ENTREVISTAS
The Glockenwise
O tédio é um motor
· 10 Jan 2011 · 02:11 ·

© Filipa Alves
Mas ao Bodyspace, Nuno Rodrigues, numa entrevista esclarecedora, não quis de forma alguma traçar visões românticas de Barcelos, da vida do rock ‘n’ roll e de tudo o que a rodeia. Falou-nos de inevitabilidades, de querer dar um passo em frente, de um desejo de fugir à apatia, de reaproveitamento do tédio enquanto motor (e não como inspiração), das expectativas que decorrem do lançamento do disco de estreia dos Glockenwise, Building Waves, que o vocalista deseja ser o responsável por levar a banda a dar um passo decisivo em frente. Nuno Rodrigues deixa tudo em aberto: e talvez seja essa a verdadeira essência do rock ´n´ roll.
Está a chegar em Dezembro o vosso disco de estreia, Building Waves. Quais são os vossos sentimentos em relação a este disco?
Ficámos bastante surpreendidos com o resultado final. Quando fazes músicas consegues imaginar na tua cabeça qual é o "som" da música, mas quando as gravas as coisas ficam ligeiramente diferentes. Depois de ouvir um bilião de vezes o álbum percebi que estou mesmo orgulhoso do que fiz. No entanto o que sinto mesmo é uma grande ansiedade: quero perceber de que forma é que ele vai chegar às pessoas e de que forma as pessoas se vão relacionar com ele.
Foi fácil chegar a este disco? Foi instintivo, foi natural chegar a estas canções e gravá-las?
Nunca existem ideias pré-concebidas do que queremos fazer. De certa forma as coisas surgem naturalmente quando estamos juntos: é muito fácil entendermo-nos em relação ao passo seguinte a dar. No estúdio, por exemplo, todo o instrumental foi gravado junto, quase sempre ao primeiro take. Por isso aquilo que se ouve é mesmo "real", são quatro gajos enfiados numa cabine a suar, em Agosto, por isso sente-se mesmo o elemento "sem merdas".
A quantidade de concertos que têm dado neste últimos tempos… Acreditam que formaram de forma decisiva o que se pode ouvir neste disco? Acham que é uma transposição muito real dos concertos ao vivo?
Metade dos nossos ensaios são concertos. Começámos a tocar ao vivo, com pouco mais de três meses de banda, e 15 ou 16 anos de idade. Se foram bons? Tenho a certeza que houve concertos de merda, com sets de merda e músicas de merda. Ao fim de praí quatro anos a tocar ao vivo sem uma pausa superior a 1 mês posso assegurar que é inquestionável a forma como os concertos ao vivo moldaram os rumos da banda, tanto musicalmente como a postura, ou mesmo a maneira de pensar. Acima de tudo é importante ser divertido: dar um concerto que não é divertido é um preço mais alto a pagar do que andar de comboio até Lisboa, sem saber onde dormir, em troco de um cachet que nem sequer paga despesas.
Como foi trabalhar com o Paulo Miranda neste disco? O que é que ele vos ensinou que ainda não sabiam?
Primeiro ensinou-nos que os grupos ciganos que gravam no estúdio dele gostam de pagar com pistolas de 9mm. Depois que o sofá dele é brutal para adormecer enquanto ele faz magia. Trabalhar com o Paulo foi muito bom, nunca tínhamos estado num estúdio tão "profissional" quanto aquele, e isso foi importante para perceber os ritmos de trabalho de um estúdio e a relação produtor/banda.
Falavas há pouco da forma como o disco ia ser recebido pelas pessoas… Onde é que querem que o disco chegue? Até onde é razoável que um disco de uma banda como a vossa chegue em 2010?
A ideia é tocar o dobro, para o dobro das pessoas, com o dobro da motivação e em espaços melhores (muito melhores por favor). Como já disse a ansiedade em relação à forma como o álbum vai ser recebido é, para nós, muito grande. Acho que o fundamental mesmo é entrar no circuito em que tantas outras bandas andam, pra ver se é desta que fazemos parte da "cena", o que quer que isso queira dizer.
O que é que é verdadeiro e o que é que é falso nesta ascensão de Barcelos ao estatuto de cidade do rock? O que falta para ser realmente uma cidade que respira música?
Falta um lugar para tocar. Sim a "cidade da música" não tem um lugar em condições para tocar, que não seja um auditório feito para palestras ou a cave fedorenta do Xano. A maior parte dos concertos têm sido feitos, ultimamente, na freguesia do nosso ilustre Joaquim Durães (Salvador do Campo), numa churrasqueira/tasco que tão gentilmente nos tem acolhido. É verdade que Barcelos tem imensas bandas e imensos músicos de valor, mas não existe uma contribuição directa da cidade para que isso aconteça: que ninguém espere chegar a Barcelos e encontrar dezenas de cartazes de concertos ou bandas a tocar na rua. Nem sequer há público. Acho que é mais fácil explicar isto como um fenómeno, ou uma coincidência. Por mero acaso alguns jovens nos anos 80 e 90 acharam piada a fazer bandas, e os irmãos mais novos, primos ou filhos desses jovens também, e assim sucessivamente. Quando entrei para a minha escola secundária ninguém ligava a música, muito menos tinha uma banda, se tanto tocava clarinete na filarmónica da aldeia. Hoje, na mesma escola, os miúdos vestem calças pretas justas, têm bandas, apanham borracheiras com 14 e 15 anos (tal como eu o fiz) nos dois bares aceitáveis abertos à noite e arriscam tocar e mostrar a música que fazem. Outro dia ouvi uma banda de miúdos de 15 anos que nunca tocaram em Barcelos, porque não há onde tocar, mas já tinham ido a um concurso de bandas em Vila Real. Se querem um conselho: a não ser pelo Milhões de Festa ou qualquer outro evento engraçado, não tenham a brilhante ideia de "ir a Barcelos numa de ver o que se passa" porque vos vai sair o tiro pela culatra.
Correm por aí boatos que os putos de Barcelos adoram Led Zeppelin. Confirmam? De que gostam mais os putos de Barcelos?
Crescemos a ouvir Led Zeppelin é verdade. Mas muito mais, lembro-me de gostar imenso de The Doors antes de curtir a sério Led Zeppelin, mas também não é normal um grupo de miúdos com idade para estar na aula de Geografia, estar enfiado em casa de alguém a fumar charros e a ouvir Kyuss, antes de ir ver um concerto de Green Machine com Act-Ups. Se estiveres a falar de nós a lista era demasiado longa: eu posso estar a ouvir Fugazi e qualquer outro a ouvir King Khan. Se estiveres a falar dos putos de Barcelos na generalidade... Opá não sei o que eles ouvem, mas sei que gostam imenso das bandas da terra.
Achas que o tédio é mesmo uma forte fonte de inspiração? Aproveitam-se dela muitas vezes?
O tédio não é uma fonte de inspiração, nem de perto. O tédio é um motor, mas penso que isso já foi esclarecido acima. O tédio pôs-me uma guitarra na mão e deu-me uma banda, por isso devo muito ao tédio.
E o rock ‘n’ roll, o que é que significa para vocês a chegarmos a 2011?
Mais copos, mais concertos, mais bandas incríveis a dar concertos do caralho e a mostrar que o rock está mesmo vivo e não é preciso ter um subgénero fodido para ser grande banda, basta fazer as coisas com pinta.
Acham que o rock ‘n’ roll anda a precisar de um punk versão 2.0?
Hoje o punk é uma entidade e é inquestionável a influência que exerce em todos os aspectos da vida das pessoas. Não interessa o género de música que tocas, se não vendes CDs aos milhões e andas de transportes públicos vais sempre ter uma perspectiva punk daquilo que fazes. O punk e o DIY confundem-se nos tempos que correm. Basta ver a quantidade de bandas e editoras ou promotoras independentes que aparecem em cada esquina. Ninguém fica à espera que apareça um gajo de gravata a prometer mundos e fundos, as coisas fluem com uma naturalidade que, de certa forma, é muito punk.
Imaginem que tinham a oportunidade de tocar no vosso festival de sonho, e que partilhavam o palco com cinco bandas de sonho. Quais seriam?
O festival podia ser qualquer um, mas vamos assumir que é o Milhões de Festa: The Doors, Fugazi, The Stooges, Black Lips e Led Zeppelin. [risos]
André GomesFicámos bastante surpreendidos com o resultado final. Quando fazes músicas consegues imaginar na tua cabeça qual é o "som" da música, mas quando as gravas as coisas ficam ligeiramente diferentes. Depois de ouvir um bilião de vezes o álbum percebi que estou mesmo orgulhoso do que fiz. No entanto o que sinto mesmo é uma grande ansiedade: quero perceber de que forma é que ele vai chegar às pessoas e de que forma as pessoas se vão relacionar com ele.
Foi fácil chegar a este disco? Foi instintivo, foi natural chegar a estas canções e gravá-las?
Nunca existem ideias pré-concebidas do que queremos fazer. De certa forma as coisas surgem naturalmente quando estamos juntos: é muito fácil entendermo-nos em relação ao passo seguinte a dar. No estúdio, por exemplo, todo o instrumental foi gravado junto, quase sempre ao primeiro take. Por isso aquilo que se ouve é mesmo "real", são quatro gajos enfiados numa cabine a suar, em Agosto, por isso sente-se mesmo o elemento "sem merdas".
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© Filipa Alves |
A quantidade de concertos que têm dado neste últimos tempos… Acreditam que formaram de forma decisiva o que se pode ouvir neste disco? Acham que é uma transposição muito real dos concertos ao vivo?
Metade dos nossos ensaios são concertos. Começámos a tocar ao vivo, com pouco mais de três meses de banda, e 15 ou 16 anos de idade. Se foram bons? Tenho a certeza que houve concertos de merda, com sets de merda e músicas de merda. Ao fim de praí quatro anos a tocar ao vivo sem uma pausa superior a 1 mês posso assegurar que é inquestionável a forma como os concertos ao vivo moldaram os rumos da banda, tanto musicalmente como a postura, ou mesmo a maneira de pensar. Acima de tudo é importante ser divertido: dar um concerto que não é divertido é um preço mais alto a pagar do que andar de comboio até Lisboa, sem saber onde dormir, em troco de um cachet que nem sequer paga despesas.
Como foi trabalhar com o Paulo Miranda neste disco? O que é que ele vos ensinou que ainda não sabiam?
Primeiro ensinou-nos que os grupos ciganos que gravam no estúdio dele gostam de pagar com pistolas de 9mm. Depois que o sofá dele é brutal para adormecer enquanto ele faz magia. Trabalhar com o Paulo foi muito bom, nunca tínhamos estado num estúdio tão "profissional" quanto aquele, e isso foi importante para perceber os ritmos de trabalho de um estúdio e a relação produtor/banda.
Falavas há pouco da forma como o disco ia ser recebido pelas pessoas… Onde é que querem que o disco chegue? Até onde é razoável que um disco de uma banda como a vossa chegue em 2010?
A ideia é tocar o dobro, para o dobro das pessoas, com o dobro da motivação e em espaços melhores (muito melhores por favor). Como já disse a ansiedade em relação à forma como o álbum vai ser recebido é, para nós, muito grande. Acho que o fundamental mesmo é entrar no circuito em que tantas outras bandas andam, pra ver se é desta que fazemos parte da "cena", o que quer que isso queira dizer.
© Filipa Alves |
O que é que é verdadeiro e o que é que é falso nesta ascensão de Barcelos ao estatuto de cidade do rock? O que falta para ser realmente uma cidade que respira música?
Falta um lugar para tocar. Sim a "cidade da música" não tem um lugar em condições para tocar, que não seja um auditório feito para palestras ou a cave fedorenta do Xano. A maior parte dos concertos têm sido feitos, ultimamente, na freguesia do nosso ilustre Joaquim Durães (Salvador do Campo), numa churrasqueira/tasco que tão gentilmente nos tem acolhido. É verdade que Barcelos tem imensas bandas e imensos músicos de valor, mas não existe uma contribuição directa da cidade para que isso aconteça: que ninguém espere chegar a Barcelos e encontrar dezenas de cartazes de concertos ou bandas a tocar na rua. Nem sequer há público. Acho que é mais fácil explicar isto como um fenómeno, ou uma coincidência. Por mero acaso alguns jovens nos anos 80 e 90 acharam piada a fazer bandas, e os irmãos mais novos, primos ou filhos desses jovens também, e assim sucessivamente. Quando entrei para a minha escola secundária ninguém ligava a música, muito menos tinha uma banda, se tanto tocava clarinete na filarmónica da aldeia. Hoje, na mesma escola, os miúdos vestem calças pretas justas, têm bandas, apanham borracheiras com 14 e 15 anos (tal como eu o fiz) nos dois bares aceitáveis abertos à noite e arriscam tocar e mostrar a música que fazem. Outro dia ouvi uma banda de miúdos de 15 anos que nunca tocaram em Barcelos, porque não há onde tocar, mas já tinham ido a um concurso de bandas em Vila Real. Se querem um conselho: a não ser pelo Milhões de Festa ou qualquer outro evento engraçado, não tenham a brilhante ideia de "ir a Barcelos numa de ver o que se passa" porque vos vai sair o tiro pela culatra.
Correm por aí boatos que os putos de Barcelos adoram Led Zeppelin. Confirmam? De que gostam mais os putos de Barcelos?
Crescemos a ouvir Led Zeppelin é verdade. Mas muito mais, lembro-me de gostar imenso de The Doors antes de curtir a sério Led Zeppelin, mas também não é normal um grupo de miúdos com idade para estar na aula de Geografia, estar enfiado em casa de alguém a fumar charros e a ouvir Kyuss, antes de ir ver um concerto de Green Machine com Act-Ups. Se estiveres a falar de nós a lista era demasiado longa: eu posso estar a ouvir Fugazi e qualquer outro a ouvir King Khan. Se estiveres a falar dos putos de Barcelos na generalidade... Opá não sei o que eles ouvem, mas sei que gostam imenso das bandas da terra.
Achas que o tédio é mesmo uma forte fonte de inspiração? Aproveitam-se dela muitas vezes?
O tédio não é uma fonte de inspiração, nem de perto. O tédio é um motor, mas penso que isso já foi esclarecido acima. O tédio pôs-me uma guitarra na mão e deu-me uma banda, por isso devo muito ao tédio.
E o rock ‘n’ roll, o que é que significa para vocês a chegarmos a 2011?
Mais copos, mais concertos, mais bandas incríveis a dar concertos do caralho e a mostrar que o rock está mesmo vivo e não é preciso ter um subgénero fodido para ser grande banda, basta fazer as coisas com pinta.
© Filipa Alves |
Acham que o rock ‘n’ roll anda a precisar de um punk versão 2.0?
Hoje o punk é uma entidade e é inquestionável a influência que exerce em todos os aspectos da vida das pessoas. Não interessa o género de música que tocas, se não vendes CDs aos milhões e andas de transportes públicos vais sempre ter uma perspectiva punk daquilo que fazes. O punk e o DIY confundem-se nos tempos que correm. Basta ver a quantidade de bandas e editoras ou promotoras independentes que aparecem em cada esquina. Ninguém fica à espera que apareça um gajo de gravata a prometer mundos e fundos, as coisas fluem com uma naturalidade que, de certa forma, é muito punk.
Imaginem que tinham a oportunidade de tocar no vosso festival de sonho, e que partilhavam o palco com cinco bandas de sonho. Quais seriam?
O festival podia ser qualquer um, mas vamos assumir que é o Milhões de Festa: The Doors, Fugazi, The Stooges, Black Lips e Led Zeppelin. [risos]
andregomes@bodyspace.net
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