ENTREVISTAS
Geronimo
No espaço tudo é imperfeito
· 26 Out 2009 · 20:01 ·
A montagem do disco foi sempre organizada como um esforço colectivo ou podiam ocasionalmente avançar distribuindo tarefas individuais? Fico completamente intrigado pelo processo em torno de um disco como este.
Nelson: O melhor aspecto do colectivo é a total confiança entre cada um dos membros. Com isto em mente, as composições evoluem orgânica e colaborativamente durante um longo período. Algumas faixas partem de um conceito abstracto, como é o caso da batida cardíaca na “Firewater” ou das baterias a go go na “Facepeeler”, mas conhecem inevitavelmente o contributo de todos. Em estúdio, durante a edição e pós-produção, o Michael Rozon passa a ser um quarto membro a todos os níveis, embora receba mais dinheiro que os restantes três.
Que referências de ficção-científica eram consensuais na banda, quando procuraram aquele ambiente de “mergulho no vazio; no espaço ninguém te ouve gritar”?
N.: Embora os trabalhos de Olaf Stapledon, o Star Rover de Jack London e o 2001 – Odisseia no Espaço de Kubrick sejam altamente influentes, assim como a ficção-cientifica mais negra, o projecto Geronimo procura contrastar uma noção de visão global, por mais ingénuo que isso pareça, estabelecendo-se num ecossistema neutro com ligações profundas com a herança milenar da América do Norte e a cultura bárbara do invasor Europeu. A arte do primeiro álbum debruçou-se num tema espacial como representação visual da colisão cultural entre as culturas indígenas e os Europeus, na sua forma mais vulgar, e demonstrando o painel de controlo de uma cápsula espacial Gemini como referência à herança Sleestak.
O facto dos Geronimo procurarem “contrastar uma noção de visão global” significa que o próximo álbum pode não estar sequer ligado a astronautas e ao espaço?
Francoso: Com os Geronimo, o contraste contínuo é extremamente importante. Usar um guerreiro indígena numa terra onde as suas raízes já foram esquecidas, relembrar atrocidades passadas quando esses actos já foram muitas vezes recuperados, diminuídos e desconsiderados. Usar astronautas para celebrar um tempo em que as nações indígenas eram capazes de ver o espaço, apesar de não conseguirem alcançá-lo. Os astronautas fazem parte dessa justaposição. Representam também uma homenagem à nossa banda anterior Sleestak. Mas também transporta imagens da próxima fronteira para um contexto de colonização. O espaço, a lua, os planetas, todos serão colonizados. E se existirem habitantes nesses, esperemos que não enfrentem o mesmo destino que os primeiros nativos das Américas. Consideremos a hipótese de ir além dos astronautas com robôs. Os humanos já não precisam de fazer o trabalho sujo. Podemos mandar uns humanos mecanizados para tratar disso.
Existe outro material gravado além daquele que incluíram no disco homónimo?
N.: A compilação da Trogotronic inclui uma faixa e estámos a trabalhar num split de 7 polegadas com Secret Fun Club para ser lançado na Kaligrammofon, se tudo correr bem.
E em que ponto se encontrar o provável segundo album?
N.: O novo album está em desenvolvimento. A gravação já está concluída. Entrámos agora na fase de edição. Volta aos temas que são fundamentais para a visão dos Geronimo. Procura ser épico em termos de tom e execução.
F.: Nesta altura temos seis faixas. Cinco dessas ultrapassam os dez minutos, sendo que duas têm entre quinze e dezassete minutos. A sexta tem exactamente dois minutos.
Quais foram os contornos da colaboração de David Yow (Jesus Lizard) no disco? Enfrentaram em alguma altura a obrigação de encontrar vozes para os diferentes instrumentais do disco ou essa combinação ocorreu de outra maneira?
F.: O David Yow entrou no disco após ter-nos visto a tocar no Three of Clubs, em Los Angeles. Ele estava lá com o Skot de 400 Blows e apaixonou-se pela percussão do Moises (Ruiz). Após o concerto, abordou-me e disse:Grande concerto! Onde está o baterista?. Eu disse-lhe que o Moises estava no exterior. O Yow e o Moises conversaram então sobre música, os Swans e outras influências. O Yow tirou-nos as medidas instantaneamente! Algum tempo depois, o Moises ligou ao Yow a perguntar se queria fazer umas vozes no disco homónimo e ele aceitou rapidamente! O Yow veio até ao estúdio, escutou a faixa e soube imediatamente o que fazer. Gravou duas pistas de vozes e saiu. Os outros vocalistas foram cedidos pelos Harrassor, com quem andávamos a tocar regularmente.
Sabes se as bandas que usam aparelhos da Trogotronics costumam trocar dicas?
N.: Até agora, somos apenas contactados quando existem problemas ou ocorrências muito estranhas. Ainda não recebemos dicas e desconheço a existência de qualquer fórum dedicado a isso. Existem alguns entusiastas em Espanha que funcionam como um pequeno grupo de croché que organiza actuações temáticas a partir dos aparelhos da nossa humilde empresa…
Quais são as qualidades específicas oferecidas pela marca Trogotronics?
N.: Existem poucos aparelhos electrónicos que produzem sons verdadeiramente electrónicos. Muitos sistemas, tal como os tradicionalmente analógicos, encontram-se tão concentradas no detalhe da geração de som que acabam por ser fisicamente incómodos e difíceis de manipular. Outros cromos dos aparelhos digitais não procuram sons electrónicos, mas sim os de instrumentos tradicionais, e acabam por sofrer com a pouca naturalidade e presença estática dos mesmos. A Trogotronics concentra-se nos Analog Audio Artifacts que não podem ser reproduzidos por outros instrumentos. Procuramos os sons que os Barron (Louis e Bebe Barron) desenvolveram como pioneiros na década de 50. Existem por aí muitos aparelhos que produzem sons estranhos de brinquedos convalescidos e isso, mas poucos exemplares obtêm sons envolventes e únicos. Além disso, interessa-nos muito proporcionar um excelente interface, algo que muito tem faltado nos instrumentos de electrónica e nas várias tecnologias da era digital.
Recordas-te de quais foram as primeiras reacções do Justin Pearson em relação à vossa música?
N.: A lenda diz que o CD estava entre a habitual pilha de cenas de amigos e fãs em sua casa. O nosso amigo Skot passou lá a noite depois de um concerto de 400 Blows em San Diego. O Skot reparou no disco e passou a boa palavra. Tão boa que o Justin decidiu escutar o disco. Há algumas semanas ele disse que era o seu “disco favorito de todos os tempos”, o que é bom de ouvir de qualquer pessoa e ainda mais quando se trata de um músico como ele.
Sei que fizeram uma digressão especial pelo Japão. Encontras explicação para essa fome que determinado público japonês tem por música diferente? Quais foram os pontos altos dessa digressão?
N.: O próprio projecto foi criado tendo essa digressão como objectivo inicial. As composições “Firewater” e “Headdress” foram criadas com a digressão em mente e isso também corresponde à tua ideia da fome que o Japão tem por música diferente. O que me fascina no mais normal dos fãs japoneses, que apreciam música underground, é o conhecimento incrível que têm sobre todo o comprimento da onda. Talvez porque todas as culturas fora da ilha funcionam com línguas estrangeiras, existe um maior campo de exploração e uma mente aberta face a música internacional e artes em geral. É tão cliché como verdadeiro referir que o Japão é, na sua essência, um ponto de convergência que une uma cultura tradicional intensa, única e isolada, e os extremos da vanguarda. Isto explica também o avanço do seu sofisticado sentido de design, moda cosmopolita e artes.
Foi exigente a transposição deste disco para um formato de concerto?
Ruiz: Na verdade, foi o inverso que aconteceu: o concerto transformou-se no disco. É por isso que foi alinhado de forma tão directa. A partir daí, sucedeu-se algo imprevisível: à medida que diferentes partes da nossa performance foram moldadas para inserção no disco, surgiram novos elementos, inventámos novo equipamento e novas aplicações para o equipamento existente, e isso acabou por fazer parte do nosso som. A fé de que tal visão possa passar de sketch a realidade é talvez louvável para nós, enquanto produtores, e é certamente algo de que nos orgulhamos.
No que toca a actuações de Geronimo, achas que são particularmente cansativas quando comparadas com as das vossas bandas anteriores?
F.: Não me parecem mais cansativas, mas creio que temos procurado objectivos mais definidos para os concertos de Geronimo. É habitual dividirmos o cartaz com bandas que adoramos. Mas estamos todos tão ocupados que é impossível aceitar todos os convites. Temos famílias, colegas, empregos, e eu tenho uma dissertação por escrever. Isso mantém-nos muito ocupados. Se aceitássemos todos os convites, esgotávamo-nos por completo muito rapidamente.
Que memórias guardas dos tempos em que tocavas com Beck? Manténs-te a par do que faz actualmente?
R.: Eu conheci o Beck em 1992. Nessa altura, fui empregado para trabalhar como caixa da loja do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. O Beck foi empregado para as mesmas funções nesse mesmo dia! Lembro-me de andar com uma guitarra acústica escavacada e perguntei-lhe se tocava. O Beck tocou umas músicas folky para mim. Devo dizer que fiquei impressionado com a forma personalizada como manipulava uma música e as suas letras eram fantásticas. Costumávamos tocar no lugar onde morava na altura, Boyle Heights, uma zona a este da downtown de Los Angeles. Entretanto, o Beck tinha convidado outros dois amigos para tocar connosco. Acho que o Beck e o Steve escolheram Loser como nome para a banda. Os Loser eram um quarteto (bateria, guitarra, baixo e voz) e tocaram alguns concertos na área de Los Angeles. As canções eram muito cruas e pesadas. Eu andava a ouvir muito os Melvins durante esta temporada nos Loser - talvez por isso o meu estilo fosse semelhante ao do Dale Crover.
As influências do Beck eram muito ecléticas. Ele escutava Black Sabbath, Leonard Cohen, Mudhoney, Sonic Youth e Danzig! Diverti-me muito com essa banda. Chegámos mesmo a fazer uma digressão pelo Noroeste, passando por Seattle e Washington. E devo dizer que as pessoas mostravam interesse. Tudo isto durou um ano. O Beck decidiu então fazer a sua cena, gravou o Mellow Gold e o resto é história. “Loser” tornou-se um estrondoso êxito mundial. É curioso pensar que cheguei a tocar essa música em pequenos cafés, como duo de guitarra e bateria. Além disso, fui eu que lhe dei a tradução da frase Soy un perdedor. Agora não ligo muito ao que faz. Mas tenho uma cópia do Mellow Gold.
Ainda tenho muita curiosidade sobre os factos em torno de Brujeria. Lembro-me de entrar numa loja do México e perguntar se tinham um chapéu de Brujeria. O rapaz disse que não com uma seriedade que eu não esperava, como se insinuasse a gravidade de pronunciar esse nome na loja. Vim-me embora sem saber se me estava a dar baile. Tu, que tocaste com eles, sabes ao certo quão ameaçadora era a banda no México?
R.: Cheguei a tocar com o Fantasma, um dos membros desmascarados de Brujeria, noutra banda chamada Slowrider. Eu gostava muito de Brujeria. Gostava de como apavoravam as pessoas! Costumava vê-los a tocar com coletes de cabedal em festas nas traseiras de Los Angeles. A música e a sua natureza é brutal e frontal. Adoro isso neles. As fundações misteriosas levaram a que muitas pessoas e meios criassem uma visão distorcida da banda. No México, os Brujeria são vistos como heróis pela juventude de Tianguis Cultural del Chopo. Sim, muitas pessoas são atraídas por essa mística. São intrigantes pela forma como resistiram a um status quo. De resto, as pessoas e os fãs levam muito a sério o que expressam nas suas canções. Isso parece-te ameaçador? Eu acho que sim!
Miguel ArsénioNelson: O melhor aspecto do colectivo é a total confiança entre cada um dos membros. Com isto em mente, as composições evoluem orgânica e colaborativamente durante um longo período. Algumas faixas partem de um conceito abstracto, como é o caso da batida cardíaca na “Firewater” ou das baterias a go go na “Facepeeler”, mas conhecem inevitavelmente o contributo de todos. Em estúdio, durante a edição e pós-produção, o Michael Rozon passa a ser um quarto membro a todos os níveis, embora receba mais dinheiro que os restantes três.
Que referências de ficção-científica eram consensuais na banda, quando procuraram aquele ambiente de “mergulho no vazio; no espaço ninguém te ouve gritar”?
N.: Embora os trabalhos de Olaf Stapledon, o Star Rover de Jack London e o 2001 – Odisseia no Espaço de Kubrick sejam altamente influentes, assim como a ficção-cientifica mais negra, o projecto Geronimo procura contrastar uma noção de visão global, por mais ingénuo que isso pareça, estabelecendo-se num ecossistema neutro com ligações profundas com a herança milenar da América do Norte e a cultura bárbara do invasor Europeu. A arte do primeiro álbum debruçou-se num tema espacial como representação visual da colisão cultural entre as culturas indígenas e os Europeus, na sua forma mais vulgar, e demonstrando o painel de controlo de uma cápsula espacial Gemini como referência à herança Sleestak.
O facto dos Geronimo procurarem “contrastar uma noção de visão global” significa que o próximo álbum pode não estar sequer ligado a astronautas e ao espaço?
Francoso: Com os Geronimo, o contraste contínuo é extremamente importante. Usar um guerreiro indígena numa terra onde as suas raízes já foram esquecidas, relembrar atrocidades passadas quando esses actos já foram muitas vezes recuperados, diminuídos e desconsiderados. Usar astronautas para celebrar um tempo em que as nações indígenas eram capazes de ver o espaço, apesar de não conseguirem alcançá-lo. Os astronautas fazem parte dessa justaposição. Representam também uma homenagem à nossa banda anterior Sleestak. Mas também transporta imagens da próxima fronteira para um contexto de colonização. O espaço, a lua, os planetas, todos serão colonizados. E se existirem habitantes nesses, esperemos que não enfrentem o mesmo destino que os primeiros nativos das Américas. Consideremos a hipótese de ir além dos astronautas com robôs. Os humanos já não precisam de fazer o trabalho sujo. Podemos mandar uns humanos mecanizados para tratar disso.
Existe outro material gravado além daquele que incluíram no disco homónimo?
N.: A compilação da Trogotronic inclui uma faixa e estámos a trabalhar num split de 7 polegadas com Secret Fun Club para ser lançado na Kaligrammofon, se tudo correr bem.
E em que ponto se encontrar o provável segundo album?
N.: O novo album está em desenvolvimento. A gravação já está concluída. Entrámos agora na fase de edição. Volta aos temas que são fundamentais para a visão dos Geronimo. Procura ser épico em termos de tom e execução.
F.: Nesta altura temos seis faixas. Cinco dessas ultrapassam os dez minutos, sendo que duas têm entre quinze e dezassete minutos. A sexta tem exactamente dois minutos.
Quais foram os contornos da colaboração de David Yow (Jesus Lizard) no disco? Enfrentaram em alguma altura a obrigação de encontrar vozes para os diferentes instrumentais do disco ou essa combinação ocorreu de outra maneira?
F.: O David Yow entrou no disco após ter-nos visto a tocar no Three of Clubs, em Los Angeles. Ele estava lá com o Skot de 400 Blows e apaixonou-se pela percussão do Moises (Ruiz). Após o concerto, abordou-me e disse:Grande concerto! Onde está o baterista?. Eu disse-lhe que o Moises estava no exterior. O Yow e o Moises conversaram então sobre música, os Swans e outras influências. O Yow tirou-nos as medidas instantaneamente! Algum tempo depois, o Moises ligou ao Yow a perguntar se queria fazer umas vozes no disco homónimo e ele aceitou rapidamente! O Yow veio até ao estúdio, escutou a faixa e soube imediatamente o que fazer. Gravou duas pistas de vozes e saiu. Os outros vocalistas foram cedidos pelos Harrassor, com quem andávamos a tocar regularmente.
Sabes se as bandas que usam aparelhos da Trogotronics costumam trocar dicas?
N.: Até agora, somos apenas contactados quando existem problemas ou ocorrências muito estranhas. Ainda não recebemos dicas e desconheço a existência de qualquer fórum dedicado a isso. Existem alguns entusiastas em Espanha que funcionam como um pequeno grupo de croché que organiza actuações temáticas a partir dos aparelhos da nossa humilde empresa…
Quais são as qualidades específicas oferecidas pela marca Trogotronics?
N.: Existem poucos aparelhos electrónicos que produzem sons verdadeiramente electrónicos. Muitos sistemas, tal como os tradicionalmente analógicos, encontram-se tão concentradas no detalhe da geração de som que acabam por ser fisicamente incómodos e difíceis de manipular. Outros cromos dos aparelhos digitais não procuram sons electrónicos, mas sim os de instrumentos tradicionais, e acabam por sofrer com a pouca naturalidade e presença estática dos mesmos. A Trogotronics concentra-se nos Analog Audio Artifacts que não podem ser reproduzidos por outros instrumentos. Procuramos os sons que os Barron (Louis e Bebe Barron) desenvolveram como pioneiros na década de 50. Existem por aí muitos aparelhos que produzem sons estranhos de brinquedos convalescidos e isso, mas poucos exemplares obtêm sons envolventes e únicos. Além disso, interessa-nos muito proporcionar um excelente interface, algo que muito tem faltado nos instrumentos de electrónica e nas várias tecnologias da era digital.
Recordas-te de quais foram as primeiras reacções do Justin Pearson em relação à vossa música?
N.: A lenda diz que o CD estava entre a habitual pilha de cenas de amigos e fãs em sua casa. O nosso amigo Skot passou lá a noite depois de um concerto de 400 Blows em San Diego. O Skot reparou no disco e passou a boa palavra. Tão boa que o Justin decidiu escutar o disco. Há algumas semanas ele disse que era o seu “disco favorito de todos os tempos”, o que é bom de ouvir de qualquer pessoa e ainda mais quando se trata de um músico como ele.
Sei que fizeram uma digressão especial pelo Japão. Encontras explicação para essa fome que determinado público japonês tem por música diferente? Quais foram os pontos altos dessa digressão?
N.: O próprio projecto foi criado tendo essa digressão como objectivo inicial. As composições “Firewater” e “Headdress” foram criadas com a digressão em mente e isso também corresponde à tua ideia da fome que o Japão tem por música diferente. O que me fascina no mais normal dos fãs japoneses, que apreciam música underground, é o conhecimento incrível que têm sobre todo o comprimento da onda. Talvez porque todas as culturas fora da ilha funcionam com línguas estrangeiras, existe um maior campo de exploração e uma mente aberta face a música internacional e artes em geral. É tão cliché como verdadeiro referir que o Japão é, na sua essência, um ponto de convergência que une uma cultura tradicional intensa, única e isolada, e os extremos da vanguarda. Isto explica também o avanço do seu sofisticado sentido de design, moda cosmopolita e artes.
Foi exigente a transposição deste disco para um formato de concerto?
Ruiz: Na verdade, foi o inverso que aconteceu: o concerto transformou-se no disco. É por isso que foi alinhado de forma tão directa. A partir daí, sucedeu-se algo imprevisível: à medida que diferentes partes da nossa performance foram moldadas para inserção no disco, surgiram novos elementos, inventámos novo equipamento e novas aplicações para o equipamento existente, e isso acabou por fazer parte do nosso som. A fé de que tal visão possa passar de sketch a realidade é talvez louvável para nós, enquanto produtores, e é certamente algo de que nos orgulhamos.
No que toca a actuações de Geronimo, achas que são particularmente cansativas quando comparadas com as das vossas bandas anteriores?
F.: Não me parecem mais cansativas, mas creio que temos procurado objectivos mais definidos para os concertos de Geronimo. É habitual dividirmos o cartaz com bandas que adoramos. Mas estamos todos tão ocupados que é impossível aceitar todos os convites. Temos famílias, colegas, empregos, e eu tenho uma dissertação por escrever. Isso mantém-nos muito ocupados. Se aceitássemos todos os convites, esgotávamo-nos por completo muito rapidamente.
Que memórias guardas dos tempos em que tocavas com Beck? Manténs-te a par do que faz actualmente?
R.: Eu conheci o Beck em 1992. Nessa altura, fui empregado para trabalhar como caixa da loja do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. O Beck foi empregado para as mesmas funções nesse mesmo dia! Lembro-me de andar com uma guitarra acústica escavacada e perguntei-lhe se tocava. O Beck tocou umas músicas folky para mim. Devo dizer que fiquei impressionado com a forma personalizada como manipulava uma música e as suas letras eram fantásticas. Costumávamos tocar no lugar onde morava na altura, Boyle Heights, uma zona a este da downtown de Los Angeles. Entretanto, o Beck tinha convidado outros dois amigos para tocar connosco. Acho que o Beck e o Steve escolheram Loser como nome para a banda. Os Loser eram um quarteto (bateria, guitarra, baixo e voz) e tocaram alguns concertos na área de Los Angeles. As canções eram muito cruas e pesadas. Eu andava a ouvir muito os Melvins durante esta temporada nos Loser - talvez por isso o meu estilo fosse semelhante ao do Dale Crover.
As influências do Beck eram muito ecléticas. Ele escutava Black Sabbath, Leonard Cohen, Mudhoney, Sonic Youth e Danzig! Diverti-me muito com essa banda. Chegámos mesmo a fazer uma digressão pelo Noroeste, passando por Seattle e Washington. E devo dizer que as pessoas mostravam interesse. Tudo isto durou um ano. O Beck decidiu então fazer a sua cena, gravou o Mellow Gold e o resto é história. “Loser” tornou-se um estrondoso êxito mundial. É curioso pensar que cheguei a tocar essa música em pequenos cafés, como duo de guitarra e bateria. Além disso, fui eu que lhe dei a tradução da frase Soy un perdedor. Agora não ligo muito ao que faz. Mas tenho uma cópia do Mellow Gold.
Ainda tenho muita curiosidade sobre os factos em torno de Brujeria. Lembro-me de entrar numa loja do México e perguntar se tinham um chapéu de Brujeria. O rapaz disse que não com uma seriedade que eu não esperava, como se insinuasse a gravidade de pronunciar esse nome na loja. Vim-me embora sem saber se me estava a dar baile. Tu, que tocaste com eles, sabes ao certo quão ameaçadora era a banda no México?
R.: Cheguei a tocar com o Fantasma, um dos membros desmascarados de Brujeria, noutra banda chamada Slowrider. Eu gostava muito de Brujeria. Gostava de como apavoravam as pessoas! Costumava vê-los a tocar com coletes de cabedal em festas nas traseiras de Los Angeles. A música e a sua natureza é brutal e frontal. Adoro isso neles. As fundações misteriosas levaram a que muitas pessoas e meios criassem uma visão distorcida da banda. No México, os Brujeria são vistos como heróis pela juventude de Tianguis Cultural del Chopo. Sim, muitas pessoas são atraídas por essa mística. São intrigantes pela forma como resistiram a um status quo. De resto, as pessoas e os fãs levam muito a sério o que expressam nas suas canções. Isso parece-te ameaçador? Eu acho que sim!
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