ENTREVISTAS
Zola Jesus
Sinfonia Desconcertante
· 09 Nov 2009 · 19:03 ·
Ouvir “Clay Bodies”, do disco de estreia de Zola Jesus, é como entrar bem no meio de uma sinfonia de ruído, de beleza, de fúria, da mais pura calma, de ódio, de amor. Tudo isto parece profundamente contraditório mas Zola Jesus, ou Nika Roza Danilova (melhor nome de sempre?), é tudo isto e muito mais. Em The Spoils, editado recentemente pela Sacred Bones, Nika é espécie de feiticeira que convoca o ruído e a música industrial, servindo-se da sua voz profunda e poderosa como forma de impedir, por ora, o apocalipse. Sozinha mas de mãos dadas com o lo fi e a escuridão, Zola Jesus criou um corpo de canções onde quis diluir as suas influências (Nika estudou ópera mas também ouviu muito punk e no wave) e as suas canções são, em 2009, muito mais do que prometedoras: são uma espécie de verdade em que queremos acreditar, um momento especial de lucidez ou uma fuga para este mundo à espera de rebentar.

Para além do seu trabalho com os Former Ghosts (onde divide funções com Freddy Ruppert e Jamie Stewart dos Xiu Xiu), Nika Roza Danilova investe agora e muito no projecto Zola Jesus como forma de expulsar todos os seus fantasmas. A urgência que Nika revela nesta entrevista ao Bodyspace é a explicação que precisávamos para perceber como nasce e de onde vem esta música tão poderosa. Em conversa com Nika Roza Danilova, foi possível perceber mais do que aquilo que a sua música deixa adivinhar e encontrar nela uma alma inquieta, desejosa por deitar cá para fora tudo aquilo que de artístico lhe corre nas veias. Uma coisa é certa: ainda vamos ouvir falar muito de Zola Jesus.
Quando é que começaste a fazer música? Como é que foi para ti começar a fazê-lo?

Eu tenho vindo a escrever música a minha vida toda. Toda a minha vida foi uma ópera épica. Eu era uma criança com muitas alucinações nesse sentido. Toda a vida fui cantando e escrevendo canções. Só comecei com Zola Jesus oficialmente quando tinha uns 16 ou 17 anos.

Tanto quanto sei a criação de Zola Jesus nasceu da reacção a um período muito mau na tua vida. O que é que nos podes contar acerca disso?

Eu usava Zola Jesus como um meio de confrontar as minhas ansiedades acerca de cantar e de criar arte de uma forma geral. Tinha passado por um período em que era tão auto-crítica que era impossível para mim fazer alguma coisa remotamente criativa sem odiar tudo no processo e o produto final. Foram tempos muito negros para mim. Sinto-me muito, muito vazia quando não estou a criar alguma coisa. Por isso, estar nessa posição foi muito difícil para as minhas emoções. Não tinha uma saída para a minha paixão.

Cresceste a ouvir nomes como The Swans, Throbbing Gristle, Diamanda Galas, Lydia Lunch. Gostaste imediatamente deles, do que eles transmitiam? O que te fazia gostar da música deles? Era o total oposto do que andavas a ouvir na altura?

Lembro-me da primeira vez que ouvi o Eskimo dos Residents, o meu irmão estava a tocá-lo no quarto dele. Fiquei tão ofendida, tão incomodada com o disco. Eu era muito nova, talvez 12 ou 13 anos. Mas não muito depois, comecei a desenvolver um gosto por coisas ofensivas e repugnantes. Fiquei verdadeiramente aborrecida e pouco estimulada com a música que ouvia (na altura era o velho punk de 77 e música pop). Por isso entrei sorrateiramente no quarto do meu irmão e ouvia toda aquela música que antes me fazia sentir tão desconfortável. Chegou a uma altura em que essa música se tornou cada vez menos desconfortável de ouvir, por isso comecei a procurar coisas que fossem mais e mais bizarras e estimulantes.

Voltando a Zola Jesus, li algures que na escola secundária usavas o nome Zola Jesus como forma de desencorajar os teus colegas de falarem contigo. Isso resultou?

Sim, surpreendentemente bem.


Estudar numa escola Americana é tão difícil quanto se diz ou isso é apenas o que nos mostram os filmes e lemos nos jornais?

Será mais duro que na Europa? Não é demasiado duro, acho que depende da escola que frequentas.

Vives em Madison, Wisconsin. De que forma é que isso afecta ou influencia a música que fazes? Como é isso de viver onde tu vives?

Viver em Madison tem definitivamente os seus prós e contras. O tempo é sempre muito poético, e inspirador para criar. Os invernos são tão rigorosos aqui, força-te mesmo a ser um sobrevivente. Nesse sentido fez de mim uma pessoa muito forte, o que por sua vez afectou a minha música. De qualquer das formas, a cidade é bastante transitória porque é uma cidade de universidades. Vivem aqui muitos estudantes.

Como é um dia-a-dia comum para ti? Sei que estudas e trabalhas ao mesmo tempo…

A minha vida é muito ocupada. Sou a rainha de me desdobrar em projectos, mas não sei fazer as coisas de outra forma. Sou estudante a tempo inteiro na universidade, e vou a todas as aulas possíveis para ser possível licenciar-me este ano. Também trabalho numa galeria de arte. Todo o tempo livre que tenho é passado a trabalhar na minha música, a dar concertos, e a fazer tudo o que está em meu poder para concretizar todas as minhas ambições. Neste momento estou a trabalhar no duro para terminar a escola para me ser possível fazer música a tempo inteiro. É isso que eu realmente quero. Acho que não vou estar totalmente satisfeita enquanto não me seja possível concentrar toda a minha energia na minha música.

O que é que estás a estudar?

Eu estudo francês, russo e filosofia. Há muitas outras coisas que eu teria estudado se tivesse o tempo para isso também.

Como é que encontrar tempo para fazer música no meio disso tudo? Quais são os teus momentos favoritos do dia parta criar?

É sempre um processo que me consome muito tempo para mim por isso, por exemplo, quando eu gravei o The Spoils estava em ferias da escola e tirei algum tempo do trabalho para me ser possível passar cada minuto a trabalhar nestas canções. Gosto de criar pela manhã, quando as ideias estão frescas e ainda estou a sair dos meus sonhos e pesadelos. Gosto de ter a manhã para escrever uma canção, depois à noite volto a ela e vejo o que posso editar sem acordar os vizinhos.


E como é que te sentes a lançar este The Spoils? Sentes-te confiante relativamente ao trabalho que conseguiste neste disco? Foi difícil chegar ao resultado final?

Estava tão nervosa no momento que o enviei para a editora. Sentia que tinha criado muitas canções verdadeiramente poderosas, ou pelo menos foram poderosas para mim ao fazê-las. Mas quando passas tanto tempo a gravar ficas realmente de certa forma desorientada acerca de aquilo que a canção pode soar para outra pessoa. Depois de ouvir o disco na sua totalidade consegui definitivamente reconhecer o crescimento relativamente às minhas gravações anteriores. E senti que as canções diziam muito acerca daquilo pelo qual estava a passar naquela altura.

Tens alguma vez medo que as tuas canções some demasiado pessoais? Alguma vez te sentes desprotegida?

Sim. Especialmente agora que estou a começar a remover as camadas de efeitos da minha voz. Toquei recentemente num concerto em Nova Iorque em que era apenas eu e um pequeno teclado da Casio. Não havia microfones, não havia pedais, nem nada. Foi a última tarefa para enfrentar os meus medos. Foi muito desconfortável para mim.

A minha canção favorita deste disco é a “Clay Bodies”. Parece uma canção de certa forma mágica, estranhamente positiva. Quais são os teus sentimentos relativamente a essa canção?

Senti-me mesmo exausta depois de ter escrito essa canção… mas de uma boa forma. A canção é sobre eu ir basicamente atrás daquilo que eu quero, em qualquer circunstância. Sempre que faço alguma coisa faço-o sempre com tanta intensidade. Não consigo fazer simplesmente alguma que fique a meio caminho. A estrutura da própria canção reflecte igualmente isto, da maneira que é uma balada épica e cheia. Queria escrever uma canção que também reflectisse especificamente o quanto eu adoro fazer música. Depois de ter experimentado a vida sem música, sem arte, sem paixão, sinto-me tão sortuda por a ter de volta. Sinto que nunca poderei viver sem a música de novo, e farei tudo no meu poder para fazer com que a música fique sempre perto de mim. Todo o álbum é basicamente um tributo ao facto de ter saído de um profundo entorpecimento, e mesmo que esteja triste por alguma razão, enquanto tiver Zola Jesus eu sei que serei capaz de seguir em frente.

Tens também outro projecto, os Former Ghosts. Como é trabalhar com o Jamie Stewart dos Xiu Xiu e com o Freddy? É totalmente diferente do trabalho que tens enquanto Zola Jesus?

Não é completamente diferente, mas sim, é diferente ainda assim. Eles são ambos tão fantásticos. Queremos todos a mesma coisa da nossa música, partilhamos mesmo uma visão forte em conjunto. Existe muito menos controlo nas canções, deixo muitas vezes para o Freddy 3 para o Jamie a escrita e eu apenas junto as vozes. É divertido poder fazer apenas aquilo que sei fazer melhor. Adoro escrever canções mas às vezes gosto apenas de cantar, também.


Tendes a ouvir a tua própria música? Consegues de certa forma colocar-te do outro lado numa posição de outsider e avaliar o teu próprio trabalho?

Tento não o fazer. Às vezes estou interessada nisso apenas por uma questão de ser capaz de melhorar, mas depois de ter estudado ópera durante tanto tempo e de não fazer mais nada senão apanhar as falhas na minha voz e na minha técnica, isso pode realmente danificar a tua confiança. Tento ter fé nos primeiros takes e defender as falhas e o erro numa gravação. Estou mesmo a tentar ensinar a mim mesma a não ser tão perfeccionista. Foi o ímpeto da minha queda anteriormente.

O que é que queres que as pessoas pensam ou percepcionem, ideitnfiquem na tua música? Existe algum sentimento ou atitude para alguém receber as tuas canções ou achas que isso pode e deve variar e pessoa para pessoa?

Sinceramente, quero apenas que sintam a energia e a paixão por aquilo que estou a fazer. As pessoas podem associar o que quiserem às minhas canções. Quero que as pessoas sejam capazes de criar as suas próprias memórias e significados na minha música. A música é uma coisa muito pessoal. Sinto que ser um músico é apenas ser um conduto para ajudar as outras pessoas a explorarem-se a si mesmas e o mundo que as rodeia através de inputs baseados em canções. Isso, eu estou apenas a prestar um serviço, mesmo que entretanto também esteja a realizar-me com isso pelo caminho.

A tua música é de alguma forma incluída nesta nova coisa do hypnagogic pop. Sentes-te parte de alguma coisa de todo? Sentes que partilhas sensibilidades musicais com alguns artistas em particular neste momento?

Não tenho a certeza, sinceramente. Ainda não percebo sinceramente o nascimento desse fenómeno. No que diz respeito a sensibilidades musicais partilhadas, também não tenho a certeza se me podia alinhar com outro artista qualquer. Não sei quais são as intenções dos outros músicos quando eles estão a fazer a música deles.

Tocaste recentemente no Adventures in Modern Music Festival da Wire. Achas que isto está de certa forma a acontecer demasiado rápido?

Não está a acontecer suficientemente rápido!

Como é que geres toda essa urgência? Tentas por exemplo impedir-te a ti mesma de editar demasiada música ou de fazer demasiado planos?

Fico excitada pela determinação de levar isto o mais longe que me for possível. Mas ao fazer isso tento ser inteligente no processo. Estou determinada em ter sucesso naquilo que faço, o que é diferente de ser apenas uma oportunista. Tive várias outras propostas de muitas editoras diferentes, mas até encontrar a editora certa serei paciente. Estarei sempre a gravar, mas aquilo que mostro ao mundo é extremamente limitado. O público não precisa de ouvir tudo o que eu criar. Apenas tem de ouvir o melhor. Por isso até eu conseguir produzir material suficiente que eu ache suficientemente bom para o público ouvir, vou trabalhar calmamente no meu canto.

Onde é que vês Zola Jesus em, digamos, cinco anos? Antecipas o teu futuro demasiado?

Sim, antecipo-o muito. Eu estabeleço expectativas verdadeiramente altas para mim mesma, por isso aquilo que eu tenho em mente para o meu futuro é provavelmente ridículo para qualquer outra pessoa. Mas e daí, eu achei que soava ridículo quando eu disse que queria ter um disco cá fora quanto tivesse 18 anos. O que eu quero para a minha música e para a indústria como um todo é mais do que eu posso sequer imaginar, mas estou preparada para trabalhar no duro até que isso se torne uma realidade.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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