ENTREVISTAS
Rusty Santos
A nação da imaginação
· 04 Jan 2007 · 08:00 ·
Sem aparato que o denunciasse, eis que Rusty Santos se tornou, a pouco e pouco, num dos mais significantes intervenientes estéticos da mais cativante música dos últimos três anos. Entre o currículo acumulado, Rusty conta com um demarcatório crédito de produção em Sung Tongs, inesgotável disco do Animal Collective, uma mão cheia de discos proveitosamente intuitivos em nome próprio (The Heavens estranha-se e depois entranha-se), gestão triunfante e discreta de uma UUAR especializada na expansão dos horizontes acústicos, além de lugar determinante na impulsão da nova cena de Baltimore (masterizou o encantador e formoso disco da dupla Beach House).

Antes de se prestar a raro concerto a solo na Galeria Zé dos Bois e durante uma estadia lisboeta dedicada à mistura dos novos temas de Panda Bear, Rusty Santos partilhou com o Bodyspace considerações várias sobre o passado recente (passando obrigatoriamente por Eternity Spans) e o futuro próximo. Ficámos a saber que as perninhas portuguesas do Animal Collective são, afinal, duas. Sobejam mais que muitos motivos ao validar de uma emblemática expressão adaptada ao espólio de Neil Young:Rusty Never Sleeps. Não dorme também quem deposita no prodigioso produtor enorme esperança de que venha ele a proporcionar, proximamente, mais exóticos e harmoniosos casamentos entre pop e folk.
Já te encontras em Portugal? Como correu a viagem?

Sim, estou cá. A viagem foi bastante fácil. Não é assim tão mau voar até aqui a partir de Nova Iorque. Ocupa-te a mesma quantidade de tempo que um voo até à Califórnia

Apreciaste a tua primeira estadia por cá (aquando da primeira actuação de Animal Collective no Festival Número de 2003)?

A minha primeira vez foi bastante porreira. Passei cá cinco dias. Desta vez, permanecerei uma semana, mas não creio que venha a ter uma noção completa do que se tem passado por cá. Parece-me bastante profundo.

E que tens feito ultimamente?

Durante os últimos meses, comecei uma nova banda com a minha amiga Mina que deixou Tóquio para vir viver em Nova Iorque. Já compusemos muitas canções, mas ainda não temos um nome para a banda. Estou realmente empenhado – soa bastante diferente de qualquer coisa feita por cada de um de nós até aqui. Também tenho actuado com o Jesse em promoção do Eternity Spans e temos escrito novas canções. Também fui até Osaka para produzir a minha banda favorita – chamam-se Vampillia.

Enquanto construías Eternity Spans, que características tu, o Jesse e o Paul concordaram de imediato em explorar mais dedicadamente? E que outras foram sendo afastadas ao longo do processo?

Criei grande parte da escrita de canções e sons antes mesmo de começarmos a gravar. A mais importante característica, que tentámos capturar, terá sido a energia entre o Jesse e eu, para, depois, transpô-la para um grupo épico de canções que extraísse elementos a uma vasta palete sonora. Talvez tenha sido afastada a crença errónea de que poderíamos fazer com que as canções mais estruturadas soassem a pop.

Podes ser um pouco mais específico acerca do modo como todos os concertos da digressão pelo Japão se foram infiltrando na composição de Eternity Spans?

A digressão japonesa teve inicio logo após termos concluído o disco. Durante esse período tocámo-las quase como surgem no álbum. Também tocávamos algumas versões diferentes de músicas do The Heavens. Depois de regressarmos a Nova Iorque, as músicas foram-se transformando ao vivo, até ao ponto de se terem tornado criaturas diferentes – com uma natureza bem mais agressiva do que a presente em disco.

A faixa “Kasaru Crow”, que inseriste em Outside Versus In (disco de edição de autor), parece-me bem próxima das influências adquiridas em Berlim. Lembras-te ao certo de qual foi a disposição que levou até essa música? Continuas a explorar esse território actualmente?

Penso nesse tipo de músicas como uma peça de “arte pop”, na medida em que foi escrita e gravada durante um surto de inspiração. É um processo em que me sinto mais bem sucedido ultimamente, desde que acompanhado pela nova banda. Escrevi a “Kasaru Crow” muito rapidamente em Kyoto e envolvia aquele tipo de tristeza que surge com a passagem do tempo. Eu estava a pensar à escala de milhares de anos – Kyoto é mais velha que isso.


Sei que irás produzir algumas músicas de Panda Bear durante a tua estadia em Lisboa. Dispunhas de alguma base prévia para as faixas em que irás trabalhar? Como tem corrido isso?

Tem corrido bem. Não sei se “produzir” será a palavra certa. Estamos a misturar o álbum juntos. Gosto imenso das canções e creio que será muito provavelmente o seu melhor material.

Enquanto permaneces por cá, tentarás com o Noah trabalhar em algum material de Together (projecto muito secundário de ambos) ou esse é um âmbito que reservam para ocasiões especiais (passagens de modelos e semelhantes)?

Seria fantástico, mas tenho a sensação de que o nosso calendário já está preenchido com as misturas durante a semana em que cá estou.

Por mera curiosidade, qual é a proveniência do nome Santos?

Provém de Portugal. O lado genealógico do meu pai é Português. Acho que o seu avô era de Lisboa. Estava a pensar nisso esta manhã.

Quais as mais queridas recordações que manténs das sessões de gravação de Sung Tongs?

Lembro-me de muitas coisas ditas pelo Dave e Noah. Tinham algumas frases fascinantes. Penso também na quantidade de espaço que existe no Colorado, onde foi gravado, e como pode ser frio o Inverno em Baltimore, onde foi misturado.

Sei que também participaste nas gravações de Freckle Wars dos Ecstatic Sunshine. Parece-me que foram demasiado negativas as reacções ao disco, que me soa bem energético e preenchido de imaginação. De que forma achas que o disco capta a prestação deles ao vivo? É muito diferente?

Misturei o disco, mas nunca os vi ao vivo. As músicas fazem-me lembrar algumas das melhores faixas obscuras dos Velvet Underground, mas completamente aceleradas. Também masterizei, durante esse mesmo período, um álbum de Beach House que também me fazem lembrar os Velvet Underground, mas de uma maneira completamente inversa, embora igualmente positiva.

Como vieste a remisturar o tema “Campfire” dos Grizzly Bear? E como veio Hisham Baroocha a envolver-se nesse processo?

O Hisham é amigo deles e meu também, e levou isso a que decidíssemos colaborar nisso.

Que última peça de equipamento te surpreendeu pelos excelentes resultados?

Não costumo comprar muito equipamento. Comprei um novo microfone, no início deste ano, que ainda não se partiu – é um AKG C 4000.

Que surpresas nos reserva o calendário da UUAR em 2007?

Espero lançar o disco de Vampillia pela UUAR durante a Primavera. No início de 2007 lançaremos também um best of de R. Stevie Moore (semi-deus lo-fi) compilado pelo Ariel Pink, que também se ocupou do artwork.

Que podemos esperar do concerto na Galeria Zé dos Bois?

Será o primeiro concerto a solo em muito tempo, daí que será bastante diferente dos que tenho tocado com o Jesse. Além de algumas canções do Eternity Spans, acho que quero tocar algum novo material recente que contém alguma energia pop. Esse irá contrastar com a parte mais ambient. Gostaria de alternar entre paisagens sonoras emocionais e canções pop cheias de energia.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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