ENTREVISTAS
Hipnótica
Sons de Todas as Cores
· 11 Dez 2010 · 19:42 ·
2010 marca um ano de viragem para os Hipnótica. Trocaram a tecnologia (em parte, pelo menos) por uma plumagem colorida e agora estão numa clareira com relva, respirando o ar puro dos campos e deixando os raios solares brilharem sobre a sua música, agora mais radiante, enquanto desfrutam o momento, após o lançamento de Twelve-Wired Bird of Paradise. «Um álbum feito a pensar em espaços ao ar livre mas também contaminado pelas pistas de dança.» Em ambos os casos, gestos de expressão e libertação pessoal. João Branco Kyron (letras, voz, sintetizadores, programação, percussão) completa a banda de Bernard Sushi, JP Daniel, Sergue e António Watts, e acedeu a responder-nos a algumas perguntas, numa conversa que decorreu sem pressas. Como se dois amigos se encontrassem num dia de Primavera para cavaquear sobre assuntos de interesse comum, e a tarde soalheira se fosse prolongando até à hora do jantar.
O título do novo álbum remete para uma ave de plumagem exuberante e que, por vezes, reflecte as cores do arco-íris. A capa deste disco também apresenta todas (ou quase todas) essas cores, e as canções são bastante luminosas. O título acaba por ser uma metáfora/símbolo duma tendência para se virarem para o exterior, deixando o Sol e o ar puro invadir as vossas composições?

João Kyron: É exactamente isso, o título é parte do todo, música, letras, imagem. Quisemos explorar um lado nosso mais radiante, mais pop, que aliás sempre existiu mas que não se expunha muito no passado, porque estávamos interessados em explorar outras linguagens musicais. Desta vez simplificámos os arranjos, as canções surgiram das melodias das vozes e utilizámos novos instrumentos, violas acústicos, alguns tambores e percussões e alguns sintetizadores analógicos. É realmente um álbum feito a pensar em espaços ao ar livre mas também contaminado pelas pistas de dança.

Em que medida o facto de se terem refugiado no Alentejo pode ter contribuído para tal?

João Kyron: Nós fomos para lá porque já tínhamos sentido o “chamamento”, a necessidade interior de renovação, precisávamos revigorar a nossa sonoridade, revigorar a própria banda e queríamos mesmo fazer músicas com um som mais “aberto”. Por isso tentámos encontrar o ambiente, os instrumentos e a inspiração que nos permitisse obter o que queríamos. Depois também trabalhámos muito com o Wolfgang, em Lisboa e em Viena para que as músicas não perdessem o espírito inicial. Experimentámos várias soluções na sonoridade do álbum e optámos por não ter um som muito “limpo”, muito polido, acho que o resultado está muito próximo do que pretendíamos, é acústico com inspirações da folk, é explosivo quando é preciso, tem vestígios de electrónica e de elementos mais urbanos, tem alguns ritmos e ambientes da música africana e estruturas da música pop com as vozes ao centro.


Alguém disse que se vocês fosses “rapazes da praia”, este álbum seria a vibração eléctrica do Pet Sounds. O que acham disto? Os Beach Boys são/foram de alguma forma uma influência para vocês?

João Kyron: Sim, gostamos muito dos Beach Boys, uma daquelas raras bandas que estão sempre actuais, mas também há outras que nos influenciaram igualmente, como os The Zombies, os Kinks, os Beatles, etc, etc ….depois há uma série de bandas mais actuais que nos atraem imenso como os Fleet Foxes, Micachu, Animal Collective, Bon Iver, Sufjan Stevens, Konono nº1, Bassekou Kouyate e muitos muitos outros…ouvimos muita música de vários estilos e épocas.

Já disseram, também, que vocês protagonizaram a transformação mais surpreendente do ano discográfico nacional. E mais, que agora são uma banda nova. Fartaram-se da tecnologia, da electrónica a partir do concerto do Music Box em que “as máquinas pifaram e tiveram que dar um concerto à antiga” ou mesmo antes já havia uma certa vontade de fazer as coisas duma forma mais despojada, despida de artifícios?

João Kyron: Já havia uma vontade, principalmente motivada pelos concertos ao vivo do New Communities, que as pessoas gostavam muito mas que se tornava um espectáculo mais para assistir e não tão interactivo como queríamos que se tornasse, mais próximo das pessoas, mais de partilha. Esse concerto do MUSICBOX acabou por ser uma prova disso, pois sem sintetizadores e programações fomos forçados a explorar um lado mais visceral das musicas e a adaptarmo-nos às circunstâncias, nesse aspecto foi um momento simbólico.

Como é que uma banda que tinha na tecnologia um elemento fundamental da sua música agora a encara somente como meio de informação, promoção e aproximação ao público?

João Kyron: A tecnologia continua presente, o álbum tem partes em que recorremos a samplers, a loops, a ritmos programados, mas com um peso e uma visibilidade muito diferente do passado. Mas relativamente á tecnologia é mesmo isso, é uma ferramenta, é apenas mais uma extensão daquilo que somos e daquilo que queremos ser. Cada um encontra na Web formas de se exprimir, seja artisticamente, expondo musica, fotografias, ensaios literários, seja simplesmente para partilhar com os amigos as situações mais simples das suas vidas. É aquele paradoxo de aproximação das pessoas através de um acto solitário á frente de um computador. É mais um meio que se abriu e ao não ser unidireccional como a televisão veio trazer novas dimensões ao nosso quotidiano, mas não é mais nem menos do que uma prolongamento daquilo que já éramos antes.

Concordo com vocês quando dizem que a tecnologia não traz as respostas essenciais nem é a tábua de salvação de que necessitamos e que a informação não traz sabedoria nem conforto. Mas tenho dúvidas que as pessoas (pelo menos boa parte delas) se tenham apercebido disto e, mais ainda, que se tenham virado para a essência das coisas. O que vos parece?

João Kyron: Cada vez há mais pessoas a olhar para o dia a dia com outra perspectiva, eu diria que é uma imensa minoria, levantam-se outros valores, outras formas de perceber a vivência nas cidades, o equilíbrio com recursos naturais, o cuidado com aquilo com que nos alimentamos, novas formas de lidar com o consumismo e com a massificação de gostos, mesmo fazendo parte desta cultura é saber como tirar o melhor partido do que há de positivo e tentar que não haja uma contaminação ou adormecimento face aos aspectos mais negativos.

Musicalmente, esse retorno às origens veio para ficar ou é apenas uma etapa (estão por uns tempos na clareira com relva, com o Sol a brilhar sobre vocês, desfrutando o momento) na carreira dos Hipnótica?

João Kyron: ainda não queremos perspectivar o futuro, estamos muito concentrados na divulgação do novo álbum, os concertos têm corrido muito bem, com muita energia no ar e as reacções têm sido excelentes. Temos tocado muito e os concertos têm aberto novas portas.

Numa entrevista falaram da terrível palavra começada por “C”. Quais pensam que podem ser os contrapontos contra essa omnipresente nuvem cinzenta? Falamos apenas do ponto de vista económico/social, certo? Porque em termos musicais, quer internacionalmente como cá dentro, o panorama até é bem animador, pelo menos em termos de criatividade…

João Kyron: Sim, falámos do ponto de vista social. Do ponto de vista criativo normalmente as épocas de crise trazem inspiração e são períodos em que normalmente a expressão artística entra em ebulição e faz acontecer fenómenos maravilhosos, foi assim com o final dos anos 60 na Inglaterra, no Estados Unidos, na Alemanha, com a Nouvelle Vague em França, com o Tropicalismo no Brasil, com os cantautores de intervenção em Portugal.


No videoclip de “Black Glove”, extraído deste último trabalho, no refrão (“Stand Up and Rise Your Hand / Wearing Your Black Glove”) várias pessoas erguem uma das mãos, sempre com uma luva preta – este gesto, conjuntamente com a letra da música, pode ser entendido como uma espécie de manifesto?

João Kyron: Não é um manifesto, é mais um gesto de expressão pessoal que possa ser traduzido num espírito colectivo por representar o pensamento de muitos em relação a um determinado assunto. É uma música inspirada no gesto do Tommie Smith e do John Carlos, 2 atletas americanos que nas Olimpíadas de 68 no México subiram ao pódio e num gesto de grande coragem fizeram assinalar ao mundo a sua insatisfação com a discriminação racial vigente nos Estados Unidos da altura. Houve muitos a reverem-se nesse gesto que acabou por ser colectivo por representar um sentimento de muitos. No caso deles foi um manifesto, no caso do vídeo é mais um gesto de libertação.

Reparei que um dos que erguem a mão com a luva preta, no videoclip, é o tatuador e ilustrador Hugo Martins - ou Hugo Makarov. Houve alguma intenção subjacente a esta ou a alguma das outras escolhas dos figurantes?

João Kyron: Convidámos uma série de amigos, ligados a várias formas de expressão artística, ao desporto, etc. Iilustradores, músicos, jogadores de basquetebol, pintores, amantes de ciclismo urbano e também alguns amigos próximos à banda. Uma grande tribo de hipnóticos.
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
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