ENTREVISTAS
Lac La Belle
Estados Unidos da Ruralidade
· 15 Nov 2011 · 00:37 ·
Nick Schillace e Jennie Knaggs vivem apaixonados pela música tradicional norte-americana e tudo o que existe ao seu redor desde longa data. Apesar de terem partido de pontos de referência distintos, encontraram em Lac La Belle o veículo perfeito para a expressão do respeito que nutrem pela ruralidade musical norte-americana, pela folk, pela música country. Ele é uma verdadeira autoridade do fingerpicking: colaborou e partilhou palcos com nomes como Bert Jansch, Peter Lang, Jack Rose, Keenan Lawler, Eric Carbonara ou Glenn Jones. Ela tem na voz a sua força principal e herdou os seus ensinamentos directamente dos músicos da região sul dos Montes Apalaches. Depois de terem lançado recentemente o EP Bring on the Light, preparam-se para lançar novo disco mas antes disso vão rumar à Península Ibérica para apresentarem as suas canções de beleza pura. Dão um salto ao Porto no próximo domingo para um concerto no BODYSPACE AU LAIT que tanto promete. Em entrevista, contaram-nos tudo o que havia para saber sobre Lac La Belle. O resto está nas suas canções.
Nos Lac La Belle, exploram ambos as primeiras décadas da música rural Americana gravada. Seguiram esse caminho de uma forma instintiva?

Nick Schillace: Sim, para mim foi. Eu cresci rodeado de música tradicional e essa exposição em tenra idade criou uma verdadeira ligação. Comecei a juntas todos os pedacinhos quando estava a fazer a minha pesquisa de licenciatura sobre música Americana e John Fahey. Houve um momento em que se deu um clique para mim, de certa forma, e continuo a aprender tanto quando possível.

Jennie Knaggs: Onde eu cresci, no Michigan, temos uma cena folk muito forte e eu tive a sorte de ter a oportunidade de trabalhar com músicos profissionais desse género em tenra idade. De certa forma rejeitei isso na altura (era jovem)… Anos mais tarde, quando comecei a pesquisar música americana antiga por mim própria foi quando me apaixonei realmente por ela. Quando tinha 18 anos fiz uma viagem ao Kentucky e isso fez o resto, e fiquei apanhada.

Lac La Belle começou com um repertório de música country e folk antigo, mas depois vocês começaram a adicionar-lhe material original. Como foi essa mudança para vocês?

Nick Schillace: Uma das coisas óptimas em ser músico é partilhar as tuas influências com outros músicos através do repertório. Tipicamente, esta é a forma a como um grupo começa. Partilhávamos um amor mútuo pela música tradicional mas os nossos pontos de referência divergiam de certa forma por isso foi muito interessante fazer a ponte entre os diferentes géneros e períodos da música ao fazermos combinar o nosso material. Mas acho que o objectivo foi sempre escrevermos a nossa própria musica e começamos a faze-lo imediatamente. Ainda tocamos uma variedade de temas tradicionais quando actuamos ao vivo e continuamos a adicionar tanto material tradicional como original aos nossos concertos.

Como descreveriam a relação entre os americanos e a sua própria música tradicional hoje em dia? Diria que é uma relação saudável?

Nick Schillace: Parece haver mais pessoas jovens interessada na música tradicional e em instrumentos tradicionais, o que me parece óptimo. Por vezes sinto que poderia haver mais originalidade naquilo que os músicos e o público estão a criar e a consumir. Parece haver das facções: revivalistas e músicos influenciados pela música pop que trabalham num campo mais estreito. Não acho que tudo tenha de ser vanguardista e progressista, mas seria bom ouvir mais das formas primitivas de canção e de instrumentação de banda utilizada como plataforma em oposição a peças de museu ou um colorir estético.


O que é que trouxeram de outras experiencias musicais prévias que influenciaram decisivamente o vosso trabalho em Lac La Belle?

Nick Schillace: Para mim foi o meu trabalho de fingerpicking e o trabalho de guitarra solo. Eu raramente uso “flatpick” e apenas no meu bandolim. Utilizar esse estilo definiu o nosso som, mas também minamos algum do meu material instrumental e criamos novos arranjos para a banda. Uma das nossas canções principais, “New Memories of Oklahoma,” é baseada numa canção do meu último disco de guitarra solo.

Jennie Knaggs: Existem muitas influências musicais diferentes que afectam a minha forma de tocar... Eu toquei em muitos grupos que estão dentro do género da “country music”, todos eles um pouco diferentes, desde “Old-Time” a “Honky-tonk”, mas também toquei em bandas de rock durante muitos anos, e acho que alguma dessa intensidade e capacidade de experimentar permanecem na minha forma de tocar. A música vocal tem também definitivamente muita importância em Lac La Belle; cantei em coros durante quase toda a minha vida, e esforço-me imenso para criar linhas vocais (seja na harmonia como na melodia) que fazem com que uma canção avance e conte cada histórica com detalhe musical.

Jennie, sei que tiveste contacto com a música folk em primeira mão, ao conhecer e tocar com músicos dos Apalaches durante o tempo que viajaste e trabalhaste na região. O que nos podes dizer acerca dessa experiência?

Jennie Knaggs: Quando estava na universidade, na Antioch College, tive a oportunidade incrível de estudar um semestre no Verão nos Montes Apalaches. Viajei com um grupo de dez estudantes durante três meses, e tive um curso em que estudei a história, cultura e questões de justiça ambiental da região. Foi uma forma óptima de aprender na Estrada, a conhecer as pessoas cara a cara que estavam a lidar com os riscos das minas de carvão e outras questões. Durante este programa tive também a oportunidade de mergulhar profundamente na cultura musical; fui a vários festivais de música nas montanhas, tive a oportunidade de tocar em muitos alpendres com músicos locais talentosos, aprendi novas canções e encontrei as fontes de alguns dos meus temas folk favoritos. E ganhei um concurso de Hollerin’ [uma forma de cantar que é também uma forma de comunicar entre humanos]! Aprendi muito acerca da América nessa viagem. Foi uma experiência incrível.

Nick, tocaste já com o Bert Jansch, Peter Lang, Jack Rose, Keenan Lawler, Eric Carbonara ou o Glenn Jones. Isso foi importante para ti em termos de construires a tua própria personalidade musical?

Nick: Qualquer exposição a grandes músicos tal como aqueles que mencionaste influenciaria indubitavelmente qualquer pessoa. Mas mais importante para mim são as relações pessoais que tenho criado com outros músicos. Conhecer o Keenan e o Eric como eu conheço, e poder falar com eles sobre as nossas carreiras e a vida em geral, ajudou-me verdadeiramente a perceber quem eu sou e quem eu quero ser. Eles são dois dos meus grandes confidentes musicais e sinto-me muito agradecido por eles estarem a fazer a cena deles e a darem-me um empurrão no meu próprio caminho.

Vocês têm alguns instrumentos muito peculiares na vossa colecção. O que é que nos podes contar acerca deles?

Nick Schillace: Bem, o meu instrumento principal é uma guitarra National Resophonic Tricone. Tem um desenho dos anos 20 e foi desenhada para projectar mais volume. Os cones de alumínio em guitarras como esta parecem e funcionam como os cones das colunas nos amplificadores. Antes dos microfones e da amplificação electrónica a guitarra não podia competir com cordas e instrumentos de sopro em termos de volume. Essa é uma das razões pela qual o banjo foi tão popular no início do século XX. Eles tocam tão alto! O desenho destas guitarras dá mais volume às guitarras mas também lhe dá um tom distintivo. A minha guitarra é feita de aço, mas também existem algumas feitas de latão ou madeira. Também uso uma variedade de banjos, tanto com cinco como com seis cordas. O meu é bastante único, foi construída em 1921 pela Gibson, e tem um potenciómetro de 14 polegadas. É muito maior do que nos banjos habituais construídos hoje em dia, mas ainda maior do que nos banjos standard daquela altura.

Este ano transformaram-se num duo com a saída de um dos membros fundadores, Joel Peterson. O processo de escrita e de interpretação mudou decisivamente?

Nick Schillace: Sim, perder o Joel forçou uma enorme transição para nós. Marcamos imediatamente uma residência de quatro semanas numa sala de concertos local para obrigarmo-nos a nós mesmos a tocar e a trabalhar no duro. Levamos muito tempo a superar a ausência de um baixo e é algo de que ainda sentimos falta, mas no final de contas esta é uma melhor situação. Ainda existem desafios, uma vez que não existe um terceiro membro para desempatar os empates nas opiniões, e é bom ter outro input criativo, mas estamos muito contentes como um duo. Existe apenas uma peça que eu escrevi para o nosso primeiro disco que ainda não conseguimos trabalhar para ir ao encontro daquilo que queremos.

Jennie Knaggs: A perda do terceiro membro ajudou-me a expandir a forma como toco. Historicamente, toquei maioritariamente guitarra ritmo, por isso quando o baixo deixou de existir tive de voltar a focar-me nas minhas partes instrumentais para atingir um espectro mais alargado. Também toco acordeão, bandolim e ukulele... Tenho trabalhado em seguir ângulos diferentes para cada instrumento e em correr mais riscos. Existem tantas formas de encher o som. Gosto de ser criativa nisso.


O que nos podem contar acerca do Orion Music Studio? Sei que ainda cheira a tinta fresca…

Nick Schillace: Tenho ensinado guitarra e banjo durante vinte anos. Comecei o Orion Music Studio em 2000. Desde então crescemos consideravelmente e eventualmente fomos obrigados a mudar em 2006 para um pequeno edifício que eu renovei, e depois para um edifício maior que eu renovei nos últimos 18 meses… esperamos oferecer mais aulas e workshops e pequenos concertos no novo local, para além das muitas aulas privadas que damos todas as semanas. A Jennie também ensina lá, assim como outros sete instrutores. É uma coisa maravilhosa.

Têm um novo disco a chegar muito em breve tanto quanto sei. O que nos podem contar acerca desse disco?

Nick Schillace: O disco já está terminado e temos um EP de edição limitada com metade do disco à venda. Ainda estamos a tentar decidir se vamos lançar nós mesmos o disco ou se vamos tentar trabalhar com uma editora. Estamos muito entusiasmados com o disco. Marca a transição de trio para duo e não foi um processo fácil no geral, mas tornou-nos mais fortes enquanto grupo. Ambos passamos por mudanças enormes nas nossas vidas nos últimos anos e muito do que aconteceu acabou por ficar no disco. Existem canções muito pessoas neste disco, algumas que nunca tocamos ao vivo, que ajudam a definir onde estávamos e para onde estávamos a tentar ir. Em doze canções apenas uma é um tradicional para o qual fizemos os arranjos, tudo o resto são originais. Tocamos todos os instrumentos: guitarras de seis e 12 cordas, bando de cinco e seis cordas, ukulele, bandolim, acordeão, “ghost fiddle” e vocals.


O que é que esperam da vossa digressão por Espanha e Portugal? O que é que sabem acerca destes dois países? Devemos comprar discos de Carlos Paredes para vocês?

Nick Schillace: Sim! Quero aprender tudo o que seja possível e absorver tanta cultura quanto possível. Já não visito a Europa há muito tempo e nunca estive em Espanha ou Portugal por isso esta vai ser uma experiencia totalmente nova. Mal posso esperar por conhecer todas as pessoas maravilhosas que sei que vamos encontrar.

Jennie Knaggs: Eu passei algum tempo a viajar em Espanha e em Portugal há dez anos atrás, e até cheguei a viver em Barcelona durante alguns meses. Vamos sobretudo a sítios onde nunca estivemos antes e estou muito entusiasmada por ver mais. Tenho andado a preparar o meu espanhol… Ainda soa terrível. Agora tenho de praticar o meu português, catalão, basco… Ainda não tenho a certeza que consiga aprender todos antes de chegar. Felizmente, a música é uma linguagem universal…
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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