ENTREVISTAS
Nite Jewel
Lounge
· 04 Set 2009 · 10:23 ·
Podia ser num filme de David Lynch. Ramona Gonzalez aparecia lá ao fundo num palco pequeno, em regime quase karaoke, com uma versão inspirada de "Lover" dos Roxy Music para uma sala meia cheia, meia vazia - um lounge qualquer. É uma ideia quase romântica que Ramona Gonzalez, mais por conhecida por Nite Jewel, parece querer alimentar: um certo apetite por uma pop perdida e apagada pelo tempo (lá pelos anos 70/80), recuperada com novas roupas e artifícios. Mas não demasiados, não fosse o trabalho de Nite Jewel tão lo fi e próprio.

Good Evening, disco de estreia da aventura Nite Jewel, é um conjunto de canções apanhadas numa viagem pelo tempo, quase como se tivessem sido escritas noutras décadas e só tivessem ganho vida hoje e à realidade dos dias que correm. A cronologia não é algo se se possa apontar a Nite Jewel; não seria justo. Mais vale dizer que isto é música de dança para quem não gosta muito de dançar; perdida entre as décadas da pop. Ramona Gonzalez concordaria com certeza, pelo menos a ver pela forma como encara o seu próprio trabalho e esta década da música em particular. Esta é uma boa oportunidade para perceber o que lhe vai na cabeça.
Uma das descrições mais curiosas da tua música que li foi uma que dizia que faziam “música de dança para pessoas que não gostam de dançar”. Acham que isto é verdade?

Podia ser verdade. Tenho alguns amigos que gostam de dançar que dançariam com a minha música, mas não considero necessariamente a minha música “música de dança”. Depois há as pessoas que categorizam a minha música como “música de dança”, mas odeiam dançar. Depois há as pessoas que gostam de dançar mas não gostam da minha música. Eu própria, gosto de dançar música que é praticamente considerada como música não dançável e gosto de dançar música disco dos anos 70. Por isso não tenho a certeza de como responder a essa questão agora…

Vives em Los Angeles rodeada de gente como o Ariel Pink, Geneva Jacuzzi, Supercreep e Julia Holter. LA é tão criativa e interessante como a música que vem daí?

Os artistas que mencionas e que fazem parte da Human Ear fazem música que é muito interessante e são bastante criativos. Não diria que isso faz com que toda a cidade de Los Angeles seja criativa e interessante, mas existem certos bolsos que sim. Existem outros grupos que se relacionam com a Human Ear que fazem de LA um sítio mais interessante: Stones Throw, Dublab, The Smell, Gallery 1830, Part Time Punks, Club Ding-a-Ling, etc. Esta teia é capaz de estimular alguma arte genial, é verdade.


E porque é que achas que Los Angeles tem esta capacidade de criar mitos e de, de certa forma, gerar uma aura de mistério em redor de alguns artistas?

Esta questão metafísica é interessante. Eu acredito que a própria cidade de Los Angeles, ela mesma, é um mito e que qualquer artista que consiga compreender esse mito (de forma exacta ou não exacta) de forma múltipla, pode injectar isso no seu trabalho, tornando-se assim parte desse mito. O problema com Nova Iorque é que o seu mito morreu. Felizmente o mito de Los Angeles é imortal por causa das operações plásticas e criogenia.

O que é que nos podes contar acerca do álbum Good Evening? Acerca do processo criativo, dos instrumentos e máquinas que usas e se te satisfaz completamente…

Quando comecei a gravar o disco tinha comprado algumas coisas com o dinheiro da minha bolsa de estudo: uma Juno 60, uma SP404, um microfone SM57 e uma Elka OMB5. Eu tinha arranjado um gravador cassete de oito pistas Tascam 238 como prenda de um amigo. Tinha acabado de entrar num semestre na minha nova universidade e andava a passar muito tempo sozinha a estudar e procrastinava gravando diferentes faixas de ambiente em camadas, utilizando a bateria da Elka. A certa altura fez sentido cantar por cima dessas canções. Depois comecei a mostrar essas canções ao Cole e ele encontrava samples de bateria para fazer loop por cima das faixas para lhes dar um toque diferente da Elka, que era bastante limitada sonicamente. Mas, apenas para enfatizar, nunca houve um pensamento na minha cabeça que algumas destas canções viria a tornar-se num disco até o Jason Grier da Human Ear ter tido a ideia.

A produção lo-fi do disco, é então uma escolha natural ou apenas produto das contingências? Achas que o lo-fi é cada vez mais valioso numa altura em que por vezes muitos produtores são mais importantes e preponderantes na música do que os próprios músicos?

Bem, no caso do Good Evening, não tinha outro aparelho de gravação para além do 8 pistas Tascam. E nem sequer foi opção minha comprar o oito pistas, foi um presente. Hoje em dia, com as minhas novas canções, eu faria uma escolha, ou seja, não soar ao Logic ou Pro Tools ou ao Reason. Não soar a um plug-in ou a um corta e cola óbvio. É apenas uma questão de gosto. Claro que posso entrar em cenas como o IDM e gostar realmente delas, mas isso não é pura e simplesmente algo que eu faria pessoalmente. Pelo menos não enquanto não encontrasse uma forma de ser expressiva com esses programas. Mas neste momento esses programas controlam-me mais a mim do que eu a eles.

Tal como o Ariel Pink, tu exploras a música pop e brincas de certa forma com as suas regras e formas e depois regressas com a tua visão própria de uma certa pop clássica de outras décadas. Sentes-te aborrecida com a música pop dos dias de hoje?

[risos] Aborrecida! Totalmente. Nunca pensei em dizer isto, já que fui fã de pop mainstream toda a minha vida, mas agora começo a sentir-me extremamente ressentida com os produtores hoje que tomam as escolhas mais simplistas e aborrecidas. Eu acho o auto-tune profundamente irritante. Ao mesmo tempo, acho que houve êxitos no mundo do rap dos 2000s que foram revolucionários. Adorei os êxitos que vieram dos Three 6 Mafia e Nelly e Juelz Santana, mas o R&B e a música pop estão seriamente fodidas.

Sei que gostas por exemplo de Lisa Lisa & Cult Jam e Debbie Deb, para dizer alguns. O que é que gostas especificamente nestes dois exemplos?

Eu gosto de Lisa Lisa e Debbie Deb. Essa ligação de que falas foi algo escrito pelo Jason Grier da Human Ear na minha biografia. Por isso na verdade é a ligação dele, não a minha. Gosto desses artistas, mas sinto-me ainda mais fascinada pelo freestyle mais underground que vinha de Nova Iorque naquela altura.


Para além do Ariel Pink e de outros artistas de Los Angeles, com quem achas que partilhas sensibilidades musicais? O que é que dirias, por exemplo, dos Animal Collective, Beach House ou,digamos, Lily Allen?

Eu não ouço Animal Collective, Beach House ou Lily Allen. Se ouvi as canções de algum deles foi de forma semi acidental ou através de alguém que me mostrou como pedagogia. Alguns artistas que eu ouço da actualidade… The Samps, Woo, Tickley Feather, Ariel Pink, Julia Holter, Dam Funk, Pearl Harbour, Gudrun Gut, Iasos, Grouper, Girls, Holy Shit! e alguns outros.

E agora em relação ao apelidado hypnagogic pop, utilizado para descrever artistas como James Ferraro, Ariel Pink, Ducktails, Emeralds, etc. Achas que Nite Jewel é “elegível” para entrar nesse grupo? Ou não podias ser mais indiferente a essas coisas?

Sinceramente é-me absolutamente indiferente. Quanto mais longe eu estiver de qualquer grupo, mais tempo mantenho a minha dignidade.

Mas tentas estar actualizada em relação às criticas e opiniões sobre o trabalho de Nite Jewel? Ou preferes não te envolver nesses territórios?

Mantenho-me a par das críticas ao Good Evening até um certo ponto. Acho que a melhor crítica está no Allmusicguide. Apesar de o escrito ser severamente antiquado, consegue a mais precisa e inspirada da história. Muitas vezes, a imprensa é-me enviada por isso chego a lê-la, e muita dela é bastante vulgar. Aborrecida, na verdade.

Quanto tempo da tua vida dedicaste a promover a tua música, Nite Jewel? Ou as coisas aconteceram por elas próprias e com a ajuda preciosa do myspace, youtube e outras tecnologias recentes?

Sinceramente não fiz nada. Algumas pessoas ajudaram-me. Apenas dei uma data de concertos respondi a muitas perguntas. Agora tenho mais responsabilidades, mas é tudo muito minimal na maior parte das vezes. Não vale a pena empurrar algo que não precisa de ser empurrado.

Quais são as tuas expectativas para a curta digressão por Portugal em Setembro? Alguma vez tens tempo para conhecer os países e as cidades onde tocas?

Nunca estive em Portugal mas o meu marido esteve aí há pouco tempo com os Haunted Graffiti e disse que tinha sido absolutamente divino. Por isso estou bastante curiosa. Acho que poderemos vir a ter um dia de folga aí por isso talvez tenha tempo para ir ver alguma coisa de Lisboa. Espero passar um bom bocado por lá.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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