ENTREVISTAS
Six Organs of Admittance
O voo do rouxinol
· 05 Mar 2005 · 08:00 ·
Com um contrato com a Drag City, um novo disco maravilhoso entre mãos e atenções voltadas para a chamada New Weird America, 2005 pode vir a ser o ano de Ben Chasny. School of the Flower é mais um marco numa discografia já extensa e acrescenta novos territórios à música deste mestre das cordas de aço que é também um dos magos do fuzz Comets on Fire.
"School of the Flower” é o teu álbum mais polido. Foi o teu primeiro disco gravado em estúdio. Como é que foi gravá-lo?

Gravei num estúdio fantástico gerido por duas pessoas incríveis (Jessica Ruffins e Bill Skibbe), muito abertos à experimentação. Gravámos tudo em analógico e o Bill gastou muito tempo a cortar e a colar fitas e a fazer loops de cassete. Dormi lá durante uma semana, sem distracções. Foi muito bom.

A julgar pelo press release do novo álbum, é de supor que não gostes que chamem à tua música folk. Dizes “fuck folk!”. Porquê?

Provavelmente estava mal-humorado quando escrevi isso. Não sinto mesmo isso, mas às vezes sim. Não me importo que me chamem folk, desde que a pessoa que diz isso aceite que qualquer música feita pelas pessoas para as pessoas como música folk. Isso inclui bandas como Sonic Youth, Hendrix ou Casper Brotzmann.

O disco saiu pela Drag City. Como é que tiveste a oportunidade de trabalhar com uma editora maior?

Eles contactaram-me e perguntaram se queria gravar um disco. Foi fantástico. Adoro a Drag City. Apoiam bastante e são adoráveis. É como uma nova família!

Gostas de ter maior visibilidade?

A nova visibilidade não significa muito para mim. Continuarei a fazer música quando ninguém quiser saber.

Como é que foi gravar com o Chris Corsano?

Prefiro free jazz ao jazz que tenho que pagar imenso dinheiro para ver. O Chris é o meu baterista preferido no mundo, bem como um dos gajos mais doces do universo. Foi fantástico!

Quando é começaste a fazer música?

Acho que tinha 14 anos. Tocava baixo numa banda punk. Curiosamente foi com o baterista dos Comets on Fire. Não éramos grande coisa. Acho que o me inspirou para fazer música foi simplesmente estar sempre a ouvir a música dos meus pais. Estavam sempre com algo a tocar na aparelhagem…

John Fahey parece ser o artista mais recordado do momento no underground. Glenn Jones, Jack Rose, Richard Bishop, Steffen Basho-Jungans e tu estão a fazer coisas novas usando alguns dos ensinamentos de Fahey. Qual é a importância de Fahey na tua música e vida?

Não ligo muito a Fahey. Ouço-o ocasionalmente, mas sou um fã muito maior do trabalho inicial de [Leo] Kottke, [Bert] Jansch, Peter Walker e Nick Drake. Acho que o culto à volta de Drake ofuscou o fantástico guitarrista que ele é. Gosto, contudo, da forma como John Fahey viveu. Não cedeu em nada. E houve vezes em que dormia no carro e John Fahey foi o meu santo patrono da vagabundagem e do cansaço.

Tens percorrido o mundo em tournée. Isso influencia a escrita de canções?

Um pouco. Tudo influencia. A música de outros países influencia-me também.

“Lisboa” é sobre o quê?

Essa canção é para o ar e pessoas e mar e para a paz. Mas é sobretudo em memória de Carlos Paredes.

O que pensas sobre Carlos Paredes?

Acho que devia ser conhecido no mundo inteiro. Toda a gente que fala de Fahey devia começar a falar de Paredes também. Também penso que os músicos de todo o mundo podiam aprender algumas coisas sobre ser humilde através de Paredes. Mas isto são apenas observações superficiais. Sobre a música: apaixonei-me pela forma como as linhas melódicas dele se arqueiam para depois pousar num sonho tranquilo, como um rouxinol que passa por entre as flores de um jardim e, de repente, pousa na terra e põe-se a olhar o sol. Mas é como se o sol de Paredes tivesse sempre uma nuvem por perto. Por vezes, a nuvem põe-se em frente ao sol e noutra vezes a nuvem afasta-se do sol. Mas está sempre por perto. Por vezes, a nuvem ocupa o céu inteiro com movimentos melancólicos profundos! Mas o rouxinol voa sempre.

Que outras memórias guardas de Portugal?

Lisboa é muito parecida com São Francisco. Por isso, senti-me em casa. Por outro lado, há um sentido forte de história que falta na América. E as pessoas são bonitas e a comida é maravilhosa, as ruas são fantásticas. Adorava vir a viver lá um dia.


Tens planos de voltar a tocar em Portugal?

Estou a tentar tocar aí em Abril [NR: A Pitchforkmedia adianta que Chasny actua no Lux, em Lisboa, no dia 21 desse mês]. Vamos ver… Gostava mesmo de vos visitar uma vez por ano, nem que tenha que tocar na rua para ganhar uns trocos.

Nunca se falou tanto em free folk ou na tal América estranha (apelidada de New Weird America por David Keenan na revista Wire). O que é que achas que une tantos artistas diferentes?

Isso está a acontecer em todo o mundo. Não é um fenómeno apenas americano. Há música fantástica a sair do Reino Unido, Finlândia, Japão, de todo o lado! E muitas destas pessoas têm ligações. É uma acção a nível mundial. É por isso que não reconheço o termo New Weird America.

Que artistas actuais mais admiras?

Neste momento, a minha banda preferida são os Om, com o baterista e baixista dos Sleep. Muito pesados. Sou um grande fã de tudo o que o Stephen O’Malley faz, especialmente nos Khanate e nos sunn O)).

O teu ritmo de edições é alucinante. Nunca ficas sem ideias?

Quando não tiver nada a dizer, desisto. Por vezes, penso que estou a gravar o meu último disco, mas depois aparecem sons na minha cabeça para o próximo e tenho que deixá-los sair senão enlouqueço.

Compathia é provavelmente o teu disco mais distinto. Tem várias canções belíssimas com estruturas próximas do formato canção. Como é que surgiu?

Esse disco foi muito influenciado por Nikki Sudden. Acho que só ouvia isso no ano anterior à gravação do “Compathia”.

Como é que foi trabalhar com David Tibet no Manifestation?

Foi maravilhoso. O David é incrível. Vou contar-te uma coisa: o David é um dos tipos mais engraçados que conheci. As pessoas provavelmente não pensariam isso, conhecendo as suas letras e música, mas o David está sempre a contar piadas. E é um bom amigo. Na verdade, ele apenas ligou-me. Acabámos a falar dos Wishbone Ash, que o David adora. Ele tem muitos segredos.

É engraçado que também toques nos Comets on Fire que são uma banda totalmente diferente. “Blue Cathedral” é um dos melhores álbuns rock que ouvi no ano passado. Como é que estão as coisas nos Comets?

Está tudo óptimo. Estamos a escrever material novo que vai soar diferente do anterior. Somos grandes amigos e a banda tem uma vida própria. Não podemos controlá-la agora. Não podemos desistir mesmo quando queremos fazê-lo. É como um monstro.

Quais são as principais diferenças entre fazer música numa banda ou sozinho?

Há muito mais cerveja nos Comets on Fire. Essa é a principal diferença. Também há mais pessoas a trazer ideias.

Queres fazer alguns comentários finais?

Apenas queria agradecer e dizer que és um filho da puta sortudo por viver em Portugal!
Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
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