ENTREVISTAS
Loosers
Uma luz ao fundo do túnel
· 26 Set 2005 · 08:00 ·
Esqueça-se desde já e prontamente o passado dos Loosers, pois as coisas para os lados da banda de Tiago Miraglia (ou como um erro de escrita se transforma numa espécie de nome artístico para Tiago Miranda) e os seus comparsas mudaram e de que maneira nos últimos tempos. Do pós-punk já quase nem cinzas restam - pelo menos não da forma como se sentia nos primeiros tempos - e o Six Songs EP é já coisa de miragem ou de fogueira apagada pelo tempo. Os Loosers de hoje andam a desbravar outros terrenos. Terrenos mais bravios mas ao mesmo tempo mais férteis. Embora não se assumam como tal, os Loosers são ponto fulcral – senão mesmo os cabecilhas - da música dita periférica feita em Lisboa, e o For-All-The-Round-Suns (editado pela Ruby Red Records, o selo criado pelos próprios Loosers) pode muito bem ser o disco responsável por catapultá-los para mais altos voos. Os Loosers pegaram em instrumentos e em máscaras e aventuraram-se pelas florestas e os resultados são – como seria de esperar pelos concertos, cada um mais imprevisível que o anterior – surpreendentes. A conversa é com Tiago Miraglia e com Zé Miguel, e os temas do dia são, obviamente, aqueles intimamente relacionados com os Loosers, seja passado, presente ou mesmo futuro. É que com a quantidade de lançamentos provenientes destes lisboetas (sejam em vinil ou em CD, sejam em CD-R ou não), o melhor é estar sempre um passo à frente.
Como olham para os primeiros tempos dos Loosers, essencialmente no que diz respeito ao Six Songs EP?

Tiago Miraglia - Como a continuação daquilo que já vínhamos a fazer com a banda de metal, com o trio que se seguiu, dos CD-R da altura, etc., mas não há muito mais a dizer para além de que esses tempos foram realmente importantes para perceber o que fazer e o que não fazer. Hoje, mais do que a música em si, acho que o processo para a fazer mudou bastante.

Zé Miguel - ...e com o metal praticamente só tocávamos para nós próprios, e isso começou a fazer cada vez menos sentido.

Desse tal Six Songs EP até aos dias de hoje nota-se que os Loosers estão cada vez mais distantes do formato-canção e cada vez mais próximos de um experimentalismo evidente nos concertos e nos lançamentos. Como se deu essa mudança tão profunda, esse alargar do mundo musical dos Loosers?

T.M. - Não o sentimos tão experimental quanto isso, principalmente ao vivo. Apenas um concerto aconteceu sem ser ensaiado e apenas três das edições eram assumidamente ensaios improvisados. Os concertos são bastante concretos em todas as suas direcções, artísticas e sensoriais (não no que sentimos, mas no que gostaríamos que fizessem sentir). Pode não parecer, mas principalmente agora temos tido uma preocupação especial em escrever "canções".

Diz-se com alguma insistência que os concertos dos Loosers nunca são iguais. Onde procuram chegar nas actuações? Vêem os concertos como uma forma de passar à próxima fase?

T.M. - Os concertos nunca são literalmente iguais, é verdade, mas só e apenas porque gostamos de tocar coisas diferentes durante os ensaios, que mais tarde se transformam naquilo que são os concertos. Trata-se mais da exploração da mesma coisa e não de outras fases.

Z.M. - Além disso, como tocámos várias vezes nos mesmos sítios em Lisboa houve uma vontade de não repetir.

Compreendem que quem tenha visto os Loosers ao vivo há uns anos e os veja agora tenha um choque inesperado? Acham que houve uma certa mudança de público dos Loosers?

T.M. - Não sei se o público mudou ou se mudámos por causa do público.

For-All-The-Round-Suns surge numa altura em que nascem igualmente trabalhos como Slugs ou o duplo Logic On Its Head / Daeh Sti No Cigol. Em que diferem todos estes trabalhos, além do seu formato de edição?

T.M. - O álbum For-All-The-Round-Suns foi produzido pelo Vítor Rua e gravado em estúdio em 2004, o EP Slugs foi gravado numa só sessão sem overdubs em 2005 também como o Logic On Its Head / Daeh Sti No Cigol, que foi gravado numa única sessão mas fortemente editado posteriormente ao ponto de resultar em apenas duas músicas.

Z.M. - O LP é um disco mais conclusivo, os outros mais provenientes...

For-All-The-Round-Suns surge em formato de vinil. Porquê essa escolha? É de alguma forma o reflexo da nostalgia?

Z.M. - O vinil é sagrado.

T.M. - É uma espécie de materialização de um sonho antigo, sim, nascemos na altura do vinil e para nós os três fazer um "disco" significava isso mesmo, um disco de vinil. Também porque no caso de uma outra editora se interessar pelo disco ser natural que opte pelo formato CD.


Este novo disco aparece editado pela Ruby Red Records, um selo criado pelos próprios Loosers. Pretendem editar discos de outras bandas na nova editora?

T.M. - Sim! Se gostarmos da música, qualquer género, qualquer "onda". Se tivermos dinheiro na altura.

Pretendem conciliar a edição de álbuns em CD-R com os discos com o selo de uma editora? Como lidam os Loosers com esta nova liberdade de edição de discos?

T.M. - Esta liberdade está também condicionada pela distribuição dos discos, faremos sempre no formato que pudermos e que acharmos viável do ponto de vista da distribuição. Gostamos de gravar discos, mas discos que toda a gente interessada possa ouvir, ou melhor, a distribuição deverá ser feita para que o maior número de pessoas tenha acesso, ou, melhor ainda, não vamos deixar de gravar músicas mesmo que o dinheiro nos permita fazê-lo apenas só em cassete, tentaremos sempre, isso sim, tentar pôr no maior número de sítios adequados ao formato. Se outras editoras os editarem, pois que se aplique a mesma filosofia. Quanto à escolha dos formatos, filmar em vídeo ou em película também não resulta apenas em mais ou menos dinheiro que se gasta.

Que retrato fazem vocês de Lisboa, musicalmente falando? Partilham a ideia de uma comunidade em vez de uma cena propriamente dita?

T.M. - Pessoalmente acho que falta muita coisa em Lisboa, musicalmente falando. Temos chineses, russos, indianos, etc., mas não existe música das suas regiões, temos alguma música africana (maravilhosa na sua essência) mas que morre pela periferia.
Quanto a cena ou comunidade, existe um grupo de bandas com tipos de música radicalmente distintos ligadas apenas por um dos sítios onde costumam tocar.

Sentem-se de alguma forma como os cabecilhas de toda esta nova vaga de bandas que tem surgido em Portugal a um nível mais, digamos, underground (seja lá o que isso for)?

T.M. - Não!

Como foi a experiência de tocar em locais como Belfast, Glasgow, Manchester, Hong Kong e Macau? Pretendem repetir uma digressão do género, pelo estrangeiro?

T.M. - Foi óptimo, principalmente a surrealidade dos concertos no Oriente. Adorava repetir agora, saberia o que fazer... onde ir... passear pelos sítios a que não fui.

Z.M. - Em Belfast tocámos num bar cuja cave estava recheada de armas do IRA.

O artwork dos discos nasce no seio da banda ou confiam no trabalho de outros? A atitude DIY é consciente nos Loosers a todos os níveis?

T.M. - As capas dos discos eram feitas inicialmente pela banda, só os dois penúltimos foram confiados a artistas de quem gostamos (CD-R iiii, Jelle Crama; LP For-All-The-Round-Suns, Tetsunori Tawaraya). Estava na altura de sermos surpreendidos com alguma coisa no processo, algo de fora inerente às nossas forças. Tentamos nunca encaminhar os artistas para o que a nossa sensibilidade no assunto entende por mais correcto. Gostamos do julgamento final do próprio artista (a trabalhar para nós em último caso) e que se reflecte na obra.

Concordam se disser que a música dos Loosers tem qualquer coisa de ritual, de cerimónia ou culto?

T.M. - Nem por isso. Aliás, na nossa religião não há nada de ritual ou cerimonial sem o sacrifício de um ou mais animais.

Z.M. - Quando a música nos agrada deixamo-nos levar no "culto" da música em si, naturalmente.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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