ENTREVISTAS
Lisa Cerbone
A leveza dos dias vulgares
· 27 Mar 2004 · 08:00 ·
Lisa Cerbone nasceu em New Jersey e apareceu pela primeira vez em 1993 com o lançamento do seu disco de estreia. Dois álbuns e mais de dez anos depois, regressa com Ordinary Days, que conta com a participação de Mark Kozelek, líder dos Red House Painters. É um bom exemplo de uma cantautora que aprendeu a transformar pequenas histórias em grandes canções. Com elas, faz sobreviver a inocência, a vulnerabilidade e dá relevo aos mais pequenos fragmentos de vida enquanto recolhe os pequenos bocados de um espelho partido durante a infância. A música tornou-se o caminho natural a seguir quando a ideia de ter uma vida como a de tantas outras pessoas lhe pareceu ser insuficiente. De uma disponibilidade e humildade incríveis, Lisa confessa-se ao Bodyspace.
Conseguiu aprender alguma coisa enquanto tocava os instrumentos da banda do seu irmão?

Fiquei fascinada com a guitarra eléctrica e com a quantidade de sons diferentes que se consegue produzir através dos diferentes pedais e do amplificador. Gostei da forma como conseguia mudar a textura da canção.

Quando era adolescente, quais eram os discos que sempre evitou que ganhassem pó, ou por outras palavras, quais são as suas maiores influências?

Ouvi muita música dos anos 60 e 70. Escritores de canções como Simon & Garfunkel, Carole King, e gostei sempre dos Beatles. As melodias deles conseguiram sempre apanhar-me. Os meus irmãos tinham sempre Pink Floyd e Led Zeppelin a tocar pela casa, por isso lembro-me de os ouvir bastante, também.

Deixou de ensinar para se dedicar à música. Era o único caminho que podia seguir? Foi uma decisão difícil?

Deixar o ensino foi uma decisão muito difícil de tomar. Gostava muito da minha área, o Inglês, e dos alunos que ensinava. Só que não sou muito boa a fazer duas coisas ao mesmo tempo. Tanto ensinar como escrever pareciam requerer um coração inteiro só para si. Por isso, decidi perseguir a minha escrita de canções e ser tutora em part-time. Parece-me que foi uma mediação feliz.

O seu álbum de estreia foi lançado há mais de dez anos atrás. Quais são as memórias que guarda desses tempos?

O processo de gravação era tão novo e excitante. Só o facto de ser possível ouvir as canções gravadas tanto tempo após as ter tocado, sozinha no meu apartamento, era uma delícia para mim. Ouvi-las completas com os outros membros da banda era igualmente especial. Trabalhei com muitos músicos inspirados e criativos.

Close Your Eyes é uma reedição do seu album de estreia mas com algumas mudanças. O que é que aconteceu durante o lançamento desses dois discos?

Assinei contrato com uma editora chamada Ichiban Records, que já não existe. Eles decidiram reeditar o meu primeiro CD.

Depois de Mercy, passou seis anos com a sua família. Como é que foi voltar a escrever canções? Isso influenciou a maneira como as suas canções são escritas agora?

Muitas das canções de Ordinary Days foram escritas antes ou durante esse período de seis anos. Porque queria começar uma família e estava ansiosa por essa experiência, acho que isso fez com que as minhas canções saíssem de um base mais feliz, mais segura.

As letras das suas canções são intimistas e nostálgicas. São, de certa forma, um reflexo da sua infância?

A maior parte das minhas canções surgem dessa mesma perspectiva da infância. Era, e ainda sou, uma pessoa sossegada. Escrever canções e cantá-las parece ser a melhor forma de exteriorizar as ideias e sentimentos que guardo dentro de mim, especialmente aqueles que derivam da minha infância. É uma forma de fazer sentido a partir de qualquer sentimento de desordem para mim mesma. Além disso, as memórias de infância são coisas poderosas.

Ordinary Day foi produzido pelo Mark Kozelek, que também toca e canta consigo. Como é que isso aconteceu?

Conheci o Mark quando ele actuou na minha cidade. Depois disso, mantivémo-nos em contacto, e perguntei-lhe se estaria interessado em produzir o meu próximo disco. Fiquei surpreendida pelo facto de ele ter ficado tão receptivo à ideia e fiquei, obviamente, excitada com a ideia. A partir daí, começamos a gravar em São Francisco e depois viemos até Baltimore onde acabamos o disco.

Como é que foi trabalhar com Mark Kozelek?

Foi uma das melhores experiências musicais que alguma vez tive. Ele era bastante agradável e era muito fácil trabalhar com ele. O Mark tem um dom muito especial – um vocabulário musical profundo e emocional.

As letras do seu último trabalho são, muitas das vezes, alegres e optimistas. O que é que mudou desde Mercy?

Havia canções de álbuns anteriores, que eu não queria apresentar mais em público. Apercebi-me que eram aquelas mais negativas ou repletas de culpa. Simplesmente não estava orgulhosa com elas e queria escrever a partir de uma perspectiva mais esperançosa, mesmo que o tema fosse triste. Queria escrever canções que reflectissem como eu me sentia em qualquer dia normal, em vez de um pequeno momento no tempo. Esse tipo de canções, para mim, são, de alguma forma, mais honestas.

Partilhou o mesmo palco com Ben Harper, Lloyd Cole, entre outros. Como é que se sente ao transformar as suas canções em confissões ao vivo?

Ser uma pessoa reservada por um lado, e ao mesmo tempo expôr a sua alma pode ser uma coisa complicada quando se actua ao vivo. Sinto uma necessidade de me desligar dessas confissões, mas tenho de lutar contra essa necessidade premente que existe dentro de mim ou a actuação pode sofrer com isso. Quando actuo, sinto que tenho de me abrir emocionalmente para que as canções se consigam traduzir a um nível mais profundo com a audiência.

Existem planos para gravar novo álbum? O que é que podemos esperar de si?

Por enquanto, estou na fase de escrita das canções. Se sair alguma coisa coesa, começo a gravar. Tenho também muitas canções que o Mark e eu gravámos com uma banda completa. A certa altura, gostaria de lançar um EP com algumas canções retiradas dessas sessões.

Parece ter todos os seus sonhos concretizados. Falta ainda alguma coisa?

Não sei. Tento apenas levar as coisas dia-a-dia e esperar pelo melhor.

O que é que aconteceu a Mrs. Foster?

Twnho uma ideia do que lhe aconteceu, mas tenho receio de criar falsas aparências na interpretação de algumas pessoas.

Dá realmente assim tanta importância aos pequenos detalhes, às pequenas coisas dos “dias vulgares”?

Os melhores dias são os dias quando eu consigo, quando eu posso acalmar, e não me deixo apanhar pelas coisas que realmente não são tão importantes a longo termo. Às vezes, apesar de tudo, é mais fácil dito do que feito.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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