ENTREVISTAS
aTelecine
O noise é o novo orgasmo
· 29 Jun 2009 · 14:20 ·
Sasha Grey é Sasha Grey. Estrela porno, figura central do novo filme de Steven Soderbergh, The Girlfriend Experience, e noise rocker ao lado de Pablo St. Francis na dupla aTelecine. Há um EP para trás e um disco prometido para um futuro breve mas há sobretudo em Sasha Grey alguém disposto a concretizar fantasias em todas as frentes. Ela que tem uma visão algo sarcástica sobre o XXX actual e o mundo em geral, é profunda conhecedora da cultura pop e de alguma da melhor música feita nas últimas décadas e quis agora filtrar esse conhecimento através do veículo aTelecine.

O noise foi a arma escolhida, por encerrar algum do seu pessimismo e desejo de libertação, por permitir a Sasha Grey expulsar um quinhão importante do seu ódio pelo preconceito e ignorância. Grey não quer ser apenas mais uma estrela porno; quer reclamar o direito do XXX para viver para além do XXX. Em entrevista ao Bodyspace, Sasha Grey, que colaborou recentemente com David Tibet (dos Current 93), não se coibiu de desmistificar a imagem típica das estrelas porno e de contar a sua história. Esta é a história de Sasha Grey.
Li algures que tocas música desde que eras muito jovem, desde os tempos da tua adolescência. Podes contar-nos de que forma começaste a fazer música e os vários passos que deste nesse sentido até aos dias de hoje?

Comecei a ter aulas de guitarra quando tinha treze anos e desisti seis meses depois. Era muito duro para mim gostar de aprender a música de outras pessoas e infelizmente o professor que eu tinha não era propriamente aberto a tentar diferentes métodos. A partir de aí, toquei de forma algo intermitente nos anos que se seguiram e em 2005 decidi que gravaria algum material com o meu amigo Pablo.

Tanto quanto sei retiras inspiração de artistas como a Cosey Fanni Tutti dos Throbbing Gristle e o David Tibet dos Current 93. O que é que na música deles fez com que os tivesses como, digamos, modelos a seguir? No teu myspace mencionas uma quantidade enorme de músicos e géneros musicais…

A maior parte dos artistas que eu admiro são indivíduos tão fortes e não seguem qualquer fórmula que seja, não podia dizer apenas uma coisa acerca destas pessoas que me inspiram, seria disparatado tentar definir a inspiração sem não incluir alguma coisa.


Como é que os aTelecine começaram como banda, como projecto? Como é que tu e o Pablo se conheceram e o que é que vos fez trabalhar juntos?

O Pablo e eu conhecemo-nos num clube de striptease com mau aspecto, ele veio ter comigo porque gostou da minha t-shirt dos Sisters of Mercy. Os aTelecine começaram como uma forma de nos divertirmos apenas, sem tom nem som. Partilhávamos um gosto muito similar no que diz respeito à música e por isso pensamos que poderíamos trabalhar muito bem juntos.

Lançaste o 7’’ AVigillant Carpark com o selo Pendu Sound Recordings não há muito tempo, um disco que tu própria descreveste como “experimental death dub orgasm kind of project”.

Isso está correctíssimo.

Neste disco, que descreveste assim, como foi o trabalho com o Pablo St. Francis? Como é que trabalharam em conjunto? Quão democrático e livre é o vosso trabalho?

Bem, o álbum compreendia material de 2005 a 2007, nunca tivemos a intenção de lançar álbuns, singles, etc., mas por diversão criamos um myspace sem dizer às pessoas que eu estava na banda… Para ver que tipo de atenção iria recolher. Depois de algumas centenas de pessoas terem começado a gostar da música, começamos a procurar por uma pequena editora que estivesse interessada em lançar um EP. Foi muito difícil ter o material final todo junto, porque temos decisão igual no que toca à forma como se transforma a mistura de toda e qualquer canção, e com o meu horário agitado tornou-se por vezes bastante difícil terminar esse trabalho.

Para ti, a música noise é uma espécie de expressão de decepção ou pessimismo? Ou, pelo contrário, uma expressão de sensualidade e humanidade?

É tudo e nada, e tudo o que mencionaste.


Contribuíste com a tua voz no disco de 2008 do lendário Lee "Scratch" Perry, intitulado Repentance, na faixa "Pum Pum" e agora colaboraste com os Current 93 no último disco que lançaram. Como é que foi essa experiência? Achas que estas colaborações trazem novos conhecimentos e riqueza à tua existência musical?

As faixas para a "Pum Pum" foram gravadas de forma bastante simples, e entreguei-as ao Andrew W.K. que produziu o álbum. Gravei as faixas para o David Tibet (dos Current 93) no meu quarto de hotel no meu dia de folga enquanto filmava o The Girlfriend Experience. Estava incrivelmente nervosa, porque tinha muito pouco tempo para gravar e enviar as vozes mas estou muito contente com a forma como tudo resultou.

Tens uma longa carreira como actriz em filmes para adultos e agora entras no novo filme do Steven Soderbergh, como já referiste, intitulado The Girlfriend Experience. Levas a tua experiência na música para os filmes e os filmes para a tua actividade musical ou gostas de manter essas duas frentes devidamente separadas? Ou é de facto impossível não misturá-las, separar as águas?

Não é impossível, mas não vejo nenhuma razão para separá-las conscientemente. São, ambas, formas tão preenchedoras de me expressar a mim mesma, e eu diria que o que mais sobressai em mim é eu não ter medo. É eu estar confortável em fazer uma figura idiota de mim própria para ver os resultados que posso obter, a liberdade de te expressares sem medo é o melhor sentimento.


Algumas pensas em deixar os filmes e o cinema para trás e focar-te apenas e intensamente na tua música? Achas que isso algum dia irá acontecer ou sentes que és demasiado jovem para ter de fazer essas opções agora?

Acho que não, gosto de poder fazer muitas coisas ao mesmo tempo, porque as minhas criações são um grande melting pot e até eu estar cansada de alguma coisa não vejo motivo para deixar alguma coisa para trás.

Li um artigo no site da Vice acerca de aTelecine que deu origem a alguns comentários menos agradáveis de alguns utilizadores. Tens de certa forma medo que a tua experiência nos filmes adultos prejudique a tua actividade na música? Estás a lutar contra estes estereótipos?

Honestamente estou-me a cagar, é normalmente o mesmo grupo de pessoas a dizer o mesmo lixo idiota. Ou gostas ou não gostas; mas no que diz respeito a combater estereótipos, eu sinto sempre que estou a combater estereótipos e isso vem com o território. Algumas pessoas querem simplesmente que as estrelas porno sejam estrelas porno, não querem ouvir-nos falar, pensar, ou ter uma opinião e é tempo de nós nos mantermos todos firmes para rejeitar o status quo da estrela porno cliché.

Estás activa neste momento em várias e distintas frentes, sobretudo no cinema e na música. Existe muita Sasha Grey dentro de ti ou apenas uma que deseja explorar tantos ângulos quantos possíveis?

Eu sou quem sou, quero viver a vida ao máximo e trabalhar no duro enquanto sou jovem.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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