ENTREVISTAS
Max Richter
Casa de Memórias
· 13 Abr 2007 · 08:00 ·
Max Richter, nascido na Alemanha mas a viver no Reino Unido, assinou já até aos dias de hoje três discos de enorme beleza pela 130701, uma espécie de filial da FatCat dedicada à música mais orquestrada e instrumental. O pianista e compositor que assinou Memoryhouse (em 2002 pela Late Junction) e The Blue Notebooks (já na casa FatCat) noutros anos foi em 2006 responsável por Songs from Before, mais uma tentativa louvável de conseguir o maior número de sensações com o menos número de notas. Com a ajuda da electrónica.

Max Richter é isto e muito mais. É também produtor. Foi ele que trabalhou com Vashti Bunyan no esperado regresso da cantautora britânica com Lookaftering. Os seus estudos em música foram importantes para aquilo que Max Richter faz hoje em dia mas também o é o savoir-faire que procurou ter longe de academismos. Por isso, na música que faz, Max Richter é um rebelde. Em entrevista, Max Richter conta mesmo que as catalogações e categorizações lhe fazem confusão. O britânico tentou até situar-se no meio dos dois mundos que o rodeiam: o clássico e o contemporâneo.

Tem uma educação clássica, um grau académico musical e estudou composição em Itália com Luciano Berio. Mantém esses ensinamentos perto de si hoje em dia?

Eu acho que todos os meus estudos influenciam aquilo que estou a fazer agora – apesar de não mais do que a música que eu tenho ouvido. Toda a gente é assim acho eu, a soma de todas as suas experiências.

No passado foi co-fundador de Piano Circus, um ensemble que pegava no trabalho de gente como Arvo Part, Brian Eno, Steve Reich e Philip Glass. Como é que esse colectivo existia e actuava?

O grupo foi formado por brincadeira mesmo, só para tocar a peça de Steve Reich numa galeria – mais e mais música foi escrita para isso e por isso começamos a gravar. Durou cerca de dez anos mais ou menos – lentamente desenvolvendo-se de música escrita até electrónica e improvisação.

Presumo que se sinta como um músico clássico com a necessidade de utilizar electrónicas. Como é que a música electrónica entra no seu método de trabalho?

Na verdade não penso nesses termos. A minha linguagem chega via Machaut, Dufay, Purcell, Bach, Mozart, Beethoven, Schubert, Brahms, Mahler, Webern, Boulez, Berio, Xenakis, mas também dos Beatles, Pink Floyd, The Velevet Underground, The Clash, Kraftwerk, etc., etc. Estou sempre a ouvir – a electrónica é apenas uma parte daquilo que temos ao nosso redor hoje em dia, por isso utilizo-a. Seria estranho se o Beethoven não utilizasse violinos, não seria? Ele tinha-os por isso ele utilizava-os – isso parece natural.


No passado trabalhou com os Future Sound Of London. Essa colaboração foi importante para se definir a si próprio como um músico hoje em dia?

Gostei de trabalhar com FSOL – esses anos foram interessantes. Acho que trouxemos coisas valiosas para o trabalho de cada um nesse período.

A sua música acontece de uma mistura, de uma fusão do tradicional e do futurista... Sente-se de alguma forma dividido entre ambos os mundos? Num lado tem pessoas como Arvo Pärt, John Taverner, Henryk Górecki, Michael Nyman, Brian Eno, Steve Reich e Philip Glass; no outro tem Future Sound Of London, Autechre e Boards Of Canada. Em que lado gosta de se ver?

Gosto de me sentar no meio! Parece-me muito natural a mim ocupar esse espaço. Não estou sozinho nele obviamente

Gosta do termo "post-classical" que é regra geral utilizado para descrever a sua música? Não crê que isso significa de certa forma uma pressão extra para o seu trabalho?

Na verdade não penso nessas categorias. As pessoas pegaram nesse termo porque é mais simples do que dizer "música instrumental escrita com algumas electrónicas, batidas, etc., mas tudo tocado junto com cordas, mas não é dançável”. Não me interessa realmente aquilo que eles lhe chamam…

Como é que traduziu todas essas noções de clássico e electrónico, tradicional e futurista no seu primeiro disco, Memoryhouse. Foi difícil conseguir esse disco?

Escrevi o Memoryhouse sem qualquer tipo de plano – foi simplesmente a primeira coisa que veio à minha cabeça. As coisas mais óbvias e naturais que eu podia fazer foram aquelas que eu fiz.

Desde The Blue Notebooks até este Songs from Before parece apostado em conseguir o máximo de intensidade possível utilizando para isso o mínimo de notas possível. Segue a ideia de que menos é mais?

Sigo sim, até um certo ponto. Gosto de sentir que cada nota ou som ou gesto foi feito da forma mais perfeita possível – de forma tão intensa possível. Senão, porque é que está lá de todo? Por isso sim, o mínimo número de coisas para contar a história é aquilo de que estou à procura.

Como é um processo de gravação típico para si? Existe tal coisa?

Nem por isso! É um processo caótico e ao acaso, sem qualquer esperança de algo bom que possa sair daí! Mas por vezes funciona. Planeio tudo muito cuidadosamente e depois deito todos os planos fora.

Tal como aconteceu em The Blue Notebooks, Songs From Before tem um convidado nas vozes. Robert Wyatt, lendo textos de Haruki Murakami. O que é que procura nestas colaborações? Uma mensagem verbal? A fusão entre a poesia e a música?

Gosto de estórias – acho que isso é muito humano. Estou também interessado na forma como os media podem colidir para formar uma nova e mais rica imagem na cabeça dos ouvintes. Também convida a colaboração com o ouvinte – para que eles naveguem no seu próprio caminho ao longo do trabalho.

Porque é que escolheu a voz de Robert Wyatt?

Porque ele é um génio.

Sente-se confortável na “filial” 130701 da FatCat? Parece quase que esse selo foi criado de propósito para a sua música...

A FatCat é a editora discográfica criativa perfeita.

Trabalhou com a Vashti Bunyan no regresso dela há pouco tempo, produzindo o disco. Como é que foi? Gosta de trabalhar no outro lado da música, o lado não compositor?

Sim, gosto muito disso – entrar dentro do universo musical de outras pessoas. Também, as colaborações são muito divertidas – pode-se aprender tanto com elas.

Está ou esteve em estúdio a trabalhar na banda-sonora de dois filmes, a paródia com a guerra do Iraque Grace Is Gone de James Strouse, com John Cusack, e Hope de Stanislaw Mucha e Krzysztof Piesciewicz. Sei que também está envolvido em outros projectos relacionados com filmes. Qual é a sua relação com o cinema? Como é que se prepara para escrever música para um filme? Os seus discos têm sempre uma sensação cinemática de qualquer das formas…

A música para filmes tem de se cravar às imagens e engrandece-las – esse é o desfio. É uma linguagem totalmente diferente da música, que vive por si própria. Acho que a maior parte do meu trabalho tem uma espécie de sentimento de narrativa – que a conecta com os filmes muito facilmente.

Que tipo de música ouve nestes dias?

Tudo o que anda por aí - actualmente. Zidane OST, Mogwai, Burial, Burial, Gulag Orchestra, Beirut, Horse Feathers, Schubert, String Quartets, Howard Skempton, Piano Music, Skream, esqueci-me do nome do disco, Joanna Newsom, Ys

Em que outros projectos se encontra a trabalhar actualmente? O que é que espera do seu quarto disco? Sente-se alguma vez preso num método?

Não faço a mínima ideia daquilo que vai acontecer a seguir! Sinto-me bastante contente em ficar surpreendido. Actualmente tenho mais filmes planeados, também um projecto para alguns filmes super 8mm de Derek Jarman, e também um projecto com o artista Darren Almond.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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