ENTREVISTAS
Xiu Xiu
Um haiku por cada cabeça da hidra
· 31 Mai 2006 · 08:00 ·
O contributo artístico de Jamie Stewart para o primeiro livro da recém-formada editora Penny Ante (a conhecer em http://www.penny-ante.net/book.html) representa um reflexo exemplificativo do labirinto existencial que o próprio persiste em explorar – em solilóquio ou acompanhado – a bordo do OVNI emocional conhecido por Xiu Xiu. Ou seja, constam de quatro páginas igual número de imagens reproduzidas a partir de tatuagens de prisioneiros russos que decidiram eternizar na sua pele haikus que versam sobre sexo entre insectos. O resultado de tal bizarra combinação equivale a representações capazes de fazer corar de embaraço as manas Cassidy (e, com isso, diminuir o folclore Cocorosie). Jamie Stewart consegue - com esses desenhos e com a música que actualmente compõe com Caralee Mc Elroy – manter velada e enigmática a mais improvável das conjugações: a da desmesurada entrega confessional avivada pela natureza inconclusiva da hidra de sete cabeças. A cada vez que a entidade Xiu Xiu cessa um processo catártico, eis que se bifurca em assombrações a raiz do problema inicial. A divisão entre temas é, por isso, atómica: é comum assistir por aqui a um teatro de peluches encenado por uma ditadura nervosa, dar conta da ténue separação entre um comportamento belicista e outro passional, reparar no número de colaborações surpreendentes mantidas por Jamie Stewart à margem de Xiu Xiu. Dissipam-se as fronteiras entre sexo e política à mercê de alguém que parece interpretar o envio de tropas norte-americanas para a frente de batalha como um incesto imposto por força de uma causa nacional. Prevê-se disco de cariz político para breve. Na antecipação do lançamento desse mesmo disco - The Air Force - e de uma passagem única por Leiria já no próximo dia 2 de Junho, o Bodyspace manteve um breve mas revelador flirt com a mente criativa de um projecto que obedece, de facto, à neura tal como institucionalizada por Ian Curtis.

Como se tem adaptado Caralee McElroy (desde há algum tempo, membro fixo dos Xiu Xiu) ao material que havia composto sozinho?

Temos tocado juntos desde há alguns anos, daí que ela já tenha tudo bem assente. Ela é muito talentosa.

O que pode adiantar em relação ao futuro álbum (The Air Force)? Como foi colaborar com Greg Saunier (o Deerhoof que produziu e tocou bateria no album escalado para Setembro)?

Terá sido das mais divertidas experiências no que diz respeito a compor música. O Greg é aprofundadamente perspicaz, criativo, aplicado e incansável. Aprendi muito com ele e ajudou-nos a elaborar o nosso melhor disco.

The Air Force parece-me de imediato um título assumidamente camp. Partilhará de algum desse sentido estético?


Não será de todo camp. É uma referência ao crime estéril em que participa a força aérea na guerra contra o eixo do mal. Matam o maior número de pessoas e tomam contacto com a menor parte da morte. O exército pelo menos tem sangue nas mãos, literalmente falando.

Confesso ainda não ter escutado o EP de versões Tu Mi Piaci (lançado recentemente pela Acuarela), mas sei que as suas músicas mantiveram uma linha bem simples e próxima da essência dos originais. Existe um padrão estabelecido no que toca a versões? Acha natural despir a música até ao seu esqueleto neste caso específico?

Não, de todo. É bastante recompensador desconstruir algo até alcançar uma versão, mas achei que seria interessante tentar constantemente cinco canções utilizando apenas instrumento e voz.

Os primeiros anúncios acerca de Tu Mi Piaci davam conta de uma versão de Elliot Smith. Porque razões essa foi preterida? Integrará um futuro lançamento? Chegou a conhecer Elliot ou a ter um contacto próximo com a sua música?

Nunca chegou a ser feita. Nunca o conheci, mas a Caralee é uma grande fã e ficou muito afectada com a sua morte.

Fale-me um pouco mais acerca do projecto de cariz mais ambient, Grouper (que tem em Way Their Crept o seu disco de estreia). Contará com texturas semelhantes às que escutamos em, por exemplo, “Ian Curtis Wishlist”?

É muito lento e escuro. A Liz Harris (mentora do projecto) ocupou-se das vozes e piano. Eu participei com precursão, acordeão e efeitos. Ambos tínhamos imenso pavor de filmes de terror quando éramos crianças e foi em torno desses sentimentos que explorámos os temas do disco.

Uma peculiaridade que estimula diferentes aproximações aos vossos discos está relacionada com o facto de cada label lançar o disco com artworks distintos. Acredita que esses formam um puzzle ou considera uma nova edição apenas como uma excelente oportunidade de renovar o aspecto gráfico do disco?

Assim é apenas porque cada label procura arte diferente para o disco. Gostava de ser suficientemente criativo para pensar neles nos termos que menciona.

Fiquei realmente intrigado com a imagem de uma mulher nua na secção vídeo do vosso site. Associei-a de imediato ao cinema Sueco, aos filmes de Vilgot Sjöman (RIP). Tem alguma ligação a La Forêt? Conduz a alguma pista?

Foi elaborado por um par de artistas visuais alemães para a música “Don Diasco”. Na verdade, a música só começa após 10 minutos de vídeo. Também fizem um vídeo para “Support our Troops”.

Soube da vossa obsessão pelo Blue Album de Weezer. Eu próprio sou obcecado. Em todo o caso, o Pinkerton parece-me muito mais um disco talhado à imagem de Xiu Xiu. Sente-se próximo dessa balada fase de Rivers Cuomo (vocalista de Weezer)? Viesse a escolher uma das suas músicas, qual seria?

Na verdade, tentámos “My Name is Jonas” para o Tu Mi Piaci, mas fracassámos totalmente. Estávamos absolutamente bêbados e tivemos de a retirar do disco. Enquanto uma obra de arte, o Pinkerton parece-me um melhor disco, mas para escutar numa travessia do Texas e mandar um mundo à merda o Blue Album é a escolha perfeita.

O que o levou a contribuir com música para o DVD How To de Graw e Böckler? Ainda se dá bem com Yoshio Machida (patrão da japonesa Amorfon)?

A imagem que mencionou há pouco está incluída nesse DVD. Conhecemo-nos em Colónia (Jamie e a dupla Graw / Böckler). São extremamente talentosos. Fiz uma digressão a solo pelo Japão com o Yoshio e temos trocado discos. Ele é uma pessoa inspirada. Tenho um grande respeito por ele. Ele tem um gato gigante.

Não consigo deixar de associar a música de Xiu Xiu com o Roman Porno japonês e os filmes da Nikkatsu. Aprecia esse género de cinema? A que tipo de filmes gostaria de proporcionar uma banda sonora?

Tenho de aprender mais sobre eles. Não os conheço. Talvez pudéssemos desenvolver música para documentários sobre a natureza.

Que tipo de relação mantêem com a Acuarela? Aproximam-vos do público espanhol?

Aproximam-nos de uma sensação de inebriamento.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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