ENTREVISTAS
Leonardo Rosado
Palavras mudas, ouvidos abertos
· 13 Jan 2012 · 19:32 ·
Para quem não conhece o teu trabalho, como chegaste até aqui e para onde queres ir?
No final de 2008 resolvi aprender finalmente a trabalhar com som e que me permitisse de alguma forma ter um suporte sonoro para a palavra. Durante muitos anos e até a essa altura tinha desenvolvido mais em concreto trabalho na área da poesia, tendo estado envolvido na edição de uma fanzine de poesia e apresentações de poesia com música, e sempre ficou no ar a ideia que o que eu queria mesmo era fazer a banda sonora para a poesia que declamava. Daí, resolvi tirar um curso com o Vítor Rua, o que me permitiu de uma forma muito estruturada e ao mesmo tempo explorando a improvisação de começar a trabalhar o meu universo sonoro. Comecei por de facto usar o som como suporte da minha palavra, mas de então para cá a poesia foi perdendo a sua força explícita e agora concentro os meus esforços em desenvolver um universo sonoro que sugira poesia. É desta base, que quero continuar a desenvolver trabalho, por um lado tornando o meu trabalho mais rico e diverso mas aliá-lo a uma simplicidade extrema sempre de forma mais ou menos abstracta. Adicionalmente, quero manter o meu processo de aprendizagem e de expansão e estou numa fase em que quero começar activamente a arranjar sítios onde tocar, porque acho muito importante esse contacto com um público, e a sua percepção sobre o meu trabalho.
Recentemente editaste dois álbuns: um em colaboração com Birds of Passage e outro a solo com algumas cantoras convidadas. Fala-me primeiro sobre o disco colaborativo… Em relação ao disco a solo... Quão diferente foi o processo?
Quando comecei a fazer o álbum com a Alicia, o Birds of Passage tinha passado por dois processos que queria desenvolver, um primeiro era trabalhar em colaboração para me desafiar a de certa forma, subjugar a minha forma de compor à ideia que tenho sobre quem colaboro. Desse ponto de vista, o processo de composição é muito diferente, embora funcione também como porta de entrada para um auto conhecimento sobre as minhas próprias capacidades. O outro processo que queria desenvolver era a vontade de compor com base num conceito diferente, que para o caso do álbum com Birds of Passage, foi o filme Casablanca, e desta forma ajustei a minha forma de compor não só à ideia que tinha sobre a Alicia e o seu trabalho, mas também ao filme. Com o Mute Words o meu álbum a solo, o processo é de facto mais livre, mas ao mesmo tempo segue também um conceito base (neste caso a minha poesia) e quando enviei para as cantoras dei-lhes liberdade total para fazerem o que achassem mais interessante, porque sei que estamos todos sintonizados de alguma forma neste tipo de trabalhos. Ainda por cima, a mim interessa-me particularmente obter estímulos exteriores que permitam descobrir outros aspectos que eu nunca seguiria porque não é a minha forma normal de os trabalhar.
Fazer a música que fazes em Portugal é um desafio ou uma impossibilidade?
Não sei muito bem, quer dizer, uma impossibilidade não é de todo, mas também não sei se é um desafio, ou seja, compor música como eu o faço parte de uma vontade que eu tenho de o fazer, portanto o desafio poderia ser em Portugal ou noutro lugar do mundo. Agora se me perguntas se é possível ter público em Portugal para a música que faço, aí respondo que sim que é um desafio, mas mais uma vez é um desafio válido para ter público onde quer que seja. Ao longo de 3 anos de trabalho, tenho conseguido mostrar o meu trabalho a cada vez mais pessoas e neste momento sinto que alguns ouvintes da minha música têm prazer em acompanhar-me, alguns são portugueses, outros não, mas não são muitos de qualquer das maneiras e obviamente que me interessa chegar ao maior número de ouvintes interessados possível, e esse é o desafio.
Achas que as novas ferramentas internéticas abolem cada vez mais a importância da nacionalidade ou da geografia? Achas que as oportunidades nunca foram tão iguais para todos ou que isso é uma falsa sensação?
O fenómeno da internet e do avanço tecnológico, em particular com todas as ferramentas de criação de música obviamente que permitem uma maior democratização do acesso ao universo artístico e isso permite uma abolição de fronteiras, não só geográficas mas também económicas. Ou seja, hoje com um computador e a tua sensibilidade podes começar a fazer música e pô-la cá fora para ser escutada, sem intermediários, sem controlos de qualquer espécie. E isso é interessante porque faz parte da tua liberdade – poderes exprimires-te como quiseres. Mas, obviamente que isso tem um efeito contrário, porque como todos nos podemos exprimir fica muito mais difícil para quem gosta de música escolher o que ouvir. Daí que as oportunidades de te exprimires são cada vez mais iguais, mas a capacidade de seres escutado são cada vez menores.
Que músicos admiras hoje em dia. E porquê?
Admiro músicos que desenvolvem um trabalho profundamente intelectual e emocional e que me levam a viajar dentro de mim, que me estimulam a visitar universos que estão em mim, mas que de alguma forma eu não lhes chego com tanta clareza. Admiro músicos que têm paciência, que não cedem a este ou aquele truque e que se for preciso repetem a mesma frase vezes sem conta até que estejas imerso em som. Alguns deles tenho o prazer de os ter editado na FeedbackLoop Label, quase todos desconhecidos do público em geral. Alguns nomes: I’ve Lost, Luca Nasciuti, Pascal Savy, Marcus Fischer, Taylor Deupree, AGF, Rafael Anton Irisarri, Richard Skelton, Farewell Poetry.
Ainda fazes essa coisa quase medieval de comprar discos. Qual foi o último que te deixou às aranhas de tão bom que era?
Ainda compro discos e cada vez mais, mas compro regra geral directamente aos músicos ou a pequenas editoras que salvo raras excepções nem sequer têm os discos disponíveis nas lojas. Acho que o contexto é muito importante na música, e especialmente no tipo de música que oiço. Além disso, mp3s dentro de um computador ou num ipod, não me dizem grande coisa, quer dizer oiço a música mas há uma ligação que se perde. Ouvir música é envolveres-te com ela, primeiro namoras, vais escutar um bocadinho, saberes o que dizem os teus amigos, perceber se é uma edição limitada, como é que é o conceito visual do próprio disco, ver uns vídeos, e todo esse processo acaba por ficar limitado se não chegar ao momento de ter o objecto na mão, abri-lo ler o que está dentro e por aí fora. O último disco que comprei que me entusiasmou muito mesmo foi Farewell Poetry que tem uma capa lindíssima poemas muito bons, tem um DVD extra com vídeo e é só um dos melhores álbuns de spoken word / post-rock dos últimos anos, e tem uma qualidade “épica” semelhante aos grandes clássicos de bandas como Velvet Underground, Patti Smith e Doors.
Sei que actualmente és o curador de duas etiquetas de música, a FeedbackLoop Label e Heart e a Soul Publisher. Fala-nos desse trabalho e dos desafios que levanta…
A FeedbackLoop nasceu a partir do meu amor pela música ambiente / experimental / electroacústica e com o objectivo de eventualmente funcionar como um porto de abrigo para quem gosta dessa música. Ou seja, criar quase como um selo de qualidade, que permita aos ouvintes que gostem deste tipo de música saber que podem ir à FeedbackLoop e encontrar música que vão gostar e que ainda por cima está disponível gratuitamente, oferecida por um grupo de pessoas que apenas pela sua paixão à música se tenta dedicar como se fosse um trabalho profissional (a FbL conta com seis elementos mais ou menos constantes que permitem oferecer aos músicos masterização, design de capas, podcasts, entrevistas e divulgação – tudo de forma gratuita). Eu acabo por fazer a escolha dos músicos e edições que saem cá para fora. Quanto à Heart and Soul a ideia nasce no fundo como uma continuação da FbL mas expandida para o meu antigo interesse para com a poesia e a vontade de fazer objectos físicos que permitam aumentar o prazer de escutar música e ler poesia.
A fotografia e poesia são outras das tuas paixões. Permites que todas estas artes se misturem e se influenciem mutuamente?
Sim, todas estas formas de expressão não são mais do que expressões de mim próprio e da minha mensagem (o que quer que isso queira dizer) e funcionam também de certa forma como inspiração umas às outras. Ou seja, se eu gosto muito de uma fotografia esta pode levar a que eu escreva um poema ou uma música que por sua vez pode levar a que eu tire novas fotografias. Acaba por ser um estímulo que no limite pode nunca acabar.
Para terminar a pergunta da praxe: projectos para o futuro?
Para além das editoras que vou continuar a levar para a frente, com um enfoque especial na Heart and Soul, conto já com duas colaborações em curso, uma com a Barbara De Dominicis que seguirá um formato parecido ao meu álbum com Birds of Passage e outro com Monolyth and Cobalt. Para além disso este ano vou focar-me em trabalhar o lado de performance, porque quero continuar a construir o meu próprio desafio e o confronto com uma audiência é uma experiência que quero viver.
André GomesNo final de 2008 resolvi aprender finalmente a trabalhar com som e que me permitisse de alguma forma ter um suporte sonoro para a palavra. Durante muitos anos e até a essa altura tinha desenvolvido mais em concreto trabalho na área da poesia, tendo estado envolvido na edição de uma fanzine de poesia e apresentações de poesia com música, e sempre ficou no ar a ideia que o que eu queria mesmo era fazer a banda sonora para a poesia que declamava. Daí, resolvi tirar um curso com o Vítor Rua, o que me permitiu de uma forma muito estruturada e ao mesmo tempo explorando a improvisação de começar a trabalhar o meu universo sonoro. Comecei por de facto usar o som como suporte da minha palavra, mas de então para cá a poesia foi perdendo a sua força explícita e agora concentro os meus esforços em desenvolver um universo sonoro que sugira poesia. É desta base, que quero continuar a desenvolver trabalho, por um lado tornando o meu trabalho mais rico e diverso mas aliá-lo a uma simplicidade extrema sempre de forma mais ou menos abstracta. Adicionalmente, quero manter o meu processo de aprendizagem e de expansão e estou numa fase em que quero começar activamente a arranjar sítios onde tocar, porque acho muito importante esse contacto com um público, e a sua percepção sobre o meu trabalho.
Recentemente editaste dois álbuns: um em colaboração com Birds of Passage e outro a solo com algumas cantoras convidadas. Fala-me primeiro sobre o disco colaborativo… Em relação ao disco a solo... Quão diferente foi o processo?
Quando comecei a fazer o álbum com a Alicia, o Birds of Passage tinha passado por dois processos que queria desenvolver, um primeiro era trabalhar em colaboração para me desafiar a de certa forma, subjugar a minha forma de compor à ideia que tenho sobre quem colaboro. Desse ponto de vista, o processo de composição é muito diferente, embora funcione também como porta de entrada para um auto conhecimento sobre as minhas próprias capacidades. O outro processo que queria desenvolver era a vontade de compor com base num conceito diferente, que para o caso do álbum com Birds of Passage, foi o filme Casablanca, e desta forma ajustei a minha forma de compor não só à ideia que tinha sobre a Alicia e o seu trabalho, mas também ao filme. Com o Mute Words o meu álbum a solo, o processo é de facto mais livre, mas ao mesmo tempo segue também um conceito base (neste caso a minha poesia) e quando enviei para as cantoras dei-lhes liberdade total para fazerem o que achassem mais interessante, porque sei que estamos todos sintonizados de alguma forma neste tipo de trabalhos. Ainda por cima, a mim interessa-me particularmente obter estímulos exteriores que permitam descobrir outros aspectos que eu nunca seguiria porque não é a minha forma normal de os trabalhar.
Fazer a música que fazes em Portugal é um desafio ou uma impossibilidade?
Não sei muito bem, quer dizer, uma impossibilidade não é de todo, mas também não sei se é um desafio, ou seja, compor música como eu o faço parte de uma vontade que eu tenho de o fazer, portanto o desafio poderia ser em Portugal ou noutro lugar do mundo. Agora se me perguntas se é possível ter público em Portugal para a música que faço, aí respondo que sim que é um desafio, mas mais uma vez é um desafio válido para ter público onde quer que seja. Ao longo de 3 anos de trabalho, tenho conseguido mostrar o meu trabalho a cada vez mais pessoas e neste momento sinto que alguns ouvintes da minha música têm prazer em acompanhar-me, alguns são portugueses, outros não, mas não são muitos de qualquer das maneiras e obviamente que me interessa chegar ao maior número de ouvintes interessados possível, e esse é o desafio.
Achas que as novas ferramentas internéticas abolem cada vez mais a importância da nacionalidade ou da geografia? Achas que as oportunidades nunca foram tão iguais para todos ou que isso é uma falsa sensação?
O fenómeno da internet e do avanço tecnológico, em particular com todas as ferramentas de criação de música obviamente que permitem uma maior democratização do acesso ao universo artístico e isso permite uma abolição de fronteiras, não só geográficas mas também económicas. Ou seja, hoje com um computador e a tua sensibilidade podes começar a fazer música e pô-la cá fora para ser escutada, sem intermediários, sem controlos de qualquer espécie. E isso é interessante porque faz parte da tua liberdade – poderes exprimires-te como quiseres. Mas, obviamente que isso tem um efeito contrário, porque como todos nos podemos exprimir fica muito mais difícil para quem gosta de música escolher o que ouvir. Daí que as oportunidades de te exprimires são cada vez mais iguais, mas a capacidade de seres escutado são cada vez menores.
Que músicos admiras hoje em dia. E porquê?
Admiro músicos que desenvolvem um trabalho profundamente intelectual e emocional e que me levam a viajar dentro de mim, que me estimulam a visitar universos que estão em mim, mas que de alguma forma eu não lhes chego com tanta clareza. Admiro músicos que têm paciência, que não cedem a este ou aquele truque e que se for preciso repetem a mesma frase vezes sem conta até que estejas imerso em som. Alguns deles tenho o prazer de os ter editado na FeedbackLoop Label, quase todos desconhecidos do público em geral. Alguns nomes: I’ve Lost, Luca Nasciuti, Pascal Savy, Marcus Fischer, Taylor Deupree, AGF, Rafael Anton Irisarri, Richard Skelton, Farewell Poetry.
Ainda fazes essa coisa quase medieval de comprar discos. Qual foi o último que te deixou às aranhas de tão bom que era?
Ainda compro discos e cada vez mais, mas compro regra geral directamente aos músicos ou a pequenas editoras que salvo raras excepções nem sequer têm os discos disponíveis nas lojas. Acho que o contexto é muito importante na música, e especialmente no tipo de música que oiço. Além disso, mp3s dentro de um computador ou num ipod, não me dizem grande coisa, quer dizer oiço a música mas há uma ligação que se perde. Ouvir música é envolveres-te com ela, primeiro namoras, vais escutar um bocadinho, saberes o que dizem os teus amigos, perceber se é uma edição limitada, como é que é o conceito visual do próprio disco, ver uns vídeos, e todo esse processo acaba por ficar limitado se não chegar ao momento de ter o objecto na mão, abri-lo ler o que está dentro e por aí fora. O último disco que comprei que me entusiasmou muito mesmo foi Farewell Poetry que tem uma capa lindíssima poemas muito bons, tem um DVD extra com vídeo e é só um dos melhores álbuns de spoken word / post-rock dos últimos anos, e tem uma qualidade “épica” semelhante aos grandes clássicos de bandas como Velvet Underground, Patti Smith e Doors.
Sei que actualmente és o curador de duas etiquetas de música, a FeedbackLoop Label e Heart e a Soul Publisher. Fala-nos desse trabalho e dos desafios que levanta…
A FeedbackLoop nasceu a partir do meu amor pela música ambiente / experimental / electroacústica e com o objectivo de eventualmente funcionar como um porto de abrigo para quem gosta dessa música. Ou seja, criar quase como um selo de qualidade, que permita aos ouvintes que gostem deste tipo de música saber que podem ir à FeedbackLoop e encontrar música que vão gostar e que ainda por cima está disponível gratuitamente, oferecida por um grupo de pessoas que apenas pela sua paixão à música se tenta dedicar como se fosse um trabalho profissional (a FbL conta com seis elementos mais ou menos constantes que permitem oferecer aos músicos masterização, design de capas, podcasts, entrevistas e divulgação – tudo de forma gratuita). Eu acabo por fazer a escolha dos músicos e edições que saem cá para fora. Quanto à Heart and Soul a ideia nasce no fundo como uma continuação da FbL mas expandida para o meu antigo interesse para com a poesia e a vontade de fazer objectos físicos que permitam aumentar o prazer de escutar música e ler poesia.
A fotografia e poesia são outras das tuas paixões. Permites que todas estas artes se misturem e se influenciem mutuamente?
Sim, todas estas formas de expressão não são mais do que expressões de mim próprio e da minha mensagem (o que quer que isso queira dizer) e funcionam também de certa forma como inspiração umas às outras. Ou seja, se eu gosto muito de uma fotografia esta pode levar a que eu escreva um poema ou uma música que por sua vez pode levar a que eu tire novas fotografias. Acaba por ser um estímulo que no limite pode nunca acabar.
Para terminar a pergunta da praxe: projectos para o futuro?
Para além das editoras que vou continuar a levar para a frente, com um enfoque especial na Heart and Soul, conto já com duas colaborações em curso, uma com a Barbara De Dominicis que seguirá um formato parecido ao meu álbum com Birds of Passage e outro com Monolyth and Cobalt. Para além disso este ano vou focar-me em trabalhar o lado de performance, porque quero continuar a construir o meu próprio desafio e o confronto com uma audiência é uma experiência que quero viver.
andregomes@bodyspace.net
RELACIONADO / Leonardo Rosado