hop ou dança, ela não ia saber analisar essa diferença. É apenas música, com graves fortes e com uma abordagem diferente do que se faz em geral na música.



Em Buraka Som Sistema prevalece o kuduro, em J-Wow e Branko sobressaem a electrónica pura e dura e o hip-hop. Dada a individualidade, encontras nestes projectos a solo uma maior audácia e até liberdade criativa para explorar e experimentar?

Sim, sem dúvida que sabe bem fazer música sem o factor da expectativa do público. Sozinho posso enfiar numa música tudo aquilo que me apetece.

Entregue a ti mesmo, qual é a maior inconveniência de não haver um grupo de trabalho? Quais as principais diferenças na hora da criação?

Acho que demoro muito, mas muuuito mais tempo a fazer uma música e isso é mau. Sinto que às vezes perco demasiado tempo a pensar se já está feita ou não, demasiado tempo em detalhes que muita gente não vai ouvir. Sempre que trabalhas em estúdio com mais pessoas a coisa mais engraçada é a gestão de personalidade - o que dizer e quando dizer que não se gosta de alguma coisa sem destruir completamente uma sessão de estúdio. Se por um lado isso é um risco, acaba também por ser o factor que faz com que a música ganhe a personalidade de grupo. Deixas-te surpreender pelo talento de outra pessoa e ao mesmo tempo sabes que não precisas que tudo seja feito à tua maneira. Enquanto que sozinho, para mim é algo mais doentio, fico frustrado e apetece-me atirar o computador pela janela se não consigo ultrapassar algum stress que tenha numa música.

Já contas com alguns anos de experiência na área musical. O que tens em mente transmitir ao público cada vez que produzes ou escreves alguma composição? O derradeiro objectivo é sempre a dança?

Não acho que o objectivo seja sempre a dança. Acho que o objectivo principal é sempre criar música que consiga estabelecer uma relação especial com as pessoas, seja numa pista de dança, no carro, a tentar adormecer, etc. Pelo menos é assim que eu oiço música. No final do dia, independentemente do hype, aquilo que fica são os temas históricos na tua vida, que fizeram a diferença em determinada altura.

A internacionalização bem-sucedida dos Buraka expôs-te ao mundo, especialmente ao anglo-saxónico. Resultado disso é a recente colaboração com Dominique Young Unique e a integração na Mad Decent, editora de nomes como Crookers ou Snoop Lion. Sentes que a partir de agora tudo pode ser possível? Estabeleces algum tipo de metas?

Ultimamente tenho estado mais ambicioso com aquilo que faço sozinho. Não estabeleço metas mas sinto que é algo em que me vou debruçar o máximo de tempo possível sem prejudicar Buraka, a Enchufada e outras ideias que quero desenvolver. No último e-mail que mandei para o Diplo, com umas 6 ou 7 demos, ele respondeu-me que editava o que eu quisesse, quando eu quisesse. Este tipo de confiança dá um certo boost criativo e faz-te querer chegar mais longe.



Apesar de já teres tocado em Portugal várias vezes e de os Buraka Som Sistema terem atingido o lugar cimeiro no top de vendas, os portugueses várias vezes renegam tudo o que é nacional, menosprezando o produto em questão apenas por ser, exactamente, português. Sentiste isso de alguma forma?

A minha opinião puramente pessoal sobre a relação dos portugueses com a música portuguesa está directamente relacionada com o interesse que este país, e as pessoas, têm em covers e bandas de covers. Acho, sincera e honestamente, que existe algo de muito errado em tocar uma música de outro grupo com a intenção de que soe exactamente igual. Isto faz com que não te relaciones com artistas e músicos, apenas te relacionas com uma canção que já existe. Nos anos 90 havia bandas de covers mais famosas do que muitas bandas de originais com algum sucesso e isso cria uma estagnação no produto musical nacional. Isto sem falar nos inúmeros programas de televisão em que vais para lá cantar uma canção de alguém com o objectivo de "soar igualzinho!". Atenção que eu não tenho problema nenhum em fazer versões, em recriar de alguma forma uma canção de alguém e trazer esse tema para o teu universo. Já o fizemos com Buraka, com o “Buffalo Stance” da Neneh Cherry, p.e., mas isso é totalmente diferente de subir a um palco para imitar os tiques todos do Eddie Vedder a cantar o "Jeremy".

Este primeiro EP como Branko, "Going in Hard", deixa-nos com a sensação de arranque, podendo dar azo a algum trabalho mais extenso nos próximos tempos. Há planos nesse sentido?

Estou a fechar outro single neste preciso momento e acho que, algures em 2013, vou agrupar e "empratar" de alguma forma tudo isto e perder algum tempo a servi-lo às pessoas. Quero encaixar tudo em 40 minutos de música. Acho que não vai ser um álbum porque ainda é cedo. Ainda estou a pensar como é que o vou fazer.

Em relação às actuações ao vivo, as colaborações serão estendidas? Haverá algum tipo de produção cénica? Ou só "amor e uma cabine"?

Para já estou feliz com o "amor e uma cabine". Acho que é o formato que encaixa melhor na minha personalidade de pseudo Anthony Bourdain da música esquisita.
Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com

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