ENTREVISTAS
Matt Elliott
Canções de amor e medo
· 09 Mar 2009 · 19:59 ·
Ele é um dos piores pesadelos de quem quer ter uma vida sossegada e fácil. A música Matt Elliott não é para dias de sol ou pessoas demasiadamente felizes. É para quem aprecia, ainda que de forma distanciada, o lado negro da vida e das vivências. O que é cru e o que é real. Fundador dos Third Eye Foundation, Matt Elliott tem em Howling Songs mais um espelho da sua alma, centrifugação das suas músicas favoritas. Talvez tenha sido nesta entrevista que Matt Elliott descobriu que é de certa forma permeável às músicas que ouve; e ainda bem que o é. Porque o último registo do britânico é uma manta de retalhos de músicas distintas que fazem um todo, como sempre, apreciável. Em entrevista, que precede o seu regresso a Portugal a 12 de Março n' O Meu Mercedes, no Porto, e no dia seguinte na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, Matt Elliott abre o jogo em relação aos temas mais importantes que rodeiam o seu trabalho. Como uma viagem à sua alma, vá lá.
A tua música está a tornar-se cada vez mais negra de dia para dia. É uma escolha autobiográfica, uma opção pessoal ou sentes-te simplesmente confortável enquanto exploras as regiões mais escuras do cérebro e dos seres humanos?

Bem, é muito difícil dizê-lo. Eu apenas escrevo aquilo que me sai. Se dizes que é negro eu acredito que sim mas para mim é sempre a mesma merda.

Então vou colocar a questão de outra forma. É fácil para ti escrever sobre a condição humana? É algo que fazes de forma consciente ou de alguma maneira como uma autodefesa?

Bem, é um dos aspectos mais interessantes da existência humana, mas, para mim, contém todos os aspectos do viver, amor, dor, perda, arrependimento, etc, etc, etc, assim como o significado mais profundo da existência porque para mim tudo está interrelacionado e apenas podes aprender acerca disto se experimentar realmente estas partes da humanidade o que pode ser doloroso ou destrutivo para aqueles que te rodeiam. Mas para mim a grande arte sempre lidou com os aspectos mais profundos da vida.


No que diz respeito a Third Eye Foundation, o que é que exploras hoje em dia no teu trabalho a solo que aprendeste nessas Alturas, nesse processo? Ou este trabalho a solo é uma distanciação completa desses tempos?

Bem, eu a solo trabalho de uma forma completamente diferente do que com Third Eye Foundation, mas penso gravar de novo enquanto Third Eye Foundation porque aprecio verdadeiramente alguns dos aspectos desse projecto. Mas vamos ver o que acontece; tendo a não planear demasiado as coisas porque o destino tem uma forma de mudar os teus planos.

Imaginas-te a co-escrever estas canções com outra pessoa. Quero dizer, isto que fazes é demasiado privado para estares a partilhar a sua concepção com outras almas?

Nem por isso, com o Howling Songs envolvi mais pessoas no processo do que nunca e fico contente por tê-lo feito porque eles são todos óptimos e inventivos e dou-lhes verdadeiramente mão livre por isso em alguns aspectos é uma colaboração, mas eu tenho sempre a última palavra. Mas se eu trabalho com outros eu estou em efeito sob a direcção deles e eu prefiro ou desta forma ou comigo nos comandos. Se colaboras há normalmente uma espécie de luta mas vamos ver, tudo pode acontecer e talvez eu venha a aprender muito com uma verdadeira colaboração…

Este teu novo disco, Hawling Songs, sente-lo de uma forma distinta dos outros discos que lançaste a solo? Achas que este disco é mais intenso ou explosivo que os dois anteriores?

Bem, o disco foi gravado e misturado num estúdio o que já lhe dá por si uma atmosfera diferente e muito do disco foi espontâneo o que, de novo, dá-lhe um ângulo ligeiramente diferente. Gostei mesmo muito de trabalhar neste disco mesmo que tenha sido às vezes muito intenso mas acho que encontrei a chave para fazer discos; é mudar a forma como os fazes de cada vez, isso traz novas perspectivas e torna tudo muito mais interessante e até divertido.

Acho que este teu novo disco é mais permeável a outros géneros de música, mais aberto a outras experiências, por vezes parece uma espécie de viagem pela Europa e pelos seus sons, com paragens na Rússia, na Espanha e até na Itália. Concordas com esta visão?

Bem, de novo, é difícil para mim apontar directamente as minhas influências. Nos últimos anos tentei ver tanta música folk no seu habitat natural, que é a melhor maneira de a ver e tentar compreendê-la. No ano que passou vi tanto em Lisboa como em Coimbra fado no seu cenário respectivo, alguma rembetika na Grécia por isso talvez isto me torne mais permeável do que eu imagino. Na verdade, a minha influência primária nestes anos recentes tem sido a guitarrista Filomena Moretti, uma guitarrista clássica que me inspirou a aprender mesmo a tocar guitarra e a insistir comigo mesmo e a ouvir mais e mais música clássica, mas muito disso tem as suas raízes na música folk europeia por isso…

Quais são os teus compositores favoritos, os teus escritores de canções de referencia? Consegues fazer essa análise? Permites-te a ti mesmo ser directamente influenciado por alguém ou tentas isolar-te sempre que partes para a escrita de música?

Tento não me deixar influenciar o mais possível e é por isso que quando estou a compor ouço muito raramente música e a música que ouço como eu disse é mais música clássica.


Sentes-te confortável quando te apresentas para concertos ao vivo, sabendo que estás a entregar e a oferecer quantidades tão grandes de tristeza e sofrimento?

Bem, depente muito das audiências. Quando estás em frente a uma plateia que te apoia e te aprecia é muito mais fácil dares-te a ti mesmo completamente, o que é melhor para todos. Mas muitas vezes é como uma batalha por isso esse é verdadeiramente um grande factor. Também, há muitas coisas que podem correr mal. Às vezes tenho de pensar mais nos aspectos técnicos, mas quando tudo corre bem é uma experiência maravilhosa, pelo menos para mim.

Tanto quanto sei, vives sobretudo na Espanha hoje em dia. A Espanha é um bom país para se ser Matt Elliott? Alguma vez permites a ti própria deixar-te influenciar pelo sentimento festivo de um país como a Espanha?

Bem, na verdade, eu não vivo mais em lado nenhum agora. Adoro estar a Espanha quando lá estou pelo menos por enquanto. É um país bastante livre, especialmente quando comparado com a França ou com a Inglaterra, mas estou a pensar mudar-me para Bruxelas e espero que isso funcione bem e que tenha finalmente um sitio ao qual possa chamar casa. Gosto de estar e de viver sem raízes mas torna-se um bocado esgotante depois de uns tempos.

Vais regressar agora a Portugal para alguns concertos. Sabendo o que sei sobre ambos os países – Portugal e Espanha – e aquilo que conheço da tua música eu diria que mais facilmente te podias relacionar com Portugal do que com Espanha…

De novo, depende. Tive grandes noites em Portugal mas também tive noites terríveis aí. Por isso depende muito do que acontece quando aí chego. Mas de uma forma geral adoro Portugal, as pessoas têm sido, na sua maior parte, boas para mim. Infelizmente não conheço o suficiente sobre Portugal para ter uma grande compreensão das pessoas portuguesas mas cada vez que aí vou aprendo alguma coisa.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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