ENTREVISTAS
Thee Oh Sees
A verticalidade dos sonhos vampíricos
· 22 Jul 2007 · 08:00 ·
Tome-se como exemplo visual aquele arranha-céus fálico que desaba ao som de “Where is my mind?” dos Pixies no final do manifesto Fight Club. Coloque-se agora no lugar da torre um corpo humano em posição vertical e imagine-se que, em vez de detonar dentro de si um explosivo, roça aos seus ouvidos a mais imaculada e fluente melodia escutada em vários anos. É fácil colocar em prática um exercício mental que projecte a queda lenta e graciosa de um corpo ao som de “Sucks Blood”, balão solto pelos Oh Sees que mais alto voa entre os restantes que compõem o álbum do mesmo nome. Voa sobre uma América maldita e reservada aos seus hábitos secretos e, bem perto do tecto da estratosfera, teima em não estoirar como o sonâmbulo que não tropeça. Sucks Blood, álbum e a faixa homónima, serve como anunciar sussurrado de que a folk feita de essência não deixa de ser curativa e docemente atordoante, mesmo quando privada de acompanhamento técnico rigoroso e produção de laboratório. Após se entranhar o ingrediente que primeiro se estranha, torna-se difícil dizer ao certo se os vampiros conhecem ou não direito aos sonhos à sua maneira amorosos. Na sua primeira entrevista de sempre, Brigid Dawson, a sublime voz feminina dos Oh Sees, preenche os espaços em branco que sobravam a tudo o que se quer saber acerca da mais activa célula criativa conhecida ao furacão John Dwyer.
Em que altura exacta começaste a tocar com o John (Dwyer) e em que ponto se encontrava a banda no momento em que a integraste?

Comecei a tocar com o John mesmo antes de gravarmos The Cool Death of Island Raiders, em Junho de 2005. Nessa altura, era uma cena apenas do John e do Patrick Mullins, que, desde aí, se mudou para Louisville, no Kentucky. Éramos mais calmos nessa fase: utilizávamos o serrote (singing saw) como instrumento, por iniciativa do Patrick, que também inventou um aparelho caseiro em forma de mala que emite todo o tipo de ruídos. A faceta explorada nessa altura era distinta.

Porque motivo o nome mudou de O.C.S. para The Oh Sees? Terá sido com a intenção de evitar a confusão com o título da série (The O.C.) ou para estabelecer o início de um novo ciclo após os primeiros quatro volumes de música enquanto O.C.S.?

É engraçado eu não saber ao certo que razão nos levou a adoptar o nome The Oh Sees. Não houve um motivo específico para tal. Adaptava-se à situação, simplesmente.

Quando primeiro escutei o disco no carro, associei-o de imediato ao modo como Gus Van Sant filma os céus e as paisagens, principalmente no My Own Private Idaho. A questão acerca das preferências musicais surge demasiado frequentemente, por isso prefiro saber que estéticas e artistas achas que foram cruciais na moldagem do som dos Oh Sees e das músicas que integraram o Sucks Blood?

Esta é uma questão interessante porque eu e o John também pintamos. (solicita um momento para sondar a opinião de John Dwyer que estava por perto). Ele acha que as suas pinturas e arte diversa não se encontram ligadas à música, ou, pelo menos, de modo consciente. Creio que tudo o que fazes, seja música ou arte, acaba por surtir influências entre si. Lembro-me de, no tempo anterior à gravação do álbum e mesmo antes de escrevermos as suas canções, andar a pintar muitos retratos da família. Fazia-o inspirada por pinturas que encontrava à minha volta e especialmente por algumas do John desse período. Coisas simples e bonitas. Inspirada até mesmo por desenhos dos meus irmãos mais novos que ilustram castelos, com muitas cores e aviões, e por pintores japoneses do século XVI e a sua dedicação ao detalhe – descontraído e confiante - aplicado a penas, escamas, garras e olhos. Também tinha vindo a observar atentamente Los Desastres de La Guerra de Goya e a tentar criar novos monstros para os dias de hoje.

© Virgil Porter

Nomearam o álbum a partir da faixa homónima pela confiança que vos oferecia ou Sucks Blood adequava-se às vossas intenções independentemente disso?

Da primeira vez que ensaiámos essa música, o John disse espontaneamente que queria que fosse aquele o título do próximo álbum. Todos concordámos. Parecia uma óptima escolha.

E quais das letras foram escritas por ti neste álbum?

Só mesmo as boas. (risos) Não, todos acrescentámos várias partes, mas as letras são mesmo uma coisa do John.

Quem foi o responsável pelo theremin e field recordings que se ouvem no disco?

O theremin que julgas escutar é, na verdade, um serrote tocado pelo Patrick Mullins, que contribuiu também com os field recordings. Os sons de sinos que se escutam surgiram de um instrumento fantástico chamado Octagon, que o Kelly Stoltz – o nosso amigo que gravou o álbum – tinha no seu estúdio.

Tencionam manter a quota de dois drones por cada novo disco de Oh Sees? Achei por bem perguntar porque, em ambos os discos, têm um posicionamento semelhante e ocupam um mesmo lugar da estrutura.

Não sei se incluiremos drones no próximo álbum. Os drones dos dois primeiros discos eram gravações caseiras em que se encontravam empenhados o John e o Patrick à margem da banda, mas que acabaram por resultar bem inseridos em contexto.

Quer isso dizer que não tiveste qualquer influência nos drones? Ainda relativamente a isso, achas que servem como momentos mais ríspidos que acentuam o contraste com os outros mais pacíficos e sonhadores? São perfeitamente espontâneos nessa inserção em contexto de que falas?

A elaboração dos drones passa apenas pelo John e Patrick. Acho que funcionam como um lindo contraponto em relação às músicas mais suaves nos dois álbuns. Resultam como o depelar que permite ver os ossos da banda ou o levantar da saia longa dos Oh Sees para observar a sujidade dos nossos tornozelos. Devo acrescentar que, no que respeita à colocação nos discos, tudo se procede de modo espontâneo.

© Virgil Porter

Foi excitante a oportunidade de gravar novo material com o Dave Sitek (TV on the Radio)? Que qualidades suas achas serem favoráveis à extracção do melhor que pode render o vosso som?

O Dave é um pouco louco, apaixonado, teimoso e altamente inspirado. Trabalhar com ele é como estar no epicentro de tudo isso. Gravámos com ele o nosso próximo disco, em Nova Iorque, e a meio de uma digressão norte-americana de seis semanas. Dezasseis músicas em cinco dias – foi uma experiência adorável e intensa. Quando se juntam duas pessoas como o Dave e o John, o melhor é encostares-te e esperar que a magia aconteça.

Em que direcção têm avançado as novas músicas ao serem incluídas numa rotina de concertos? Têm implodido em intimidade ou florescido até a um ponto expansivo e eufórico? Mantêm algum método especial para, ao vivo, preservarem as características do eco que torna o Sucks Blood tão bonito?

A maioria das músicas que tocámos em digressão eram novas e, como dizes, definitivamente mais próximas de “um ponto expansivo e eufórico”, mais pop e energéticas. Ainda usamos o Echoplex (aparelho que confere efeito de delay) para alcançar aquele som que gostamos.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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