ENTREVISTAS
Filipe Raposo
Água mole em pedra dura
· 05 Jan 2012 · 00:32 ·
O press release do disco diz que este lançamento é baseado em composições que combinam a matriz da música tradicional e a música contemporânea. Como é viver entre estes dois mundos?
Viver entre estes dois mundos, é habitar um espaço poético onde se estabelece um paralelismo entre o passado e o presente. Refiro-me a um espaço poético de encontros, de referências humanas e artísticas, de grandes partilhas que me transformaram e moldaram enquanto criador… na matriz da música tradicional encontro os pilares que servem de base ao grande “edifício” que é a música erudita contemporânea, concluindo desta forma, que não poderá haver erudição sem tradição.
Foi complicado chegar a este disco de estreia? Quanto tempo demorou a definir o resultado final?
First Falls, é disco que sintetiza 20 anos de aprendizagem, de descobertas, de encontros e desencontros, é sem dúvida uma viagem sobre o meu percurso académico e artístico, que passa desde a minha génese enquanto Homem, e aqui evoco o canto ancestral, que irremediavelmente ouço nos ritmos dos Bombos de Lavacolhos, ou nas Adufeiras de Monsanto, passando pela música erudita, que é a minha tomada de consciência dos baluartes da música ocidental erudita (e evoco no disco a música de J.S.Bach, F.Schubert ou G.Fauré) e finalmente a minha afirmação enquanto compositor, que tanto está presente nas minhas composições, como na improvisação que cada tema inicia.
Contar com músicos como o Carlos Bica e o Yuri Daniel na estreia tornou tudo um pouco mais fácil?
Contar com a presença destes colegas e amigos que muito estimo (quer humanamente quer musicalmente) obviamente facilita este processo… refiro-me a todos os músicos que optei por trabalhar: Carlos Bica (contrabaixo), Yuri Daniel (contrabaixo, fretless), Vicki Marques e Carlos Miguel (bateria), Hugo Fernandes (violoncelo), Lars Arens (eufónio). São realmente músicos excepcionais e de grande sensibilidade artística, que tornaram First Falls possível, ampliando a música presente.
A metáfora que serve este disco é a da água que junta “momentos, sabedorias e afectos”. Como se pode explicar melhor a relação entre este disco, a forma como foi feito, e a água?
A metáfora da àgua (First Falls – “primeiras chuvas”), encerra em si própria uma poética que nos transcende. As “primeiras chuvas” que só podem acontecer depois de todo um processo de evaporação/condensação e que finalmente se efectiva em chuva, serve na perfeição para descrever aquilo que considero ser o processo criativo. As “chuvas” que agora caiem, são precisamente fruto deste amadurecimento artístico que demora tempo, como se de uma “colheita musical” se tratasse… é aquilo a que chamo: o eterno retorno do conhecimento – recebemos primeiramente para depois retribuir.
No press release do disco também se pode ler: “evaporando foram as minhas influências culturais e referências musicais, que hoje devolvo nesta colheita de chuvas”. Como é verter tudo isso num disco e mostrá-lo ao público?
Quando referenciei a minha música como espaço poético, não refiro à poesia exclusivamente enquanto género literário. A poesia para mim, também é a tomada de consciência de um Eu colectivo… é a consciência do mundo e ao mesmo tempo, uma forma muito particular de me relacionar com a realidade. Tornar este disco público é para mim, mostrar a minha música – mostrar a minha realidade.
A improvisação é uma escolha ou quase uma omissão? Aprendeu muito com músicos como o João Paulo Esteves da Silva, Jans Thomas, George Cables, Nicholas McNair?
Aprendi muito com as partilhas generosas que cada um destes músicos possibilitou… Obviamente faltariam muitos outros colegas nesta lista, que se tornaria imensamente extensa… o facto do João Paulo Esteves da Silva estar em primeiro plano prende-se com o facto de me relacionar intimamente com a sua forma poética de estar na música. Esta visão abstracta, possibilitou-me ampliar aquilo que se chama – momento poético. Transformar os sons musicais em poesia, numa espécie de alquimia sonora.
Ao longo do tempo assinou colaborações como músico e arranjador com nomes como a Amélia Muge, José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias, Sérgio Godinho, Janita Salomeé, Vitorino, João Afonso, Yuri Daniel, Tora Tora Big Band. Deu para aprender muita coisa com estas experiências?
São estas experiências que possibilitaram o meu crescimento humano e artístico… não são apenas experiências musicais (e aqui teria que referenciar cada um destes criadores demoradamente), são sobretudo partilhas que têm como denominador comum, o cunho Humanista como base. Partilhámos e partilhamos música, poesia, histórias e história… Não há Homem sem passado, e estas experiências são pontes que se estabelecem entre passado / presente e futuro.
Na Cinemateca Portuguesa, improvisa sobre os clássicos do cinema mudo. Como começou essa experiência e que tipo de prazer retira dela?
A viagem musical pelo cinema mudo (na Cinemateca Portuguesa), surgiu à quase 10 anos, a convite da Neva Cerantola, a propósito de vários ciclos de cinema dedicados a diferentes autores do cinema primitivo – F.W.Murnau, D.W.Griffith, V.Sjostrom, C.Chaplin, B.Keaton… Partindo de um discurso musical improvisado, baseado em leit-motivs definidos, estabeleci a tal “ponte” entre o passado e o presente, através da música, com a qual tento apenas “ilustrar” musicalmente, as imagens que me são sugeridas. É de facto uma experiência artística muito gratificante, e talvez uma das mais simbólicas.
Presumo que haja muita vontade de mostrar este disco pelo país fora…
O disco tem sido mostrado, muito antes de ter sido lançado, não só pelo país, mas também em festivais de Jazz noutros países. Parte do repertório que escolhi para o disco, fez parte de alinhamentos usados nestes mesmos concertos, tocados a trio ou até mesmo a solo. No alinhamento que tenho previsto para a Culturgest - 14 Janeiro – 2012, é dedicado exclusivamente ao disco – First Falls – onde irei contar com a presença de duas formações em trio: Carlos Bica e Carlos Miguel, Yuri Daniel e Vicky Marques.
André GomesViver entre estes dois mundos, é habitar um espaço poético onde se estabelece um paralelismo entre o passado e o presente. Refiro-me a um espaço poético de encontros, de referências humanas e artísticas, de grandes partilhas que me transformaram e moldaram enquanto criador… na matriz da música tradicional encontro os pilares que servem de base ao grande “edifício” que é a música erudita contemporânea, concluindo desta forma, que não poderá haver erudição sem tradição.
Foi complicado chegar a este disco de estreia? Quanto tempo demorou a definir o resultado final?
First Falls, é disco que sintetiza 20 anos de aprendizagem, de descobertas, de encontros e desencontros, é sem dúvida uma viagem sobre o meu percurso académico e artístico, que passa desde a minha génese enquanto Homem, e aqui evoco o canto ancestral, que irremediavelmente ouço nos ritmos dos Bombos de Lavacolhos, ou nas Adufeiras de Monsanto, passando pela música erudita, que é a minha tomada de consciência dos baluartes da música ocidental erudita (e evoco no disco a música de J.S.Bach, F.Schubert ou G.Fauré) e finalmente a minha afirmação enquanto compositor, que tanto está presente nas minhas composições, como na improvisação que cada tema inicia.
Contar com músicos como o Carlos Bica e o Yuri Daniel na estreia tornou tudo um pouco mais fácil?
Contar com a presença destes colegas e amigos que muito estimo (quer humanamente quer musicalmente) obviamente facilita este processo… refiro-me a todos os músicos que optei por trabalhar: Carlos Bica (contrabaixo), Yuri Daniel (contrabaixo, fretless), Vicki Marques e Carlos Miguel (bateria), Hugo Fernandes (violoncelo), Lars Arens (eufónio). São realmente músicos excepcionais e de grande sensibilidade artística, que tornaram First Falls possível, ampliando a música presente.
A metáfora que serve este disco é a da água que junta “momentos, sabedorias e afectos”. Como se pode explicar melhor a relação entre este disco, a forma como foi feito, e a água?
A metáfora da àgua (First Falls – “primeiras chuvas”), encerra em si própria uma poética que nos transcende. As “primeiras chuvas” que só podem acontecer depois de todo um processo de evaporação/condensação e que finalmente se efectiva em chuva, serve na perfeição para descrever aquilo que considero ser o processo criativo. As “chuvas” que agora caiem, são precisamente fruto deste amadurecimento artístico que demora tempo, como se de uma “colheita musical” se tratasse… é aquilo a que chamo: o eterno retorno do conhecimento – recebemos primeiramente para depois retribuir.
No press release do disco também se pode ler: “evaporando foram as minhas influências culturais e referências musicais, que hoje devolvo nesta colheita de chuvas”. Como é verter tudo isso num disco e mostrá-lo ao público?
Quando referenciei a minha música como espaço poético, não refiro à poesia exclusivamente enquanto género literário. A poesia para mim, também é a tomada de consciência de um Eu colectivo… é a consciência do mundo e ao mesmo tempo, uma forma muito particular de me relacionar com a realidade. Tornar este disco público é para mim, mostrar a minha música – mostrar a minha realidade.
A improvisação é uma escolha ou quase uma omissão? Aprendeu muito com músicos como o João Paulo Esteves da Silva, Jans Thomas, George Cables, Nicholas McNair?
Aprendi muito com as partilhas generosas que cada um destes músicos possibilitou… Obviamente faltariam muitos outros colegas nesta lista, que se tornaria imensamente extensa… o facto do João Paulo Esteves da Silva estar em primeiro plano prende-se com o facto de me relacionar intimamente com a sua forma poética de estar na música. Esta visão abstracta, possibilitou-me ampliar aquilo que se chama – momento poético. Transformar os sons musicais em poesia, numa espécie de alquimia sonora.
Ao longo do tempo assinou colaborações como músico e arranjador com nomes como a Amélia Muge, José Mário Branco, Fausto Bordalo Dias, Sérgio Godinho, Janita Salomeé, Vitorino, João Afonso, Yuri Daniel, Tora Tora Big Band. Deu para aprender muita coisa com estas experiências?
São estas experiências que possibilitaram o meu crescimento humano e artístico… não são apenas experiências musicais (e aqui teria que referenciar cada um destes criadores demoradamente), são sobretudo partilhas que têm como denominador comum, o cunho Humanista como base. Partilhámos e partilhamos música, poesia, histórias e história… Não há Homem sem passado, e estas experiências são pontes que se estabelecem entre passado / presente e futuro.
Na Cinemateca Portuguesa, improvisa sobre os clássicos do cinema mudo. Como começou essa experiência e que tipo de prazer retira dela?
A viagem musical pelo cinema mudo (na Cinemateca Portuguesa), surgiu à quase 10 anos, a convite da Neva Cerantola, a propósito de vários ciclos de cinema dedicados a diferentes autores do cinema primitivo – F.W.Murnau, D.W.Griffith, V.Sjostrom, C.Chaplin, B.Keaton… Partindo de um discurso musical improvisado, baseado em leit-motivs definidos, estabeleci a tal “ponte” entre o passado e o presente, através da música, com a qual tento apenas “ilustrar” musicalmente, as imagens que me são sugeridas. É de facto uma experiência artística muito gratificante, e talvez uma das mais simbólicas.
Presumo que haja muita vontade de mostrar este disco pelo país fora…
O disco tem sido mostrado, muito antes de ter sido lançado, não só pelo país, mas também em festivais de Jazz noutros países. Parte do repertório que escolhi para o disco, fez parte de alinhamentos usados nestes mesmos concertos, tocados a trio ou até mesmo a solo. No alinhamento que tenho previsto para a Culturgest - 14 Janeiro – 2012, é dedicado exclusivamente ao disco – First Falls – onde irei contar com a presença de duas formações em trio: Carlos Bica e Carlos Miguel, Yuri Daniel e Vicky Marques.
andregomes@bodyspace.net
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