ENTREVISTAS
Fuzz Townshend
Recordações da Casa Amarela
· 30 Dez 2003 · 08:00 ·
Um rapaz de óculos escuros em tons laranja e amarelo estivais, fio pendurado ao pescoço e camisa vincada, impecável e de manga curta. Um fundo mais carregado a puxar pelo espectro visual, novamente o laranja, agora mais garrido e a servir de moldura para a imagem do rapaz. Um pequeno astro do funk, da electrónica assistida e de um certo lounge com picos de excitação, que já alinhou pelos Pop Will Eat Itself e pelos Bentley Rhythm Ace. Chama-se Fuzz Townshend e esta é a recuperação de uma conversa no início do Outono que agora passa, algures numa localidade imaginária designada por Sunnyville. O pretexto foi o álbum auto-intitulado, editado um ano antes.

Começaste a tocar bateria aos 14 anos. Como conseguias conciliar isso com as tuas obrigações na escola?

Eu comecei a tocar bateria um pouco antes dos 14, quando tinha 11 anos. O meu trabalho escolar não saiu muito prejudicado porque eu não tinha que sonhar com o que viria a ser. Tinha a sorte de estar já a perseguir os meus sonhos. Além disso, era agradável e acolhedor estar na escola depois de quase congelar na carrinha.

Como começaram as coisas com os Pop Will Eat Itself?

Convidaram-me para pertencer aos Pop Will Eat Itself em Dezembro de 1991. Eu estava num bar em Birmingham (no Reino Unido), quando fui abordado pelo Richard March [o baixista da banda] que disse simplesmente “estamos à procura de um baterista. Estás interessado?”. “Sim.”, respondi eu, e o acordo estava concluído. A minha prova de selecção foi uma noite no bar para ver se eu aguentava a parada.

Mais tarde, integraste os Bentley Rhythm Ace...

O Richard e o Mike [Stokes] conheceram-se e tornaram-se almas gémeas. Começaram a compor juntos alguns temas, no estúdio montado na sala de estar do meu apartamento. Eu ouvi aqueles temas alegres e, de imediato, pedi para pertencer à formação. Estar nos Bentley Rhythm Ace nos primeiros anos foi como uma existência de desenho animado, foi fantástico. Um pouco como ser “Yin” para o “S-Club Yan”. Nunca gostei tanto de estar numa banda como naquela altura.

É verdade que já foste jardineiro paisagista, camionista, despachante de correspondência e encarregado do calcetamento de estradas? O que tens a dizer sobre estas ocupações?

Sim, já desempenhei todas essas funções, umas mais duradouras que outras. A parte da correspondência e dos envelopes só durou um dia. Foi o pior emprego que alguma vez tive. Deve certamente haver uma máquina barata capaz de fazer isso. É uma crueldade mental.

Seguiu-se a tua carreira a solo. Nessa altura, enquanto mecânico, dedicaste-te à colecção e restauro de autocarros antigos. Há alguma coisa que não tenhas feito?

A minha outra principal fonte de rendimento consistia em reparar autocarros, uma obsessão de sempre, que explica que eu tenha, neste momento, um estacionado ao fundo do meu jardim. Tirando o dia com os envelopes, nunca trabalhei num escritório. Acho difícil uma pessoa sentir-se verdadeiramente viva, estando confinada a um ambiente isolado de trabalho. Mas, se me perguntarem se não me sinto feliz por passar um dia inteiro dentro de um estúdio, digo então que depende do que se está a passar. Ao olhar para trás, nunca tive um emprego que fizesse muito pelos outros. Talvez tenha que experimentar um dia. Mas quem precisa de um baterista ou de um motorista e mecânico de autocarros em tempo de crise?

Consideras o teu álbum homónimo mais introspectivo do que qualquer outro que gravaste?

Não acho que o meu segundo disco seja introspectivo, de todo. Definitivamente mais observacional, mas não gosto de me pôr a admirar o umbigo. Canções como ‘How Beautiful’ baseiam-se na beleza natural a apoderar-se das coisas quando deixamos os espaços. Algumas pessoas pensam em decadência quando abandonamos partes do nosso mundo construído, enquanto que eu só vejo beleza no retorno da Natureza. Por isso, acho que seria óptimo para nós se abandonássemos o planeta durante um par de anos, para que pudéssemos ver as coisas sob uma outra perspectiva no regresso. A vegetação a desabrochar nos intervalos de uma pista alcatroada num aeródromo é uma vista fabulosa. Estou a envelhecer, por isso observo mais. Faz parte da nossa natureza. O álbum é um pouco mais enraizado do que o primeiro. Estou a adorar usar os primeiros takes de cada instrumento em vez de me preocupar com um refinamento permanente. Esse aperfeiçoamento equivale um pouco a olhar para dentro, portanto penso que poderia dizer-se que todos os outros discos produzidos são introspectivos neste sentido.

Como avalias o grafismo veraneante da capa deste último trabalho?

Prefiro apresentar tons laranja de Verão do que azuis de Inverno, ainda que estes últimos sejam bons com um toque alaranjado vindo de uma lareira.

O que achas do resultado final do vídeo animado que ilustra o tema ‘Sunny Feet’? De quem foi a ideia de Sunnyville?

Eu simplesmente adoro o vídeo do Pete List para ‘Sunny Feet’! Nunca nos conhecemos pessoalmente, mas a primeira vez que falei com ele por telefone, eu estava a trabalhar no meu autocarro no jardim. Ele começou a falar das suas ideias de animação e eu mostrei-me interessado. Desde que comecei a compor discos, sempre desejei ter um vídeo animado e ali estava a minha oportunidade. Espero que, um dia, a canção permita que o vídeo passe mais regularmente. A ideia de Sunnyville foi do Pete. Considero importante deixar as pessoas fluir com as coisas. Acabei por me transformar numa pessoa positiva, na melhor acepção da expressão. E o Pete conseguiu sentir a canção, percebes?

Por que decidiste remisturar ‘Fashion Boy/Fashion Girl’ em duas versões?

Para essas remisturas limitei-me a capturar as minhas vibrações do sítio onde vivo (Moseley, Birmingham) e de Nova Iorque (das minhas visitas lá) e fiz uma mistura fiel a cada cidade, da forma que eu as via. Imagino-me no meio de uma estrada, a olhar o horizonte a média distância num dia encrespado de Outono e a alongar a visão até encontrar um ponto de fuga. A vibração de um cidade é mais clara para mim deste ponto de vista. Acho que é a minha panorâmica preferida de uma cidade, esteja onde estiver.

A tua lista de agradecimentos inclui o staff dos bastidores, os homens do talho, os padeiros e os fabricantes de cotos de velas. Acreditas que o humor desempenha um papel importante na música?

Humor na minha música? Não sei. Tudo o que encontrares na música está lá. Tudo o que diz respeito à vida flui e, espero, pode ser encontrado na minha música. E depois, é melhor pôr um olhar carregado somente quando se está em baixo ou o mundo está às avessas.

Vês-te como uma 24-hour party person?

Sou uma 12-hour party person embora seja flexível. Depende de quantas pessoas estão na festa.

O que podemos esperar do quartel-general de Fuzz Townshend num futuro próximo?

Neste ano eu tenho produzido e tocado nos álbuns de muitos outros artistas (Interfaith, PAMA International, The Nebulae, etc.), mas estou agora preparado para esvaziar a minha mente outra vez. O Rich e o Mike pediram-me que me juntasse a eles e tocasse com os reformados Bentley Rhythm Ace, o que me parece divertido. Também sou pai, o que me exige alguma disponibilidade de tempo. Ah!... e tenho um bar em Birmingham chamado The Rainbow, que dirijo com mais uns amigos. Temos coisas a acontecer naquele espaço, portanto se passares por perto, entra e diverte-te.

Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com

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