ENTREVISTAS
Noiserv
Banda-sonora para um dia das nossas vidas
· 20 Jul 2010 · 13:02 ·
© Nuno Oliveira
Noiserv tem um novo lançamento em mãos, um EP intitulado A Day in the Days of the Days, com selo da Optimus Discos. Mas este não é um lançamento qualquer. Noiserv propõe-se a fazer a “banda-sonora para um dia das nossas vidas”, talvez por achar que isso lhe trará uma maior proximidade de um público que é cada vez maior para as suas canções. Nascido e criado na Merzbau, David Santos foi acumulando experiências: partilhou palcos com gente grande da nossa praça, mostrou as suas canções na Alemanha, Áustria, Inglaterra e na Escócia. Numa entrevista suculenta, David Santos contou ao Bodyspace tudo o que neste momento havia para saber acerca deste novo EP e do mundo que rodeia Noiserv. Para melhor compreender o que é afinal esta coisa da banda-sonora para um dia das nossas vidas.
Tens um novo EP que acaba de ser editado. Chama-se A Day in the Days of the Days. O que é que nos podes contar acerca dele?

A história deste EP partiu da ideia de construir algo conceptual que intercalasse dois longa-duração, o One Hundred Miles from Thoughtlessness e o segundo disco. Desde sempre que tenho grande fascínio pelo conceito banda-sonora, não apenas de um filme, mas a música que possivelmente nos acompanha em qualquer coisa que façamos ou lugar onde estejamos presentes, foi desta forma que surgiu esta ideia/vontade de fazer a banda sonora para um dia das nossas vidas, as canções que, se eu tivesse de escolher, levaria comigo durante um dia...

E inspiraste-te nos teus próprios dias para chegar a este disco?

Toda a música que faço acaba por se inspirar naquilo que vivo e sinto sobre o exterior, desta forma e tendo em conta o conceito que queria, foram sem dúvidas as horas do meu dia e o que sinto em cada uma delas, uma grande fonte de inspiração para as músicas. As próprias horas escolhidas, 06:00 am, 11:15 am, 01:58 pm, 07:10 pm e 10.20 pm, são na minha opinião horas cruciais no decorrer de um dia e por isso os momentos que escolhi para o EP…

Foi difícil chegar a ele depois de teres dado à luz o One Hundred Miles from Thoughtlessness?

Eu acho que o processo criativo, ou melhor, o processo de compõr canções e construir discos é como percorrer uma rua, não é declaradamente difícil ou fácil... É um percurso com altos e baixos, com momentos dificeis e outros de plena alegria por em poucos segundos termos construído algo que gostamos muito... Este EP foi isso mesmo, um misto de hesitações e certezas, frustações e felicidades mas sempre com muita vontade de construir algo que no fim me pudesse orgulhar de ter feito...

Este EP terá edição da Optimus Discos. Enche-te de orgulho este selo da Optimus?

O EP enche-me de orgulho porque acho que consegui fazer algo que tem o selo de Noiserv, ser ou não ser pela Optimus Discos é consequência de um convite que tive por parte do Henrique Amaro e que aceitei com todo o agrado. Julgo que a música é feita para ser ouvida e desta forma interessa que nos sintamos orgulhosos da música que fizemos, a plataforma utilizada para a edição acaba por ser um processo secundário… Neste caso achei interessante juntar-me a um movimento que tenta divulgar a nova música nacional, apenas isso…

Achas que o formato EP serve mais o teu propósito, ou vês-te a tentar um novo disco inteiro em breve?

© Nuno Oliveira

Como disse antes, a ideia deste EP era intercalar dois discos... Por isso o próximo passo é o disco para a ideia ficar completa…

Quanto tempo da tua vida dedicas à música em cálculos matemáticos exactos? Ouvi dizer que eras engenheiro…

Em cálculos matemáticos, não exactos, sinto que dedico a minha vida toda à música, no entanto é também verdade que sou engenheiro eletrotécnico e que tenho um trabalho nessa área... Essas são as “contas” neste momento, contudo e tal como aprendi em matemática, 100% certo só os teoremas, por isso apenas temos de nos reinventar e lutar passo a passo por aquilo que nos faz querer acordar no dia seguinte...

E como é viver entre os dois mundos?

É sempre muito complicado, porque nem sempre esses dois mundos estão em sintonia, acho no entanto que devemos ir sempre pelas “escadas”, que não param nem encravam como os “elevadores” e que não precisam de arranjo para subir, só precisam das nossas pernas... Se para isso precisamos de dois mundos, temos de os juntar e aproveitar o bom de cada um deles...

Sabes que chegaste à música com os lançamentos na Merzbau. Mas o que é que está para trás. Consegues resumir o teu trajecto até esse momento?

Para trás da Merzbau, ano de 2005, estavam 23 anos cheios de momentos, de amigos, de músicas, de sonhos, de concertos, de conversas, de paixões, de desilusões, de bandas, de tudo, os quais de uma forma ou de outra me levaram a gravar 3 músicas numa demo e a mostrar ao Tiago Sousa (mentor da Merzbau), dias antes tinha decidido que Noiserv seria um bom nome. Acho que tudo começou nessa altura...

Que memórias guardas da extinta Merzbau? Sentes que foi a casa que te lançou?

Sinto que a Merzbau e o Tiago me levaram a acreditar que aquilo que eu tinha feito devia ser ouvido por mais pessoas, as quais poderiam eventualmente gostar... E assim foi… A Merzbau é sem dúvida um dos princípios de tudo, não só para mim mas para grande parte dos músicos que nela estiveram envolvidos, acho que nos poucos anos de existência a Merzbau ocupou um espaço na música portuguesa de onde dificilmente irá sair… Pode ser que um dia volte à carga...

Continuas até este dia a tocar sozinho em palco. Noiserv será sempre o teu projecto a solo e de mais ninguém?

Pegando na tua frase e não querendo ser nada presunçoso, Noiserv será sempre o meu projecto a solo e de mais ninguém, Noiserv começou como uma forma de registar algo e tornou-se ao longo dos tempo numa forma de vida, embora possa ter em certas alturas algumas colaborações, como já tive, Noiserv é a minha forma de viver tudo isto... E neste campo só faz sentido fazê-lo desta forma...

Mas não sentes a vontade de tocar com mais gente, de ter outros projectos?

Claro que sim, e embora Noiserv me ocupe bastante, tenho participado ao longo dos tempos numa série de outros projectos, sendo o mais recente, os You Can’t Win Charlie Brown, banda da qual faço parte… Bom bom era se os dias tivessem 48 horas, ou se pudéssemos não dormir…

A lista de músicos e bandas com quem já tocaste ao vivo é bastante impressionante. A mim impressiona-me mais os Amália Hoje, por não identificar uma proximidade estética. Como é que surges a abrir os concertos para eles nos coliseus?

© Nuno Oliveira

Depois de um concerto no Clinic em Alcobaça surgiu o convite por parte do Nuno Gonçalves (The Gift/Amália Hoje) e eu aceitei... Acho que na música não podem existir preconceitos, se me perguntares se Noiserv tem uma grande proximidade estética com o projecto Amália Hoje digo-te que não, que claramente existem projectos com uma proximidade muito maior, no entanto o espectador não deve ficar resumido a uma só estética, acho que foi essa também a ideia do Nuno Gonçalves, a quem agradeço muito convite. Por outro lado a música deve ser universal, seja no coliseu abrindo os Amália Hoje, em Berlim num pequeno bar, na Escócia em casa de uns estranhos ou na Aula Magna num concerto em nome próprio de Noiserv, eu serei o David a mostrar às pessoas como “tudo” isto faz sentido para mim, entendes?

Absolutamente, não tenho uma ideia sectarista da música. Agora pergunto um bocado o contrário, para quem gostarias muito de abrir? O Andrew Bird, põe exemplo?

Não querendo bater em nenhum cliché, acho mesmo que quem eu gostaria muito de abrir seriam os Radiohead, não apenas pela banda que são mas por tudo o que representam no meu crescimento enquanto ouvinte de música, mais que não fosse iria certamente levar um bloco de notas e escrever todos os instrumentos que eles usam. Claro que existe uma série de outros músicos que admiro muito e que teria todo o orgulho em poder partilhar um palco, nesses poderíamos incluir o Andrew bird, a Björk, os Sigur Rós, o Yann Tiersen entre muitos muitos outros…

Em Portugal, quem admiras realmente em termos musicais? De quem é que tens a discografia completa lá em casa?

Acho que cada vez mais temos grandes músicos em Portugal, mas se tiver que destacar um nome, acima de tudo pelo grande talento e pela grande humildade como gere tudo isso acho que o Norberto Lobo é um dos que mais admiro... Não posso também deixar de destacar o Luis Nunes (Walter Benjamin, Jesus, the Missunderstood), pelo grande músico e amigo que é...

Agora, só para fechar, uma daquelas perguntas que sempre quis fazer: o que é que eu não perguntei que gostarias que tivesse perguntado?

Hmmm… Olha podias por exemplo ter perguntado: “Tenho lá para casa uns teclados antigos que já ninguém usa, vou-me desfazer daquilo, tens interesse?” e eu respondo: “Claro que sim!”.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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