ENTREVISTAS
The Partisan Seed
Cantautor por excelência
· 17 Mai 2012 · 00:50 ·
Filipe Miranda é a cara de The Partisan Seed. Barcelense de gema começou a dar os primeiros acordes ainda em criança. Catapultado para o gosto pela música pelo pai e pelo irmão acaba por formar na sua adolescência os Kafka, reconhecidos por alguns como uma das melhores bandas do anos 90. É no desmoronamento desta que, em 2005, o projecto a solo The Partisan Seed ganha vida com a gravação de temas compostos outrora. Desde então, e mantendo sempre outros trabalhos a par deste, lançou já três álbuns - Visions of Solitary Branches, Indian Summer e o recente SpiritWalking -, alguns singles e participou numa ou outra colectânea. Inspirado muitas vezes na beleza da simplicidade conta-nos desilusões, feridas, impressões e reminiscências de uma infância passada. SpiritWalking é então um hino à reflexão, à tomada de consciência, à serenidade mas não ao passivismo, e sobretudo, à vida.
Tiveste vários projectos anteriores a este, a solo, The Partisan Seed e já lá vão alguns anos. Como começaste a tocar guitarra e como descobriste a vocação para a música?

Eu comecei por tocar piano, tive umas aulas quando andava na primeira classe. Não gostei muito da daquilo, a minha parte preferida das aulas era a altura em que estava sozinho na sala a curtir a reverberação do piano (foi aí que fiz a minha primeira música, um tema instrumental que usámos em Nikouala chamado Le Petit Monstre). Fiz audições como os outros miúdos; levava as pautas e punha à minha frente para enganar, porque na verdade nunca consegui aprender a ler aquilo, tocava as composições de ouvido. Tinha uma apetência muito grande pela música. Comecei a tocar mais a sério com uma guitarra, porque o meu pai tinha uma e tocava, assim como o meu irmão, e a música fazia parte da nossa vida, era constante em casa, no carro ou na rua.

O facto de ter acontecido em Barcelos é ou foi , de algum modo, relevante?

Barcelos - como quase todas as cidades portuguesas - não tinha editoras, promotoras, festivais ou espaço para novos músicos, não era como é hoje. Sempre houve bandas por lá, havia uma ou outra referência local, mas o passo mais sério na afirmação de uma identidade foi sendo criado por quem tocava, especialmente a partir do início dos anos 90. O que é relevante para o meu crescimento como músico numa cidade como Barcelos foi o facto de estar afastada dos grandes centros. Isso sim, fez-me crescer com muita independência e liberdade criativa.


Foste membro de alguns projectos com sucesso como o caso dos saudosos Kafka, e a par de The Partisan Seed, existem ainda Villa Nazca e Interm.ission que entretanto aparentam estar parados. Como surge esta ideia de tocar inteiramente a solo?

O nascer de The Partisan Seed surge com o desacelerar da actividade dos Kafka nos últimos tempos de vida da banda e com uma ida ao estúdio com o simples motivo de registar uns temas que estavam guardados. A partir daí, com o encorajamento por parte de alguns amigos e o interesse da já infelizmente extinta editora Transporte, a coisa foi acontecendo. Mas não foi novidade para mim tocar a solo músicas minhas em concertos; faço-o há vinte anos, desde miúdo.

Curiosamente nenhum dos teus outros projectos se assemelha à sonoridade deste, à excepção de talvez Villa Nazca mas que é posterior. É um sinal de amadurecimento?

Villa Nazca é realmente um bocado diferente. Segue, como notaste e bem, a linha de The Partisan Seed. São pequenas obras que nascem de um recolhimento, de uma reflexão, de algum isolamento no momento da composição. Como canções que são, trazem aquela fragilidade humana com elas. Não sei se é amadurecimento, mas gosto especialmente de fazer canções - penso que já te falei disto numa outra altura. Gosto pela dificuldade, pela situação limite quando se compõe, por ser um verdadeiro ofício. Adoro, ouço e componho muita música sem palavras, mas admiro escritores de canções acima de tudo.

Não há um desses diversos trabalhos que se torne descuidado em prol de outro ou influenciam-se mutuamente de alguma forma?

Sinto que se influenciam mutuamente, é impossível estarem separados. No que faço, não levo comigo um papel específico a desempenhar numa determinada banda com determinadas pessoas. O que eu levo comigo é aquilo que eu sou.

A tua música combina simplicidade, harmonia e reminiscências. Onde te inspiras, sobretudo, para escrever as canções?

Na minha vida, na vida dos que me rodeiam, na vidas que me tocam, escrevo sobre tudo isso com muita paixão. Anos depois, vou-me repetir no Bodyspace com esta referência, mas há uma frase do Herberto Helder em que ele diz algo como "Eu agora mergulho e ascendo como um copo, trago para cima essa imagem de água interna". Essa é a melhor definição do que eu quero com The Partisan Seed.


Tens vários trabalhos publicados, apesar de só três serem álbuns de longa duração. Visions of Solitary Branches e Indian Summer foram muito bem aceites pela maioria da crítica. Em SpiritWalking pensas superar-te? O que muda?

Gosto muito de ler e, se possível, arquivar e partilhar o que escrevem sobre a minha música e sinto-me mesmo muito agradecido por alguns comentários que leio - como aconteceu muito recentemente com um bonito texto do José Luís Peixoto sobre o Indian Summer, ao qual agradeço aqui publicamente. Apesar disso, nenhuma crítica - boa ou má - algum dia transformou um milímetro que fosse aquilo que eu faço. Nunca penso nisso quando componho, quando gravo, quando edito ou quando dou um concerto. Se toda a gente me dissesse que este terceiro disco é muito mau, eu iria fazer um quarto disco na mesma se me apetecesse e da maneira que eu desejaria que ele fosse. Acredito em mim. Nada muda, não misturo crítica e criação. Nada muda, também, na sinceridade que pus neste disco, assim como aconteceu nos outros.

Volvidos quatro anos de Indian Summer o que te leva a criar e produzir “SpiritWalking“? Até o artwork é da tua autoria.

É um álbum profético que se fez a si mesmo. Senti que precisava de encerrar um primeiro ciclo de vida de The Partisan Seed com um novo disco. Não sabia quando ia acontecer, mas as canções foram surgindo de forma muito natural e com um grau de composição que me satisfez e que justificou esta edição. Tudo correu exactamente da forma que mais me agrada: as canções foram compostas e não foram alteradas, foi tudo gravado aos primeiros takes, a mistura final foi também a primeira. Com ou sem falhas de interpretação ou gravação, gostei do resultado. Tudo de um jorro, assim como o artwork, que me demorou uns meros 10 minutos a decidir. Agrada-me ser uma espécie de condutor de energias, deixar tudo fluír e simplesmente acreditar que tudo tem o seu propósito. É um sentimento meio intuitivo e místico, porque sinto que o disco produziu-se sozinho, permitiu que eu tocasse todos os instrumentos e, quando me apercebi, estava lá tudo.


As tuas canções são como viagens à tua memória. De que nos fala este último disco?

SpiritWalking é o meu ano de 2010 (escrevi oito destas nove músicas em 2010). Como já referi há pouco, é um álbum profético que ainda me vai dizer com o tempo algumas coisas que eu ainda não sei sobre ele. Alguns dos temas tratam das enormes feridas, da desilusão, da urgência em desnascer; outros da projecção que fiz de alguém numa concepção imaginada ou da impressão que deixam em mim; outros são sonhos traduzidos de animais reais que me apareceram, fruto da minha consciência silenciosa; e, por fim, as canções mais importantes, aquelas que vão buscar a força da infância e que me levaram a arranjar força para renascer. Este disco é feito de muitos códigos pessoais, é uma obra que é produto de um momento crucial na minha vida.

Durante a apresentação do primeiro e segundo álbum chegaste a tocar ao vivo com alguns convidados, inclusive o Pedro Oliveira dos peixe:avião, Dear Telephone, entre outros, se bem me recordo. Essa ideia de partilhar o palco continua de pé?

Sempre, claro, e especialmente o Pedro. É um grande amigo há muitos anos, já desde antes dos Kafka, é um grande músico e um dos maiores responsáveis pela motivação que senti em avançar com isto de gravar a solo. O João Coutada, por exemplo, tocou em vários concertos nas tours dos discos anteriores e foi ele que fez a captação das guitarras acústicas e das vozes de SpiritWalking, nada impede que voltemos a partilhar o palco com The Partisan Seed. Das várias pessoas importantes para mim que me acompanharam neste percurso, há outras duas em especial que gostaria de referir: o Nuno Fernandes (o músico que mais vezes tocou comigo em The Partisan Seed) e o José Arantes que fez a mistura deste disco, como já tinha feito com os dois anteriores. Todos eles cabem neste ciclo que se completa com a edição de SpiritWalking.

És um homem não só da música, mas das artes em geral. Qual é a mensagem que pretendes transmitir ao mundo?

Que existimos, que estamos cá, que fazemos som, que deixamos marcas, que existem coisas belas, que escrevemos palavras e desenhamos círculos... que temos de nos levar a sério e saber que todos contamos como indivíduos e como um povo único sobre o planeta. Devíamos realmente tentar ser como ensinamos às crianças: saber ouvir e amar os outros, não estragar o mundo em que vivemos, deixar de fazer asneiras e querer tudo de melhor para quem vem a seguir. Devia ser simples, não?

O que esperas para o futuro?

Espero que exista...
Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com
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