ENTREVISTAS
Turbonegro
Retoques sarcásticos do rock debochado
· 25 Jun 2007 · 08:00 ·
© Stian Andersen
Pouco se sabe acerca do eternamente adiado regresso de Dr. Dre ao activo com disco em nome próprio, até aqui hipoteticamente intitulado Dretox. A julgar pelo perfil do mordaz MC e excepcional produtor de hip-hop, tal como baleado a partir da postura gansta de Compton, deduz-se que Dretox viria a representar a “limpeza” de que carece o género, além de mais uma longa lista dos nomes sob a mira vingativa do ex-N.W.A., que não se acanha de referir literalmente que orifícios irá ameaçar aos rivais e aos seus familiares mais próximos.

A verdade é que os Turbonegro são igualmente desbocados na assunção das suas tendências sexuais politicamente incorrectas (saúde-se isso) e mantêm firme a decadente vontade de inverter o sentido da desintoxicação, ao alimentarem-se com um veneno hard-rock que, desta vez, conduz a turma escandinava a um glorioso coma nostálgico chamado Retox (que, mesmo assim, apresenta novidades como a ópera quase existencialista “What is Rock?”). Deixaram cair o D do tal disco acima referido, mas continuam tão deathpunk como no dia em que decidiram adoptar esse cunho para sua própria usufruição, que desde aí, tem rendido discos tão doentiamente viciantes como francamente imbecis (e uma numerosa legião de fãs conhecida por Turbojugend). Até porque quem assina um disco do porte de Apocalypse Dudes, um dos mais implacáveis tratados rock produzidos nos últimos 20 anos em território europeu, merece o direito vitalício a ser arrogante e debochado se assim o desejar.

E é nessa linha de luxúria que se mantém a novidade Retox, em que os Turbonegro assumem em definitivo a venda da alma e seriedade em troca de doses letais de um rock que invariavelmente não resiste à tendência de ser subversivo (e hilariante nessa missão). Repare-se, por exemplo, no hino dedicado à auto-destruição que é o clássico instantâneo “We’re Gonna Drop the Atom Bomb”, que evidencia algumas semelhanças com “You Could be Mine” dos Guns n’ Roses, ou num outro – “Everybody Loves a Chubby Dude” - dedicado à obesidade e dotado de um refrão que soqueia o estômago com um mote bem sôfrego. Em vésperas de nova digressão europeia centrada em Retox, o Bodyspace esteve à conversa com Happy Tom, o marujo que também é baixista e um dos principais compositores de uma das mais lubrificadas e provocadoras formações de puro e descomplexado rock ainda no activo. A troca de palavras entre Lisboa e Berlim segue na íntegra, tal como se deseja no caso de uns Turbonegro cujo conteúdo lírico mais carnal deve ser entoado sem qualquer tipo de censura.
Olá. Quem fala?

Happy Tom.

Aqui Miguel Arsénio do Bodyspace, a ligar para entrevista.

Certíssimo! Portugal – adoro esse país.

Estás a gozar bem da tua estadia no Hotel Hilton (de Berlim)?

Sim, tenho feito imensas entrevistas e assistido a pornografia na televisão. (risos)

Satisfeito por estar de regresso à Alemanha?

Sim, mas preferimos Portugal.

A sério? Voltem depressa, por favor. Fala-me então um pouco do novo álbum.

Posso-te dizer que é do caralho. (risos)

Sei que se aplicaram intensamente nele.

Passámos um ano a trabalhar no disco, de modo a que se tornasse o mais simples, frontal, nítido e óptimo que nos foi possível.

Sei também que o misturaram em Nova Iorque, certo?

Sim, metade em Nova Iorque e outra metade em New Jersey.

E qual é o sentimento que fundamenta o disco?

Diria que é a mistura perfeita entre um hard rock e punk-rock clássicos. Se adorares guitarras ao rubro e melodias fantásticas, é bem provável que venhas a gostar do disco. Foi concebido como um disco clássico. Parece-me que todos os clássicos de hard rock assentam num balança entre estupidez total e algo absolutamente genial, e essa parece-me ser a essência dos Turbonegro e deste disco também.

Esclarece-me um pouco acerca do processo de escrita de canções. Mantêm-se ocupados disso tu e o Euroboy (guitarrista)?

Desenvolvemos algo que apelidámos de laboratório do riff – esquema que consiste em nos sentarmos junto de um amplificador Marshall, com uma guitarra e cerveja a rodos. Depois tocamos riffs um para o outro e trocamos opiniões como Esse foi porreiro! Esse não me surpreendeu... Usemos esse que me pareceu bacano. É como se jogássemos um desafio em torno do rock n’ roll, que cultivamos como verdadeiros cromos.

Pelo que sei, também é habitual o baterista Chris (Summers) juntar-se a vocês nesse jogo, numa formação que costumam apelidar de Power Three, não é verdade?

Sim, exacto, é nessa altura que transpomos o processo para uma sala maior com bateria e gravamos versões muito básicas das músicas com o Chris. Caso não gostarmos do que ouvimos, voltamos a gravar. Algumas das faixas no disco chegaram a ser regravadas cerca de quatro vezes. Persistimos nas melhorias possíveis para cada uma dessas, na tentativa de cortar tudo aquilo que nos parecesse inútil.

É também frequente, nas sessões referentes aos vossos vários discos, haver sempre uma substancial quantidade de músicas que simplesmente passam a preteridas no processo de selecção. Isso voltou a acontecer desta vez?

Diria que sim. Uma das principais preocupações dos Turbonegro incide na escrita de canções. Não se trata apenas dos chapéus apatetados e da maquilhagem no rosto. Somos realmente adeptos da escrita de canções.

Se bem que por vezes vos é difícil resistir a torná-las numa boa piada, não é?

Pois. (risos) Não é humor. É mesmo sarcasmo satânico.

A data de lançamento do disco encontra-se marcada para 16 de Junho, que representa também o dia de aniversário do Hank (vocalista e imparável anfitrião). Isso foi de alguma forma planeado ou aconteceu espontaneamente?

Tens razão, é o seu trigésimo-sexto aniversário. Acontece que a Turbojugend, o nosso clube de fãs, costuma celebrar os nossos aniversários e o do Hank representa algo digno de registo, como se fosse um dia da Independência Nacional.

Vestem os casacos de ganga com o símbolo da banda e tudo.

Sim. O disco sairia em Junho em todo o caso e decidimos conjugar as coisas.

Apercebi-me (através do My Space da banda) que o Nick Oliveri dos Mondo Generator chegou a estar presente convosco em estúdio. O seu contributo chegou a constar do disco?

Não, não. O Nick é um amigo de longa data e os Turbonegro são a sua banda favorita, ou assim o diz, e eu acredito. (risos) Ele tinha-me enviado um e-mail um mês antes de um concerto que tinha marcado para Oslo com os Mondo Generator - que me parecem excelentes – e referiu que sabia que nos encontrávamos em estúdio. Acrescentou que tinha escrito duas canções para nós e que uma dessas era um tributo. Quando cá chegou, veio ao nosso encontro em estúdio e acabámos por gravar umas coisas juntos e andar por aí. Ele gravou o baixo para um par de faixas, mas faltou o tempo necessário para as vocalizações dessas. Mantivemos a esperança de que pudesse ainda haver oportunidade para isso em New Jersey ou Nova Iorque durante a fase de mistura, mas o Nick não tinha disponibilidade. Decidimos então que isso teria de ficar suspenso até mais tarde, mas tenho a certeza de que surgirão no futuro mais oportunidades para a colaboração entre os Turbonegro e o Nick Oliveri.


Talvez um split de Turbonegro e Mondo Generator. É frequente lançarem sete polegadas de tiragens mais limitadas.

Isso seria fabuloso. Adoramos os Mondo Generator.

Já vi o nome de Retox associado ao tema da velocidade, que é uma constante no âmbito dos Turbonegro. Alimentas um qualquer tipo de predilecção por alguns daqueles filmes de gangs de motards?

Influencia-nos de facto a inspiração oferecida por um filme satânico clássico, de meados da década de 60, intitulado Scorpio Rising, produzido por um realizador bem estranho chamado Kenneth Anger. O tipo tinha uma personalidade quase semelhante à de Charles Manson e realizou um filme como Scorpio Rising, que, além de ser um biker movie, é também sugestivamente homossexual e bizarro. Quase se assemelha a um dos primeiros filmes do David Lynch, mas com a vertente obsessiva face ao cabedal.

Talvez um pouco na onda daquelas produções altamente psicadélicas do Roger Corman...

Sim, precisamente. Agrada-nos toda essa vertente psicadélica também associada ao rock do final da década de 60.

Isso indicia também aquela vossa maior atracção pelo rock da costa oeste, o cultivar da decadência mais associada a Los Angeles. Até que ponto o som típico de Los Angeles se infiltrou em Retox?

A verdade é que assim já acontecia em Party Animals. Nesses termos, diria que estamos mais próximos do heavy-metal britânico dos Judas Priest ou Motörhead entre 1980 e 1982, e do hardcore norte-americano lançado pela mesma altura. Talvez aliando a essas influências a estética mais psicadélica dos instrumentais de guitarra presentes nos tais filmes, procurando, ainda assim, transformá-los em música que inclua voz, o que torna tudo mais catchy. Misturando também um pouco de fado. (risos)

Estás a gozar, certamente. Quando mencionaste há pouco a influência dos Judas Priest, imaginei de imediato os Turbonegro a gravar o disco numa masmorra.

(risos) Não, devo admitir que o gravámos em dois estúdios perfeitamente convencionais, se bem que altamente luxuosos. Um deles em Oslo.

Vi fotografias do estúdio no vosso My Space e tudo me pareceu muito normal.

Sim, a nossa abordagem ao trabalho foi muito sistemática e profissional, ainda que tivesse obrigatoriamente de incluir muita bebida.

Reparei que muitas das mensagens no diário terminam assim que aperta a falta de tempo e a necessidade de ir beber uma cerveja que não se evaporará por si mesma.

Até isso está relacionado com o título Retox de múltiplas formas.

Como se reclamassem o direito a poder beber de novo o que vos apetecer.

(pausa) Sim, é como se a festa continuasse. Além de que representa um convicto vão-se foder dirigido a todos aqueles que nos vinham a atormentar com aquela lenga-lenga do costume:Como se sucedeu isto? Julguei que tinham deixado por completo a bebida e droga. O Retox traduz-se mais ou menos num Caladinhos. Deixar-nos-emos disso quando nos der na real gana..(risos)

Quando soube do título, julguei de imediato que se tratava de uma piada ao hipotético disco futuro do Dr. Dre, Dretox.

Sim, tivemos conhecimento disso mais tarde. Acho que o Retox é o nosso título. Mas apreciamos muito o Dr. Dre e as suas produções. Foi só há pouco tempo que soubemos disso e decidimos manter o título.

O Retox é uma espécie de Chinese Democracy do hip-hop e vocês parecem-me bem mais regulares que os Guns n’ Roses, atendendo até a que pouco mais de dois anos separam este novo disco do (anterior) Party Animals.

Tens razão. É como se assinalasse uma festa que não pára. De certo modo é uma palavra que expressa aquela persistência dos Turbonegro em não desistirem e que se foda o resto.

Já reparei que existem dois volumes de raridades compilados com o nome de Small Feces. É provável que venham a existir novos volumes dessa série? Existe muito material que, por uma razão ou outra, não chegou a integrar os últimos discos?

(reticente) Nem por isso. Existem porém imensas faixas que nunca foram além da sua forma primária. Devo acrescentar que não somos propriamente uma banda de out-takes - o que consta dos Small Feces é quase sempre material que nunca chegou a ser lançado. Tentamos dedicar toda a concentração àquilo que queremos ver integrado em disco. Se algo resultar de forma desastrosa, não a queremos no disco e nem a tentamos completar, de modo a que nem chegue a este tipo de compilações. Acabam esses “restos” por ser faixas sem as vocalizações ou a guitarra principal.

© Stian Andersen

Sim, até porque muito do que se escuta aos Small Feces são momentos descontraídos e covers em que a vossa intenção é mesmo dar largas ao deboche...

Exacto, o que se escuta a esses discos é basicamente o resultado de sessões regadas com muito álcool efectuadas em estúdios baratos numa qualquer localidade suburbana.

E quais das faixas incluídas no tributo Alpha Motherfuckers merecem a tua predilecção?

Esse tributo contém excelentes momentos. Diria que gosto muito da “Back to Dungaree High”, a cargo dos Queens of the Stone Age, ou da “I Got Erection”, dos Satyricon, “Rendezvous with Anus”, dos Him, “Get in on”, dos Supersuckers, a versão de Bela B. & Denim Girl...

Sentiram-se honrados com alguma participação em peculiar? Talvez os Queens of the Stone Age, não?

Sim, eles são nossos companheiros. Foi uma ocasião especial.

Chego a pensar se, ao assistires ao vosso primeiro documentário Turbonegro – The Movie, não te questionas a ti mesmo com frases como: Meu Deus... Mas onde tinha eu a cabeça?! Quem é este tipo?

(risos) Confesso que já não o vejo há muitos anos... Continuamos a ser os mesmos tipos. Não é como se na altura tivéssemos treze anos e agora vinte e cinco... Na altura tínhamos vinte e cinco anos e agora temos trinta e sete. (risos)

Já o The Res-erection será o vídeo que representa o regresso ao topo de forma.

Sim.

Quando tocaram pela primeira vez em Portugal, no festival Super Bock Super Rock, não sentiram ao terminar que tinham conquistado uma grande parte do público? Isto porque, pelo que percebi, não se encontraria ali muita gente à espera de Turbonegro...

Senti que muitos talvez tivessem em nós uma incógnita, mas, durante o concerto, a reacção do público foi realmente intensa e fiquei com a noção de que tínhamos arrecadado alguns fãs naquele dia. Ainda assim, não me parece que tenham sido aqueles que lá estavam para ver os Black Eyed Peas... (risos)

É bizarro assistir aos Turbonegro e Black Eyed Peas no mesmo dia.

Eu gosto do lugar onde se situa esse festival (à beira-rio). Curti à brava o tempo passado num subúrbio a sul de Lisboa que tinha umas praias... Seria Kari-kari? (e aqui o tradutor fica à nora e sem saber a que zona de Lisboa se refere Happy Tom – agradece-se quaisquer palpites)

Cais do Sodré? Ah! Cascais?

Não, a sul.

Não sei... Agora fiquei um pouco perdido.

A verdade é que adorámos Lisboa e Portugal. Também tocámos no Porto e mantemos uma enorme vontade de regressar. Para mais, a família do Hank pesca todo o bacalhau que vocês comem.

Lembro-me de ele contar isso nos concertos.

Mas é verdade! Existem uma série de vilas costeiras na Noruega em que as pessoas se assemelham muito aos portugueses. (risos)

O próprio Hank parece mesmo português...

Sim, as pessoas não acreditam que é norueguês. Aparenta ser uma mistura de viking com um tipo português.

E é perfeitamente normal sentires-te bem num festival à beira-rio quando até és marinheiro, não é verdade?

Sim, o porto de embarque é o meu lugar.

E no segundo concerto no Paradise Garage não vos impressionou a devoção dos membros da Turbojugend presentes?

Sim, foram fantásticos. Trouxeram uma bandeira com o brasão de Cascais. Foi engraçado. Pessoal muito porreiro.

Pintam o rosto a preceito e tudo.

Sim, isso tem vindo a acontecer um pouco por toda a parte onde tocamos, mas foi simpático o contacto com a Turbojugend portuguesa.

A minha noção do fenómeno limita-se ao que vi em vídeos, mas é realmente incrível reparar na quantidade de fãs religiosos que atraem até aos concertos em Oslo e St. Pauli...

Sim, tais cenários têm-se vindo a alastrar e ultimamente isso já se tem verificado nos Estados Unidos e por toda a Europa. É um ritual.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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