ENTREVISTAS
Maze
Homem em Missão
· 23 Ago 2007 · 08:00 ·
Apesar de ser uma das partes dos Dealema, Maze é também uma identidade que actua e vive a solo. Por ser um homem em missão, André Neves tem um propósito para lá daquele que segue no colectivo nortenho que leva já mais de 10 anos. Homem em missão, aparecido recentemente, é um lançamento que tem como propósito mostrar o que corre nas veias de Maze quando este utiliza o hip hop como expressão própria e individual. Em entrevista ao Bodyspace, André Neves fala abertamente da sua actuação individual, do conhecimento que tem da realidade que se sente nas ruas de Gaia e do Porto e, como não podia deixar de ser, dos Dealema, com quem acabou de gravar o segundo disco - que deverá ser editado em breve. Maze em contínuo movimento, não fosse ele um homem em missão.
Homem em Missão é o teu primeiro trabalho a solo. Como foi trabalhar sozinho neste EP?

Sinceramente, o EP resulta de músicas que inicialmente iriam fazer parte do meu álbum e que acabaram por ficar desenquadradas da totalidade do mesmo. Então surgiu a ideia do EP promocional disponível gratuitamente para download. Este EP é fruto de um trabalho conjunto desenvolvido com o Ace para a Ace Produktionz, os instrumentais são todos dele. O Ace esteve presente como produtor executivo desde a gravação até á masterização. No fundo este EP não é só meu, é também um pouco dele.

Havia alguma coisa que não pudesses fazer com os Dealema ou outros projectos e que possas fazer aqui? Ou foi apenas a intenção de controlar todo o processo?

Criar música com os Dealema é um processo totalmente diferente de fazer música a solo. Em Dealema nós juntamos forças e trazemos um bocado de cada um para criar algo com mais poder. A solo podemos desenvolver outro tipo de trabalhos que não são necessariamente o que fazemos em Dlm, e então cada um foca nos seus gostos, na sua expressão e linguagem criativa própria para fazer algo mais pessoal, ou mais específico. É completamente diferente fazer música com mais pessoas, pois tem que existir uma sintonia e um convergir de interesses e de vontades. A solo isso não existe, a criação é uma directa expressão do ser.

O que é que influenciou directamente este disco em termos musicais e de letras?

Principalmente a vida real, de todos os dias. Estas músicas são o reflexo do quotidiano duma determinada altura da minha vida. São músicas escritas há 2 anos atrás, numa altura um pouco conturbada da minha vida pessoal e artística, e são músicas onde exponho o meu intimo, as minhas ansiedades, desejos, medos, paixões… São letras um pouco autobiográficas, os instrumentais do Ace eram os veículos perfeitos para eu transportar essas letras da forma que queria e eram a tradução das mesmas musicalmente, as peças encaixavam na perfeição.

O título do teu EP é bastante explicativo e ilustrativo quanto a uma intenção. Que missão é essa de que falas?

A missão de que falo é a de cumprir meu propósito, neste caso fazer a minha música e transmitir a minha vibração, passar consciência e conhecimento na minha música. É também a vontade de me transformar numa melhor pessoa, é o saber que tenho poder dentro de mim para ser o que quiser ser, quando e como quiser enquanto ser humano, e ao fazer isso servir de exemplo vivo para que toda a gente saiba que transporta também esse mesmo poder, o de criar a sua realidade.


Tens a consciência do poder que a palavra do hip hop tem para influenciar os jovens que a ouvem? Isso significa um especial peso…

Sim, tem um peso muito importante, e realmente tenho um cuidado especial sempre que escrevo. Tenho consciência que sou ouvido por uma ou várias gerações e que tenho oportunidade para mudar mentalidades ou pelo menos direccioná-las num melhor sentido e é o que espero fazer. O meu Rap tem um cariz bastante positivo, acho que é a minha principal característica, não sou um Mc unidimensional, posso fazer Rap politico, de festa, canções de amor, ficção ou das mais variadas temáticas, mas existe sempre uma consciência e uma mensagem subjacente em todas as músicas, nada de muito elaborado, apenas o reflexo da pessoa que sou.

Tens um contacto real com as dificuldades de certos bairros de Gaia e do Porto? Fazes pesquisa de campo, digamos assim, procuras os retratos sociais reais?

Felizmente, eu sempre tive um contacto directo com todo o tipo de pessoas, das mais abastadas às mais humildes, o que me garantiu uma visão ampla da sociedade e me enriqueceu bastante como pessoa. Não vivo no bairro, mas conheço e contacto quase diariamente com pessoas de habitam em bairros do Porto e de Gaia, e sei o que se passa, tenho consciência dos problemas que existem e das dificuldades que muita gente passa nos bairros do grande Porto. Não forço esse trabalho de campo, ele surge naturalmente do meu quotidiano, de conversas, de sítios, da observação e análise que faço constantemente. Vejam o vídeo do single do álbum do Ex-peão, chama-se “Bairro”, e é precisamente um retrato social incrível dos bairros sociais do Porto, realidade nua e crua. Em www.myspace.com/expeao.

Li algures que este teu EP de estreia era algo despretensioso. O que é que isso quer dizer ao certo? Existem planos para seguir uma carreira a solo como fez, por exemplo, o Fuse?

O meu Ep, talvez seja um pouco despretensioso de facto, pois é apenas para promoção, não está nas lojas e logo não tem destaque mediático similar aos discos que são comercializados e que têm um carimbo duma editora de peso e todas as regalias que daí advêm. Sim, claro que tenho planos para seguir uma carreira a solo, tal como todos os elementos de Dealema, aliás, essa mesma carreira a solo já é uma realidade, estou neste momento a gravar o meu primeiro álbum, e pretendo dar concertos a solo depois do seu lançamento e continuar a trabalhar e a fazer cada vez mais e melhor música.

Agrada-te o lado de produtor?

Sim, agrada-me bastante. De facto comecei recentemente a produzir e estou empenhado em aprender o mais possível. Sempre estive rodeado dos melhores produtores durante a minha carreira toda e fui assimilando como tudo se processa o que facilita bastante, mas ainda tenho um longo percurso a percorrer até editar produções minhas e estar satisfeito com os resultados, tudo a seu tempo.

Tanto quanto sei estás a trabalhar também no novo disco dos Dealema. Como correm as gravações do segundo disco do colectivo?

O segundo disco já está gravado, foi um processo demorado, mas estamos contentes com os resultados. Neste momento encontramo-nos em fase de mistura, mas já dá para ter uma ideia do que será o resultado final e estamos entusiasmados e ansiosos para mostrar o nosso novo trabalho. Já tocamos alguns temas novos nos espectáculos ao vivo e a reacção do público tem sido muito boa, o que é um bom indicativo para nós, e serve de incentivo para esta recta final de mistura e masterização do álbum.

Que retrato fazes de mais de 10 anos dos Dealema? Como é fazer parte dos Dealema?

Estes 10 anos de carreira dos Dealema estão recheados de histórias incríveis, de muitas emoções, de milhares de horas em ensaios, em viagens, palcos, estúdios… O balanço é muito positivo, há 10 anos atrás éramos uns putos cheios de sonhos e vontade, com talento e com muito para aprender, agora fazer música é a nossa vida e não nos vemos sem fazer o que realmente nos dá prazer. É indescritível, não consigo mesmo expressar por palavras como é ser 1/5 dos Dealema, nem sei se eles conseguiriam se a pergunta lhes fosse colocada a eles, sei que quando entramos no estúdio para criar ou quando subimos ao palco, fazemos magia, temos uma empatia muito grande, transformamo-nos num só.

Existe um Maze antes e outro depois de "Brilhantes Diamantes"? Esperavas um sucesso tão estrondoso desse tema?

Não esperava mesmo o sucesso que a música teve, foi uma surpresa muito grande quando o Serial me ligou a dizer que a editora a tinha escolhido para ser o primeiro single do seu álbum. Surpresa que foi aumentando á medida que as rádios e televisão começaram a passar o tema em alta rotação. Obviamente que para mim foi muito positivo do ponto de vista profissional, o facto de ter uma música com o destaque que o “Brilhantes Diamantes” teve, serviu de trampolim para a minha carreira, tenho noção que cheguei a um público mais abrangente, especialmente aos adolescentes e ás crianças, o que é algo que me agrada bastante.

Andas também ocupado com outros projectos actualmente… O que nos podes contar acerca do projecto Sub_verso?

Sub_verso sou eu e o Soma, é um projecto que temos vindo a desenvolver já há algum tempo, algumas das músicas têm 2 anos. É um projecto que nos remete para o Rap dos 90, e para os clássicos dessa década. O álbum está neste momento em fase de mistura, que está a cargo do Serial. Para já ainda não existe uma data de lançamento, mas o álbum está numa fase final e o primeiro single, “Dá-me um sinal”, já pode ser ouvido em algumas rádios. Fiquem atentos!

É uma pergunta algo cliché mas, imaginas-te a fazer música para o resto da vida? Tens condições e força para isso?

Sim, efectivamente imagino-me a fazer música para sempre. Esse é o cenário ideal e espero que se concretize. Não quero só fazer música, pois sou uma pessoa criativa e comunico também com outro tipo de linguagens, gosto de fazer Design gráfico, gosto de pintar, fotografar, escrever poesia, gosto de criar de múltiplas formas, mas a música é a minha verdadeira paixão e vou sempre dar-lhe prioridade. Ao fim de 10 anos consigo finalmente viver da música exclusivamente, o que tem sido uma batalha difícil e continua a ser neste país, de facto espero ter essas condições criativas no futuro, poder focar na música sem ter que pensar em arranjar um part-time ou mesmo um full-time noutra área só para garantir a minha subsistência e continuar a fazer o que realmente amo.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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