ENTREVISTAS
SAUR
GRRRRRRRRRAAAAUUUUURRR
· 01 Jun 2011 · 22:40 ·
© Ana Limas
Os dinossauros existem e ainda respiram; estão rodeados por montes e salinas e rios poluídos pelas fábricas, mas rugem com a mesma urgência de há milhares de anos. Talvez até mais. Porque o rugido - agora com a forma de riff - serve como testemunho de existência e de vontade de reconhecimento dessa mesma existência. Os SAUR, quarteto que deambula em territórios pós-rock sem enveredar pela repetição abusiva a que se tem assistido no género, falaram ao Bodyspace numa altura em que acabam de lançar o seu primeiro EP, depois de terem andado alguns anos, sob outra designação, a molhar os pés na água. Agora estão finalmente prontos para dar o mergulho.
Vocês já existem há algum tempo... cinco anos, seis? Enquanto banda, digo.

André Palma - 2005. Setembro de 2005, acho que é isso.
João Freire - Enquanto banda éramos só nós três, sem o Henrique.

Enquanto banda começaram em 2005. Eram Bringing The Day Home, tocaram alguns concertos por aí, tocaram em Coimbra com os The Doups, não foi?...

Nuno Vaz - Nãaaao...
AP - Enquanto Bringing The Day Home demos...
JF - ...não faço ideia.
NV - Esse com The Doups já foi como SAUR, mas era mais refundido...

Ah, então já deram um concerto como SAUR!

JF - Não, foi só tipo um estágio.
AP - Oficialmente não foi como SAUR. Nós já tínhamos feito o EP, mas não foi como SAUR.
JF - O primeiro concerto que demos foi em Braga. Já há bué de tempo, no Censura Prévia. Como Bringing The Day Home.
AP - Como SAUR oficialmente ainda não há nenhum.

Mudaram o nome para lançar este EP... uma decisão um bocado súbita, ou não? Já andavam a pensar em mudar?

Henrique Gonçalves - Praí há um ano.
AP - Há um ano que andávamos a pensar em mudar, ya.
NV - Nós sempre dissémos que quando gravássemos que iríamos mudar de nome.
AP - Pá, vida nova.

Tem a ver com os fósseis achados na CREL?

HG - [risos] Não sabemos... pode ter a ver, inconscientemente.
AP - Algum misticismo, se calhar. É por inerência de localidade?
HG - Pode ser por causa disso, e nós não sabemos. Sonhamos com dinossauros, ou merdas assim.

Como surgiu a oportunidade para começar a gravar agora? Há quanto tempo é que decidiram entrar em estúdio, ou quando é que vos deram a hipótese de entrar num estúdio?

HG - Foi quando começámos a juntar dinheiro... [risos] no mealheiro praí durante um ano...
AP - ...cada um a dar 20€ por mês...
HG - Basicamente foi assim, foi juntando.

Onde é que foi gravado?

HG - Nos BlackSheepStudios, em Sintra.

Já tinham estas canções preparadas, ou foi algo que também surgiu assim rapidamente, a seguir a mudarem o nome?

AP - O tempo de composição foi praí um ano.
JF - Um ano, sim... porque o Henrique entrou e demorou ainda algum tempo a adaptar-se.
NV - Sim, mas ele quando entrou ainda erámos Bringing The Day Home.

Ressuscitaram alguma das canções antigas que tivessem?

HG - Mais ou menos... a "It Depends", que tem tipo um riff que é da "It Depends" antiga, mas foi a única.

O resto foi tudo nascido na altura da gravação?

AP - Foi tudo para toda a vida, sim.
JF - Por enquanto.
AP - Há a oportunidade de voltarmos a agarrar nalgumas antigas, mas num futuro muito próximo duvido, sinceramente. Até porque a vontade para o fazer é pouca.

© Ana Limas

Quanto tempo é que demoraram a gravar?

HG - Três dias.
AP - Dois dias a gravar, e um dia de mistura.

Foi bastante bem trabalhado, então...

HG - Foi ensaiado durante algum tempo... depois foi só chegar ao estúdio e começar a gravar.
AP - Tempo é dinheiro.

Como é que acabaram a trabalhar com o Makoto Yagyu? Ele já tinha ouvido Bringing The Day Home?

AP - Não, não. A única pessoa do estúdio que nos conhecia, que sabia quem éramos...
JF - ...era o B.B..
AP - ...se o Makoto foi à nossa procura ou não, não faço ideia nenhuma. Basicamente a nossa escolha em relação ao estúdio foi porque era o estúdio que melhor nos oferecia aquilo que nos queríamos.
NV - Pelas bandas que lá gravaram, e a nível de som... bandas que conhecíamos, e de quem gostávamos.
AP - A crueza do som com que eles gravam, isso era o nosso desejo.
HG - E já tinha ouvido falar que ele trabalhava bem.
NV - Sim, e ao mesmo tempo o facto de ele ter bandas que eram de um género idêntico também era um ponto a favor.

Houve aí uma ligação automática?

NV - Não, porque ele não iria fazer um mau trabalho se... sei lá. Não íamos gravar num estúdio que gravasse pimba, por exemplo. Não tem nada a ver.

Nunca se sabe. Podiam fazer uma cena tipo Emanuel, por exemplo. Virarem-se para o kuduro, já que a "Black Is White..." é para dançar...

HG - [risos] Pois é, pois é...
JF - Cenas de kuduro, agora...
AP - Íamos para aquela discoteca, do outro lado do rio, que só passa kuduro...
HG - O HK?
AP - HK, ya. Se calhar vamos começar a apostar nesse tipo de coisas...
HG - Apostar nesse tipo de circuitos...
JF - Em Alverca há muita gente que adora o HK... era bem pensado.
AP - Podíamos fazer uma remistura da "Alien...".

Quem é que costuma ter as ideias para as músicas? É trabalho conjunto?

HG - Às vezes, alguém tem uma ideia para um riff, ou para a estrutura, vamos para a garagem, e toca-se sobre isso. Outras vezes juntamos tudo e tocamos.
AP - Fazemos uma jam session e depois sai dali qualquer coisa.
HG - ...e depois ficamos seis meses à volta daquela porcaria. [risos]
JF - Antigamente era mais à base de improviso, agora são coisas pensadas.

A ideia de lançar o EP gratuitamente foi logo posta na mesa, ou ainda pensaram em limitarem-se aos samples de trinta segundos?

AP - Não, nunca houve essa ideia.
HG - A minha ideia foi sempre a de colocar o disco à borla. Para primeiro EP não faz muito sentido hoje em dia que seja de outro modo.

Quem é que teve a ideia da capa?

JF - Fomos nós, estávamos na garagem, e um dia pensámos «epá, isto com dinossauros ficava fixe, e não sei quê»...

Houve alguma influência ilícita nas vossas cabeças quando surgiu essa ideia, ou estavam sóbrios?

JF - [risos] Mais ou menos...
NV - Na altura em que foi decidida a capa, o nome não estava decidido ainda.

Pensaram primeiro em dinossauros e depois no nome?

NV - Exacto, foi um bocado assim...
JF - Nós tínhamos uma lista enorme de nomes.
NV - Foi um bom sábado à noite.

Quais é que foram alguns dos rejeitados?

HG - SaurSaur, Half Saur...
AP - Com esse havia ali uma conotação de Part Chimp, o que era um bocado lixado.
NV - O nome que ficou na altura foi Half Saur, mas depois fomos para casa, e começámos a trocar mensagens...
AP - ...e achámos por melhor deixar só SAUR.
JF - Foi um bocado complicado decidir o nome, por acaso. Nós gravámos e não tínhamos nome. Foi um bocado à última da hora. E a capa passou a fazer mais sentido...

Ficaram satisfeitos com o trabalho final, tanto a nível pessoal como da parte de quem trabalhou convosco? Sentem que podiam ter mudado alguma coisa, de todo?

AP - Existem coisas que podíamos ter melhorado, mas isso é complicado estarmos agora a dizer.
HG - Há sempre partes das músicas em que, se calhar, agora fazíamos diferente.
AP - E também, parecendo que não, nós já tínhamos experiência em estúdio. Agora estávamos mais calejados.

E em matéria de feedback, têm gostado do que vos têm dito?

AP - Acho que não estávamos à espera deste tipo de aceitação que estamos a ter...
HG - Até os franceses já falam de nós. Um blog francês. Mas não faço ideia do que lá dizem.

Tocando o que vocês tocam, parece-me mais fácil isso acontecer do que se por exemplo cantassem em português.

JF - É possível.
AG - Sim, é verdade.
NV - Mas muita gente a quem eu mostro a música pergunta sempre, «então e voz?».

Há o "bichinho" para meter voz, ou é para manter assim?

NV - Acho que não.
AP - Nenhum de nós tem jeito nem para escrever, nem para cantar.
HG - Talvez uns grunhidos...
JF - Podia lá haver uns dinossauros, a rugir.
NV - Ou pôr o Henrique a cantar Sigur Rós.
AP - Isso. [risos]
HG - A minha cena é cantar Sigur Rós...

Aqueles vídeos que vocês puseram no Youtube, aqueles excertos, é para desenvolver ou nem por isso?

NV - Deve ser para desenvolver.
AP - Não digo para videoclips, mas para manter o interesse.
NV - É mais pela cena de, ao vivo, ter algo a passar por trás. Mas não vão ser vídeos... vão ser mais um fritanço do caralho. Se reparares, esses vídeos foram postos antes da capa sair, e não têm absolutamente nada a ver com a capa... [risos]
AP - É que não foi nada planeado, mais do género «bora fazer uma merda qualquer»...

Vivendo numa cidade miserável a nível cultural, mas que ao mesmo tempo fica bastante perto de Lisboa, é mais fácil dar os primeiros passos na capital?

HG - Claro... em Alverca não se faz nada.

© Ana Limas

Sentem a necessidade de elevar isto como fez a malta de Barcelos ou a do Barreiro?

AP - Eh pá, não, porque não tem nada a ver...
HG - Isto está demasiado perto de Lisboa para haver aqui alguma coisa.
JF - Eu acho que nenhum de nós tem assim grande amor por Alverca.

Se não morassem tão perto de Lisboa acham que teriam as mesmas oportunidades que tiveram, de ir para um estúdio e ter malta de França a falar do EP?

NV - Eu até acho que sim...
AP - Há sempre a internet, e a bola de neve é automática... a partir do momento em que lá está qualquer coisa, arranca. E não temos necessariamente estúdios em nossas casas, temos uma garagem na Bobadela onde ensaiamos...
HG - ...porque em Alverca não há sítios onde se ensaiar.
AP - Sentimo-nos mais banda de Lisboa. Alverca é um dormitório.

E se por algum motivo cósmico isto evoluir?

NV - Isto não vai evoluir. [risos]
HG - A única coisa que fazem em Alverca é mais prédios...
AP - Com todas as agravantes era um bocado cínico da nossa parte começarmos a usar o nome Alverca como se fosse um orgulho.

Quando o Bolachas Grátis disponibilizou o vosso EP, escreveu-se lá que «o pós-rock estava vivo»... acham que o pós-rock estava morto?

HG - Mais ou menos... no pós-rock apareceram muitas bandas ao mesmo tempo, que eram todas parecidas, e é difícil filtrar as que são boas ou de que se gosta. Houve muitas bandas que deixei de ouvir porque me fartei.
JF - Até porque com os blogs que existem todos os dias saem uma carrada de álbuns do género.

Mas acham que de alguma maneira estão a ir contra a corrente ao fazer pós-rock quando já ninguém (supostamente) ouve pós-rock?

HG - Não sei, nem penso nisso...
NV - Fazemos as coisas conforme nos vai dando gozo. Até nem temos muito a ver com o pós-rock do que o que tínhamos antes.
AP - Uma pessoa quando fala em pós-rock até é mais a nível de composição, de instrumentais... nós agora estamos mais a investir em outros espectros de música.

Como acontece na "Black Is White...", que soa a PAUS? Também foi influência do Makoto?

AP - Não, não... a única coisa de PAUS que está ali é só um prato... [risos]
JF - O André falhou um prato e o Makoto meteu lá um prato de PAUS. Foi buscá-lo como sample... ele disse que não nos processava por o usarmos.

A vontade agora é a de apressar as coisas, e ir dar concertos, começar a pensar num LP?...

HG - Em princípio já temos alguns concertos marcados. Dois deles nas FNACs de Cascais e Algarve.
AP - A nossa cena agora é divulgar, só. Não é apressar as coisas no sentido de compôr à pressa, ou assim.

No sentido de estarem de algum modo excitados com o facto de haver pessoas que gostam do vosso som...

AP - Não, porque não estamos na música há assim tão pouco tempo para começarmos a entrar em "euforias" em relação ao feedback que andamos a ter. As coisas têm de ser feitas com calma.

Há mais alguma coisa que queiram dizer, que eu já esgotei as perguntas?

JF - Quero mandar dois beijos à minha mãe... [risos]
AP - Ela sabe sequer o nome da banda? Ela nunca soube o nome de nenhuma!
JF - A mãe do Henrique dantes pensava que ele ia tocar com drogados...
HG - Quando eu dizia que ia ensaiar ela perguntava se eu ia ter com os meus amigos drogados... [risos]
AP - O meu pai sabe o que ando a fazer, até partilhou a "Black Is White..." no Facebook... é a que ele gosta mais.
JF - Adoro o teu pai, meu.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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