ENTREVISTAS
Old Jerusalem
A espuma dos dias
· 04 Mai 2009 · 23:28 ·
Já há muito que passou a fase de promessa para ser uma das maiores certezas da música portuguesa. Canta em inglês, mas isso não o impede felizmente de ser um dos melhores escritores de canções que pisam diariamente território luso. Old Jerusalem é Francisco Silva - para quem possa ainda não saber - e leva já quatro discos de um bom gosto assinalável; mais, admirável. Two Birds Blessing é mais um disco de peito cheio, de canções com peso e medida - com alguns dos melhores textos que por aí andam. Sem ser uma revolução na discografia do músico portuense, Two Birds Blessing introduz pequenas e minuciosas mudanças que dão - a ele e a nós - novo alento para continuar esta aventura. Em entrevista, Francisco Silva partilha com o Bodyspace mitos urbanos, pensamentos vários e as suas impressões sobre Two Birds Blessing e outros tópicos na agenda do dia.
Este novo Two Birds Blessing parece um disco mais livre e solto do que qualquer outro; parece ser um disco muito espontâneo, escrito de forma desprendida. É assim que sentes este disco?

Penso que essa sensação terá que ver com o facto de haver uma participação mais efectiva de cada músico na construção do som de cada canção. O resultado final é, para mim pelo menos, efectivamente mais espontâneo e de alguma forma mais leve.

A escolha pelo reverb neste disco é notória. Querias pintar uma paisagem mais horizontal e imediata?

Não propriamente, pelos menos nesses termos. Houve uma decisão consciente de usar o reverb de forma mais evidente neste disco, mas pura e simplesmente porque me pareceu que o ambiente criado pelo efeito seria apropriado a estas canções. Também porque nos dias de hoje os discos de singer-songwriters tendem a adoptar um som seco e directo, eventualmente para chegar a um resultado que soe íntimo e confessional; queríamos afastar-nos um pouco dessa tendência, para experimentar dar uma certa frescura ao disco.

O processo que levou a este disco, foi diferente dos outros em alguma circunstância? Sei que envolveu músicos da Escola Profissional de Música de Viana do Castelo. Como foi a experiência?

Em termos de processo, este disco não foi gravado de forma muito diferente dos anteriores: à medida que os temas se iam desenvolvendo e que íamos tomando decisões quanto à instrumentação necessária para cada canção, íamos contactando músicos para gravarem as partes necessárias. O facto de alguns deles estarem ligados à escola de música de Viana foi um acaso, não o fruto de qualquer colaboração formal com a instituição. A meu ver, foi o processo de gravação e colaboração com os músicos que gravaram os instrumentos base do disco que sofreram maiores variações em relação ao método adoptado nos álbuns anteriores.

Concordas se eu dissesse que este disco soa mais americano do que qualquer outro disco que lançaste até hoje?

Não saberia dizê-lo, talvez a sonoridade geral se aproxime mais da dos álbuns americanos, sim. No entanto, penso que por tendência todos os meus discos têm uma maior inclinação para uma forma “americana” de trabalhar o som do que para uma forma “britânica” de o fazer, reduzindo as coisas ao núcleo duro anglo-saxónico que prevalece ainda no meio pop-rock.

Mark Kozelek e Bill Calahan continuam a ser referências para ti? No entanto, não deixas de marcar presença, por exemplo, num concerto dos Earth…

Sim, esses e outros continuam a ser referências para mim e continuo a seguir com interesse o trabalho que desenvolvem. Isso não implica, obviamente, que os meus interesses musicais se cinjam em exclusivo a um género de música.

Surpreendeu certamente muita gente esta tua mudança para a Rastilho. O que é que nos podes contar acerca deste lançamento, o primeiro fora da Borland?

A mudança para a Rastilho foi motivada por questões “de agenda”, digamos assim, não por ter havido qualquer desentendimento com a Bor Land. Claro que já conhecia o trabalho da Rastilho e sempre me pareceu ser bem desenvolvido, pelo que, quando acordámos, a Bor Land e eu, que para este álbum talvez fosse melhor procurar outras alternativas de edição, e quando a Rastilho manifestou interesse no álbum, acabou por não ser difícil chegar a um acordo e avançar com o trabalho.


Desde o início, tens sido descrito como uma pessoa reservada mas, conhecendo-te como conheço, isso não corresponde muito à verdade. Achas que as pessoas têm tendência a confundir a persona musical com a pessoa por detrás disso?

Não me vejo como uma pessoa reservada, embora tampouco me veja como o contrário disso. Talvez o tipo de canções que escrevo leve algumas pessoas a projectar em mim uma certa placidez de temperamento que na verdade não é uma característica que tenha a todo o tempo, mas não me parece que isso influencie de forma decisiva a apreciação que possam fazer quer de mim como pessoa, quer da música que escrevo.

Sentes que tens de lutar todos os dias contra essa personagem que criaram a partir de ti e da tua música?

Não, só em alguns (poucos) momentos se levantam esse género de questões “identitárias”, não é algo que faça parte do meu quotidiano.

Pelo que sei, este disco terá uma distribuição na Alemanha. Está prevista uma aposta mais forte na internacionalização? Achas que já está na altura de te ouvirem mais fora de Portugal e que este país talvez seja demasiado pequeno para a tua música?

Não estou certo de que o disco venha a ter distribuição propriamente dita na Alemanha, o que sim vai acontecer é uma “experiência” inicial de promoção nesse país, aproveitando o relacionamento comercial que a Rastilho mantém com a Cargo nesse território. Eu tenho todo o interesse em investir na promoção da minha música no exterior, como é natural, e dentro do possível gostaria e tentarei intensificar os esforços nesse sentido. É claro que os obstáculos são imensos e as probabilidades de sucesso, mesmo de um sucesso moderado, são baixas, mas a alternativa é não o tentar de forma nenhuma, o que me parece bastante mais desinteressante...

Escreves música regularmente ou apenas compões quando entrar num ciclo de criação e preparação para um novo disco? Há coisas do dia-a-dia que te fazem escrever uma canção, pequenos momentos em que descobres uma canção do nada?

Tenho ciclos de maior regularidade na escrita que combinam com outros de escrita mais fragmentada. Nunca escrevo especificamente para preparar um disco, isso não. Normalmente as pequenas coisas que se transformam em canções surgem de forma relativamente inesperada, e em geral com um lag temporal considerável em relação aos acontecimentos de facto. O tipo de coisas que acabam por resultar em canções é inumerável, praticamente tudo tem algum potencial nesse aspecto.

A tua relação com a música que fazes hoje em dia em que nível está? Sabemos que não fazes da música exclusivamente a tua vida; algum dia pensas apostar unicamente na música como forma de vida?

Hoje em dia diria que a minha relação com a música que escrevo é bastante mais pacífica do que já foi e convivo de forma mais “saudável”, por assim dizer, com o que faço. Não quer isso dizer que me sinta plenamente confortável e satisfeito com os resultados do trabalho que desenvolvo nas canções, longe disso, mas os níveis de frustração e recompensa que tiro do acto de escrever, gravar e tocar música são bastante mais equilibrados, talvez até “maduros”. Gostaria bastante de em algum momento ser capaz de tirar rendimento suficiente da actividade musical para dedicar uns 5 anos da minha vida a fazê-lo exclusivamente. Não antevejo que isso venha a acontecer no futuro próximo, no entanto.

Ouvi dizer que já terás em mente um quinto disco. Vais-te obrigar a ti mesmo a mudar alguma coisa de novo? Vês-te a chegar ao 10º disco enquanto Old Jerusalem?

Sempre gostei de músicos com carreiras longas, pelo que me veria perfeitamente a chegar a um 10º disco de Old Jerusalem, caso ainda fizesse sentido. De entre as canções que fui e vou escrevendo já fui compilando algum do material que poderá vir a tornar-se no próximo disco de Old Jerusalem, mas ainda não pensei muito na forma de o concretizar ou em como o pretendo fazer. Mas ainda é cedo para isso.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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