ENTREVISTAS
Diamond Gloss
Lá fora, cá dentro
· 04 Set 2011 · 19:59 ·
Não é um caso raro: artista português dá primeiro cartas lá fora, edita um disco em editora norte-americana e só depois começa a granjear alguma atenção em território nacional. Diamond Gloss é um desses casos. Gonçalo Pereira, o nome por detrás do cognome, ditou no início deste ano Bears com o selo da Fluttery Records e tem visto o seu trabalho ser elogiado um pouco por todo o mundo, graças à maravilhosa multiplicação só possível nos dias que correm. Nesse disco, funde as suas diversas influências - da música clássica à música electrónica, passando pela IDM, a música ambiental e o pós-rock – recorrendo a pianos, batidas, guitarras e arranjos de cordas num todo que poderá lembrar os Sigur Rós ou Helios. Depois da experiência obtida com os How Comes The Constellations Shine, Gonçalo Pereira sente-se mais do que confortável em criar as suas próprias paisagens; do recanto do seu quarto para o mundo todo. Numa entrevista em tudo reveladora, fomos saber das intenções e planos que o multi-instrumentista Gonçalo Pereira desenhou para o projecto Diamond Gloss.
Sei que começaste numa banda de pós-rock chamada How Comes The Constellations Shine. O que é que ficou dessa experiência?

Esse projecto terminou como começou, ou seja, só comigo. A banda dissolveu-se. Neste momento estou a considerar recrutar novos elementos, até porque este projecto está em fase de edição de um triplo álbum intitulado Leave The Heart That Now I Bear. Seria fantástico apresentar este trabalho ao vivo. Veremos como correm as coisas.

Como foi avançar depois a solo enquanto Diamond Gloss. Foi estranho ficar sem o apoio e a protecção de uma banda?

Sempre tive, e ainda continuo a ter inúmeros projectos a solo, como é o caso de Francis Bell, Abandoned Ship Bells, Hunting Bears, Complex, Arundel e Those Who Tell. Diamond Gloss foi mais um projecto que surge após uma semana de gravações. Havia dois temas que fugiam totalmente ao que tinha feito até então. Conclui que era credível criar outro projecto. Mas em ocasião de concerto, sim, é diferente estar sozinho. Com banda há sempre mais festa.


Citas para este trabalho influencias de Arvo Pärt e Henryk Górecki, por exemplo, e de Brian Eno, Autechre, Hammock, Sigur Rós, Helios ou os Múm. Como é arrumar na tua cabeça inspirações tão díspares?

É difícil responder. Na verdade, não penso muito nisso. Todo o meu processo criativo é demasiado natural. Não sou um músico de excelência, não tenho formação académica, apenas retiro daquilo que gosto um ingrediente e, no fim, junto tudo. Mas é um processo natural. Diamond Gloss acaba por ter como influência maior todos os meus outros projectos, é quase como se fosse um best of de mim próprio. Os nomes supracitados pela imprensa e pela minha editora fazem sentido, mas não são preponderantes. Considero os Smashing Pumpkins a minha maior influência enquanto músico.

O que nos podes contar acerca do disco que editaste na Fluttery Records, uma editora dos Estados Unidos?

Bears é um disco especial. É um disco que foi muito trabalhado. A edição deste disco chega numa altura em que Constellations Shine cessa funções. Acabou por ser a recompensa de quase dez anos de composição. Mas para já, ainda não consigo falar muito sobre o disco. Vou esperar que este seja mais falado por cá, e ai sim, será mais fácil trocar impressões sobre ele. Mas em poucas palavras, é o álbum da minha vida, por ser o primeiro, e pelo sentimento que este carrega.

Tens desejo de mostrar este disco ao vivo regularmente? Que experiências tens tido a esse nível?

O meu fito enquanto músico sempre foram os concertos, mormente quando Constellations Shine existia enquanto colectivo. A experiência ao vivo é a melhor parte deste meio. Infelizmente essa experiência nunca foi muito regular, nem mesmo agora, que finalmente tenho um álbum editado. Confesso que a edição deste álbum me fez crer que doravante conseguiria mais concertos, mas a verdade é que não tem sido bem assim. Com Diamond Gloss toquei na abertura para a Julianna Barwick, em Coimbra, e fiz alguns showcases na Fnac. Até ao fim do ano creio ter mais dois concertos. Mas sim, tocar regularmente era muito bom, mas não tem sido fácil.


Começaste já a trabalhar num novo lançamento? Tens planos a esse nível para um futuro próximo?

Tenho já algum material novo para Diamond Gloss. Mas novo álbum só daqui a um ano, até porque o álbum foi editado no inicio deste ano. Por agora estou focado noutro projecto que tenho, Francis Bell e na edição de How Comes The Constellations Shine.

Confunde-se começar a carreira lá fora, que reparem em ti primeiro no estrangeiro e depois aqui em Portugal?

O meu caso particular vem corroborar essa afirmação. O meu álbum saiu em Janeiro deste ano, e em Portugal ainda não saiu nenhuma critica ao álbum. No entanto já li inúmeras críticas de diversos países. Mas compreendo que o meu trabalho não seja o mais apetecível para se tornar um hype por cá. Mas isso, não posso fazer grande coisa. Mas acredito que as coisas venham a acontecer. Haja paciência. Se conseguir mais concertos, seguramente será mais fácil ser visto, ouvido e falado.

Sentes que a tua música tem cada vez mais espaço em Portugal, sentes que o número de público e de projectos tem aumentado?

Sim. Tenho de acreditar que sim. Acho que há espaço para toda a gente. O número de público para a música portuguesa aumentou muito como já não se via desde a edição do Silence Becomes It dos Silence 4. Há muitos projectos novos por cá, não há muitos como a minha sonoridade, mas de certo que o espaço eventualmente se vai abrir. Mas que a música portuguesa está a crescer, isso está.

O que é que achas por exemplo do festival SEMIBREVE que vai acontecer em Braga em Novembro?

Braga começa a ter tradição em trazer nomes de grande qualidade. Em 2008 os Yndi Halda e Your Ten Mofo vieram cá, aquando o Mub 2008, onde participei com Complex e Constelations Shine. O SEMIBREVE a par de Paredes de Coura, é que traz a boa música. Basta falar do Christian Fennesz, Alva Noto e Murcof. Haja mais assim. Melhor melhor, era vir também Aphex Twin, B.Fleischmann ou Evax. Mas isso já é sonhar alto.

Há algum projecto em Portugal neste momento – ou mais um – que te entusiasme especial?

Definitivamente os Allstar Project. E também os meus queridos amigos SAUR. Se o futuro sorrir, podem vir a ser uma grande banda dentro do género.


Que percentagem na tua vida ocupa a tua música?

Todos os dias. Todos os dias toco e escrevo qualquer coisa. Tenho sempre material novo para ir trabalhando. Ouço música todos os dias, e tento sempre explorar novas formas de interpretar todo o meu trabalho, e explorar melhor dado instrumento ou de remisturar trabalhos antigos.

Até onde é que queres levar Diamond Gloss? Quais são os teus objectivos para este projecto?

Que as pessoas gostem tanto deste disco como eu gosto dele. Tocar cada vez mais ao vivo. Sei que não posso viver da música, mas há outro tipo de fortuna na música. Aquilo que hoje é retribuído ao B. Fachada e a outros músicos, é o meu sincero sonho para este projecto. Ele não é certamente rico, mas tem o público dele, e pode viver a música dele como o publico que o segue. Deve ser uma boa sensação.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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