ENTREVISTAS
Mono
Senhores saudade
· 27 Set 2012 · 01:35 ·
© Teppei
Que o Japão é terra fértil para inúmeras experiências musicais não existem dúvidas - basta relembrar o muito psych que por lá se fez nas décadas de sessenta e setenta. Nos últimos anos, uma espécie de "nova vaga" tem suplantado a questão geográfica e o estereótipo induzido pela J-Pop e feito nome em território ocidental; são os casos, entre outros, dos Boris, dos Maximum The Hormone, dos Guitar Wolf e dos Mono, cujo frontman, Takaakira Goto, falou connosco por e-mail, uma conversa que agora transcrevemos. Isto foi o que uma das melhores bandas de rock instrumental da actualidade teve para nos dizer sobre o seu mais recente disco, emocional como todos os seus registos o têm sido; For My Parents é talvez demasiado belo para um mundo que se encontra em crise - mas ao mesmo tempo, e devido a isso, absolutamente necessário. Parem, escutem, sintam.
Vocês lançaram um novo disco este ano e de momento andam em tour. Que expectativas têm para ambos? Como tem reagido o público aos temas novos?

Esperamos que as pessoas sintam uma qualquer ligação com o disco e criem o seu próprio significado para a música à medida que ouvem. Creio que algumas preferirão a versão antiga, mais sombria e barulhenta dos Mono porque ainda não estão habituadas às novas canções. No entanto, e até agora, os fãs que encontrámos na estrada têm-nos dado uma resposta tão positiva que tem sido encorajador. Também tem havido um maior airplay em estações de rádio universitárias, e é sempre bom saber que há pessoas mais novas que nos estão igualmente a ouvir.

O For My Parents pareceu-me ter, desde logo, um significado muito emotivo. Em que pensavam enquanto gravavam? Que tipo de sentimentos querem que as pessoas dele retirem?

A história por detrás do álbum é simplesmente esta: eventualmente, perderemos aquilo que nos criou. É a lei da natureza. Fui inspirado pela ideia de um jovem rapaz a crescer e a aprender como amparar os pais à medida que envelhecem. Após anos de exploração, à procura de nós próprios, e a compor peças, demos-nos conta de que tínhamos mais questões do que respostas. Quando não conseguimos encontrar estas respostas no mundo exterior, virámos-nos para dentro, voltámos às nossas raízes. O For My Parents é algo que queríamos fazer enquanto tínhamos essa oportunidade. Esperamos que este álbum consiga captar aquilo que não se consegue explicar por palavras aos pais.

...e no entanto, apesar de toda esta emoção que parece emanar do disco, é a primeira vez em oito anos que não é um álbum gravado pelo Steve Albini, de quem disseram uma vez ser «o melhor engenheiro de som para capturar as emoções cruas de uma banda numa fita». Que motivou esta mudança, e quão satisfeitos estão com o trabalho do Henry Hersch e do Fred Weaver? Como vos ajudaram eles a alcançar o que pretendiam?

Iremos sempre adorar e respeitar o Steve Albini. Foi, apenas, importante para nós tentar algo que não nos fosse familiar, e daí que tenhamos procurado outro produtor. Era uma forma de nos desafiarmos. O estúdio do Henry tem uma atmosfera muito especial e espiritual. Usámos fita magnética e uma mesa de som vintage para que soasse mesmo emotivo. Depois levámos essas faixas separadas ao nosso amigo de longa data, o Fred Weaver, para que as misturasse na Pensilvânia. Finalmente, o Bob Weston, dos Shellac, tratou da masterização. Estamos muito agradecidos a todos eles e bastante satisfeitos com o álbum.

A primeira faixa do For My Parents, "Legend", tem um vídeo que retrata uma viagem pela Islândia. Porquê este país, que vos fascina tanto no mesmo?

O Henry Jun Wah Lee, o realizador, veio falar connosco sobre essa ideia de utilizar a Islândia, e nós ficámos bastante excitados por colaborar com ele, porque confiamos no talento dele e achamos a Islândia um dos locais mais míticos do planeta. As sequências que ele captou lembraram-me que ainda existem sítios belíssimos, que nem o Homem nem o tempo conseguiram afectar. A terra, as nuvens, as formações geológicas transbordam um espírito transcendental.



Para além de "pós-rock", que é um rótulo que sei que vocês não apreciam, as pessoas tendem a falar na vossa música como "cinemática", ainda mais neste novo disco, e já em entrevistas anteriores expressaram a vossa admiração e influência por realizadores como o Lars Von Trier. Houve algum filme ou filmes, em concreto, que inspiraram o For My Parents? Qual foi o último filme que vos deixou maravilhados?

Não consigo pensar num filme recente, assim de cabeça. Estou intrigado com o Beasts Of The Southern Wild, que ainda não vi (não tinha estreado no Japão antes de sairmos para tour). Alguém me contou que a história é sobre largarmos aquilo que nos criou, e colocarmos-nos junto do local que nos criou. São questões que coloquei à medida que compunha as canções.

Com o tempo, incorporaram vários elementos de música clássica no vosso trabalho, e abordam-na plenamente neste disco e no último (Hymn To The Immortal Wind), bem como na vossa colaboração ao vivo com a Wordless Music Orchestra em 2010. Considerando que não existem mudanças abruptas entre estes registos, sentem que encontraram um "som Mono", isto é, o tipo de música que sempre quiseram fazer, ou existe espaço no futuro para mais experiências? Que direcção vêem a música dos Mono tomar daqui a dez ou vinte anos?

Creio que iremos sempre tentar criar com uma mente e espírito abertos. Tudo isto é parte do nosso crescimento e evolução, mas haverá sempre espaço no futuro para experiências. Tudo se resume essencialmente a confiarmos nos nossos instintos, a sentir mais e a pensar menos. Daqui a vinte anos espero que ainda estejamos a tocar, a aproximarmos-nos do centro daquilo que estejamos a tentar dizer sem recorrer às palavras.



Apesar das vossas afinidades pela música clássica, ainda são uma banda rock. Acham que os artistas ligados ao rock n' roll irão, daqui a décadas, ser encarados com a mesma reverência que compositores tal qual Beethoven ou Rachmaninoff? À medida que mais e mais barreiras musicais se quebram, e, ao mesmo tempo, estereótipos como "o rock é para adolescentes" começam a desaparecer, o género atingirá o mesmo estatuto de "alta arte"? Ou acreditam que já o fez, ou que não deverá atingi-lo de todo?

Não tenho a certeza. Estou certo de que alguns artistas rock serão vistos da mesma maneira que compositores clássicos. As linhas entre géneros estão a desfazer-se cada vez mais, mas não tenho certezas quanto ao estatuto de "alta arte".

Sendo alguém que acredita que a música pode transcender barreiras culturais, que acham que pode fazer a música, especialmente a vossa música, no contexto de crise em que nos encontramos (tensão entre o Japão e a China, crise económica na Zona Euro, protestos no Médio Oriente...)?

Acredito que a música é uma ponte onde as pessoas se podem encontrar e interagir. Se a música pode derrubar as fronteiras de país, classe, política, e tudo entre elas, então é verdadeiramente um milagre. Existem tantas coisas que nos dividem. A música, e muitas outras formas de arte, têm essa capacidade de apagar as linhas que nos dividem. No fim das contas todos os seres humanos são feitos do mesmo material.

A música dos Mono tem no geral um sentimento fortemente melancólico. Nós portugueses temos este conceito a que chamamos "saudade", que é uma sensação de perda e nostalgia em relação a alguém que pode não voltar ou algo que não podemos reviver. Ao mesmo tempo, os japoneses têm o conceito de mono no aware, que me parece bastante semelhante, mas mais gentil, isto é, de uma perda que se aceita como inevitável. Comparando a vossa música a estas emoções, preferem ser vistos como uma banda de "música triste", ou de "música alegre"? Ou depende de quem ouve?

Depende mesmo de quem ouve. Através do sentimento melancólico, espero que encontrem alguma paz de espírito e esperança. O sentimento que esperamos transmitir é o de encontrar a luz após percorrer a escuridão.

Olhando para os últimos treze anos de existência, que consideram o grande feito dos Mono?

Ainda estarmos juntos enquanto banda, continuarmos a fazer música e interagir com os fãs. São os nossos grandes feitos.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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