ENTREVISTAS
Mirror People
Electrónica pós-rock
· 26 Jan 2011 · 23:22 ·
Lá para os lados da Invicta está Rui Maia. Ou melhor, Mirror People, que é agora nome de guerrilha do membro dos X-Wife. Nascido na pop e no rock, Mirror People espelha a magia que há nos sintetizadores analógicos e a exploração de territórios dominados por caixas de ritmos e ambientes dignos da mais bela estratosfera. É nestas alturas que vemos o nosso território musical facilmente alargado e Mirror People é responsável por isso mesmo, a par de outros artistas que, sobretudo neste estilo móvel da electrónica, vão começando a dar que falar lá fora. Em conversa desregrada (e cruelmente encurtada) com o Bodyspace, Maia falou do que lhe vai na alma, das teclas brancas e pretas da vida, dos elogios de valter hugo mãe e da desonestidade dos Delorean. Da vida das canções, de colaborações em refrões e do que a electrónica desperta neste homem da pop e do rock.
Quando e em que circunstâncias é que surgiu o projecto Mirror People?

No ano passado já tinha editado três discos, um pela Optimus e outro pela Bear Funk, a meias com Social Disco Club, e outro na Untracked, uma editora inglesa. Esses três saíram como Rui Maia e achei que estava na altura de mudar um bocado as coisas, tentar formar uma banda em que eu sou o membro principal, com a música basicamente feita por mim, incluindo algumas colaborações de vez em quando, em vozes ou num instrumento. Também em termos musicais, tentei mudar o que andava a fazer como Rui Maia, que era música de dança mas sempre com um cunho um bocado indie, ou rock, porque também é daí que eu venho – sempre fiz rock e sempre ouvi rock. Comecei a fazer música electrónica em 2002 ou 2003 – foi quando comecei a tocar sintetizadores e a ter mais interesse por isso. Foi então no final do ano passado que arranjei um nome, Mirror People, que é também o nome do EP que lancei pela Optimus, o ano passado. Achei que era um bom nome para o projecto, e foi por aí.

É esse o momento em que sentiste que tinhas potencial a solo?

Se estivermos a falar da música electrónica, penso que a maior parte das pessoas até trabalha a solo, porque é uma coisa mais caseira. Normalmente tens um estúdio em casa e as músicas são feitas através do contacto com o software, com o computador, que é um processo completamente diferente de uma banda, em que tens ensaios e constróis uma canção com o resto dos elementos.

Torna-se mais complicado, por essa razão, arranjares inspiração para novas malhas? É que são menos pessoas a pensar…

Sim, mas por vezes mais pessoas a pensar são também mais problemas, com opiniões diferentes. Acho que dentro duma banda tem que haver uma espécie de líder, que ponha algumas regras naquilo, para haver disciplina. Algo saudável, claro, mas acho que quase todas as bandas devem funcionar assim, ou nem que seja através duma dupla. Na música electrónica podes funcionar perfeitamente a solo. Uma vez vi uma entrevista do Moby, e eu nem gosto da música dele, mas ele disse uma coisa e eu penso exactamente a mesma coisa, que foi: “se estás a gravar um disco electrónico, de música de dança, acho que deves fazer isso no teu estúdio caseiro. Nunca podes fazer isso num estúdio megalómano”, estás a ver, assim tipo LA e grandes cenas. Tem que ser uma coisa mais intimista, que tens que ir fazendo, muito distante do processo da banda que chega ao estúdio para gravar e ensaiar canções. Apesar de muitas vezes ser tão mecânica e fria, a música de dança pede isso, o lado intimista da coisa, e talvez por isso deva ser feita dum modo solitário.

Como é teres o valter hugo mãe a escrever coisas como “o Rui Maia está no Olimpo desses novos músicos que se mandaram de vez por todas para um som cosmopolita e que nos coloca no sítio certo”?

Quando li isso, gostei do que li. Ainda para mais, sou fã do valter hugo mãe, é um excelente escritor, mas acho isso óptimo. Eu continuo a fazer o trabalho que fiz sempre, de maneiras diferentes ou se calhar de melhores formas, e com o passar do tempo vais aprendendo, como hás-de fazer as coisas ou até mesmo a tocar melhor.


Sentes que passaste por várias etapas?

Sim, completamente. Mas eu acho sempre que estou na etapa mais fixe, percebes (risos)? Mas é assim, sou-te sincero, eu não ouço música electrónica em casa durante a maior parte do tempo. Em Mirror People, ou quando passo música ao vivo, gosto do que estou a fazer e das músicas que ponho, mas geralmente não é algo que eu oiça.

Mirror People é uma “fuga” relativamente ao trabalho que fazes com os X-Wife, ou, por outro lado, é um elemento complementar e construtivo?

Uma coisa complementa a outra. Tocar nos X-Wife é completamente diferente do trabalho que faço em Mirror People, porque é um trabalho de grupo e tu tens o teu espaço na banda bem delimitado. Mas, por exemplo, na forma de abordagem dos sintetizadores no novo disco dos X-Wife já há um reflexo do meu projecto a solo. Embora sejam universos completamente distintos.

Achas que tens agora mais preponderância no conjunto da coisa?

Provavelmente. Este vai ser um disco de dança, mas não dança moderna. Estou a falar do final dos anos 70, Talking Heads e por aí. Não vai soar a Hot Chip. Mas tem vários elementos que eu trouxe de casa – percussões, a maior parte das músicas tem sequenciações de teclados e backing vocals.

Como é que te estás a sair lá fora, por assim dizer? A Permanent Vacations pode ser uma porta de saída ainda maior?

Lancei o disco pela PV em Julho e em Agosto saiu outro, só em formato digital, pela Brillantine Records que é uma editora do Canadá. Eu já tive alguns convites para tocar lá fora mas ainda nenhum se realizou. Vou começar pelo DJ set porque acho que ainda não estou preparado para apresentar Mirror People ao vivo e ainda preciso de construir o nome e a coisa tem que crescer mais para que isso se concretize.

Achas que grande parte da divulgação da tua música passa pela blogosfera e pelas redes sociais?

Sim, é uma das principais formas. Houve uma fase em que os blogues estavam em alta e depois foram um bocado abaixo e agora voltaram de novo, também por causa do facebook e das fan pages e aquelas cenas todas. Continuo a achar que são a melhor forma de promoveres o teu trabalho e de chegares a alguém, porque há uma série deles que são importantes, têm muitos leitores e são dedicados a este tipo de música. Acho que é por aí, porque doutra forma, como é que divulgas o teu trabalho?

Vendo bem, não há propriamente um circuito suficientemente desenvolvido onde te possas mover e apresentar o teu som de forma marcada, talvez contrariamente ao que acontece com os X-Wife, bem mais massificados. Aquela cena dos “sintonizadores” é prova disso mesmo…

O mercado está cada vez pior. Acho que se venderes 500 ou 600 discos numa semana és o número um em Portugal. Isso diz tudo. É a evolução das coisas. Obviamente, com o aparecimento da Internet e dos Mp3, é normal que as vendas caiam. Há quem goste de ter o material físico, como acontece com os livros, mas grande parte das pessoas tem dois ou três CD em casa que compraram quando andavam na escola, tipo o Vitology dos Pearl Jam e o Bleach dos Nirvana. Penso muitas vezes no que é que essas pessoas têm nas estantes…a sério que me faz confusão…Mas voltando à questão do mercado, é muito difícil dar a volta à actual situação. Há sempre pessoas que vão comprar e outras que vão sempre sacar as músicas. Com Mirror People, tenho algum suporte de sobretudo três editoras e nas rádios alternativas, tipo a Antena 3, a RUC, RUM, Oxigénio e Radar. Até por aqui é um bocado triste, porque já disse as rádios quase todas (risos).



Tendo em conta os nomes presentes na editora, esperas que daí resulte algum tipo de colaboração? Quais os projectos a não evitar?

Tenho boas relações na DFA, porque fui tendo contacto ao longo dos anos com o James Murphy e outras pessoas ligadas à editora e estou a tentar que resulte alguma coisa daí. Já tentei colaborar com o James uma vez e não foi possível, mas era mesmo surreal. Se há uma referência que tenho hoje em dia é ele, independentemente de todas as bandas e projectos que adoro do final dos anos 70. A DFA funcionou como uma lufada de ar fresco na música electrónica dos tempos modernos, sabes? Mas por agora vou colaborar com a Pollyester, da Permanent Vacation, que vai cantar um tema para Mirror People. Também vou trabalhar com o vocalista dos Detachments, entre outros.

Estás mesmo focado em ter mais vozes em Mirror People. Já tiveste o João Vieira a cantar, no EP da Optimus Discos…

Sim, claro. Como eu venho da pop, do rock e das canções, o elemento da voz é sempre importante numa canção. Eu gosto de refrões, sabes, duma cena que se possa cantarolar, e por isso tenho mesmo imensa pena de não conseguir cantar. É aí que começam as colaborações, com pessoas que sabem fazer isso bem (risos). Por um lado, se eu soubesse cantar, era tudo mais fácil, mais rápido. Às vezes demora uma eternidade a ter o trabalho pronto quando trabalhamos com outras pessoas e esse é o lado menos bom da coisa. Claro que é sempre um privilégio cantar com outros artistas e agora estou a negociar com mais duas vozes, que são a Fever Ray e a Lykke Li. Mas isso ainda não está certo. São vozes incríveis com quem eu gostava de poder contar, só que em termos comerciais depois também é tudo muito complicado…

O teu projecto é marcado, como se pode ler em vários textos, pela paixão pelo analógico. Foi sempre assim ou também pecaste, em certas alturas, recorrendo a máquinas digitais?

Eu estive sempre ligado à música e comecei a tocar bateria e guitarra aos cinco anos. Como tenho irmãos mais velhos tinha as coisas em casa e podia tocar. Depois passei pelas bandas de garagem e depois, mais ou menos um ano antes dos X-Wife, eu tinha comprado dois teclados, assim ao acaso, um string machine e um Korg MS-10. Quando era puto tocava num teclado russo dum amigo do meu irmão e dizia que aquilo fazia sons espaciais e eu pensava que estava estragado – ainda hei-de comprar esse sintetizador. Aquilo era mesmo esquisito mas eu adorava tocar e foi o primeiro contacto que tive com teclados. A partir dos Stereolab e dos Air comecei a ter realmente contacto com os sintetizadores, embora já gostasse de New Order. E depois fui comprando máquinas analógicas e drum machines, mas os preços tão exagerados que se fazem também dificulta um bocado essas compras.

Um dia, em comentários no facebook, afirmaste, e passo a citar: “Sempre que ouço Delorean agora acho sempre que as músicas são falsas. "É isto que está a dar? então vamos fazer isto". As bandas deviam ser mais honestas com elas próprias.” A tua honestidade reflecte-se em Mirror People?

Eu não faço qualquer esforço por mudar isto ou aquilo. A música que eu faço é esta. É natural que sejas influenciado pelas coisas que ouves. Provavelmente há seis meses atrás andava a ouvir outras cenas e vou acompanhando mais ou menos aquilo que vai saindo. Mas mesmo para a minha saúde mental, tenho que ser honesto comigo próprio. Faço o que acho que é mais correcto do meu ponto de vista. Eu disse isso dos Delorean porque eu vi um concerto deles, quando tocámos com eles em Espanha, e fiquei um bocado desiludido, porque 80 por cento das cenas que tinham a tocar eram uma pista a correr. Tens que ter noção das tuas capacidades e ser honesto, acima de tudo. E foi isso que me desiludiu neles.

Qual é a cidade que imaginas para o teu som?

Uma das vantagens da música electrónica é que podes fazer isto em qualquer sítio do mundo. Por várias razões. Primeiro, tens a Internet, e estás ligado a tudo. Eu tenho um manager sueco que nunca conheci, trabalho com ele e nem tenho o número de telefone dele. Por outro lado as viagens low-cost facilitam tudo isso, também. E por isso não tenho que estar estabelecido num só sítio. É fixe.
Simão Martins
simaopmartins@gmail.com
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