ENTREVISTAS
Sam The Kid
Puto esponja
· 26 Fev 2007 · 08:00 ·
© Ana Gilbert
Ao quarto disco, saíste do teu quarto e foste para um estúdio gravar. Quiseste elevar a fasquia?
Quis experimentar e fazer pela primeira vez um álbum sem desculpas. Os meus álbuns anteriores eram discos em que dizia "Dá um desconto, gravei em casa, a qualidade não está muito fixe". Havia pessoas que gostavam de mim e eu suspeitava se seria por ser uma coisa artesanal. Quis fazer um álbum sem desculpas, com todos os meios possíveis
Como é que olhas para os discos anteriores? Sentes-te confortável com eles?
Não oiço os meus discos de rimas anteriores. O de instrumentais [Beats Vol. 1: Amor] ainda consigo ouvir. São coisas que, pela altura em que saíram, não me envergonham. Se resistiram ao tempo é outra questão. Se o Entre(tanto) [1999] e o Sobre(tudo) [2002] saíssem hoje não estavam a altura. O álbum de instrumentais ainda estaria à altura.
A recepção ao novo álbum foi muito boa. Lideraste tudo o que era tabelas de melhores discos nacionais…
Fico contente, mostro à minha mãe para ela se sentir orgulhosa. Mas tenho que ser coerente, se as mesmas pessoas disserem que um próximo disco é o pior do ano. Considero a opinião dessas pessoas, como considero as opiniões de fãs normais de hip hop não especializados em jornalismo.
Como é que foi o processo de fazer o disco? Levaste quatro anos.
Grande parte do álbum foi previamente pensada. Já estava no estúdio a saber que estava a gravar faixas para o álbum. Quando estamos em casa, gravamos faixas que depois inserimos num contexto. O álbum de instrumentais teve um história, mas isso não quer dizer que quando fiz os beats estava a pensar num fio condutor. Neste caso, já pensei muito no álbum previamente.
É o disco em que tens mais convidados. Foste ambicioso?
Como estive quatro anos a fazer o álbum, tive muito tempo para pensar. Quando fazes as coisas em casa, é a coisa do momento: quem está é quem entra, quando a música já está boa fecha-se a loja. Aqui, foram-se limando as arestas. São quatro anos a adormecer com as músicas e a pensar o que é que poderia estar melhor. Há uma coisa muito contraditória: é o meu álbum mais pessoal.
É um disco muito auto-biográfico, com samples de gente a falar de ti nos órgãos de comunicação social ou o teu pai a ler um poema. És um arquivista?
Agora estou um bocado desleixado, mas tenho um arquivo muito vasto. Com o tempo aprendi a não apagar nada. Quando se está no modo de gravar um álbum, volto a ouvir essas coisas. É pensar o que é que se adequa a cada tema. Por vezes, dão mote a um tema.
Há presenças em samples ou como convidados de gente como Rui Veloso, António Pinho Vargas, Carlos Bica. Noto um padrão: são artistas portugueses.
Para ter identidade na minha música, sempre tentei trazer a música portuguesa para o meu mundo, que é, só por si, considerado muito americanizado.
Tens um método de trabalho privilegiado?
Não tenho, mas, ao mesmo tempo, estou sempre a criar, a pensar, sempre esponja, nunca meto o botão off. Nesse aspecto considero-me um artista a 100%, não é part-time. Neste momento estou com três músicas para participar em discos. Tenho andado o dia todo a pensar. Não estou parado com uma caneta na mão.
Qual é a tua relação com a MPC, a máquina em que fazes música?
É um aparelho espectacular. Não são as coisas mais avançadas que fazem as músicas. O que eu preciso para fazer música está ali. Quando se liga a máquina não há ali som nenhum, és tu que tens que os pôr lá e depois sequenciá-los, cortá-los e brincar com eles. Eu falo mesmo com a máquina. É como uma pessoa: podes conhecer a máquina há bastantes anos mas ela tem coisas lá dentro que não sabias.
Como começou a tua relação com o hip hop?
Um amigo meu mostrou-me uma cassete de videoclips, o MTV Raps. Fiquei fascinado. O que eu gostava e ouvia era música pop, aqueles projectos tipo Vanilla Ice, MC Hammer, Technotronics e essas tangas.
Isso foi por volta de que ano?
O momento de viragem em que me apaixonei mesmo foi 1993.
Quando é que começaste a fazer rap e produções?
Por volta da mesma altura.
E hoje, como está a relação com o hip hop?
Mal. Há uma coisa que está na Net, que é um DJ que se arriscou a juntar durante 50 minutos pedaços de 800 músicas – aquilo retrata a história do hip hop. Há ali uma fase – 1993, 94 e 95 – em que é só grandes sons. Depois desse pico as minhas reacções de wow! começam a ser mais esporádicas. A qualidade vai descendo. A última música que o DJ passa é uma nova do Nas, que se chama Hip hop is dead e até parece uma mensagem subliminar…
Esse declínio existe a um nível mainstream ou mais underground?
É em tudo. É claro que existe bom hip hop, mas tens que tirar muita merda de cima para chegares lá abaixo e tirares dali uma música à maneira. Os beats em 93, 94, 95 eram grandes sons, os grupos tinham mais identidade e traziam algo para a arte, para o hip hop. Hoje em dia é uma indústria que vive muito à pala dos produtores. O produtor hoje tem um papel tão relevante ou maior que o próprio rapper. Há pessoas que compram um disco por ser produzido por Neptunes e sem conhecer o rapper. O pior é que os Neptunes produzem 10 grupos que estão a sair na altura e acabam por monopolizar a variedade de sons. Disse Neptunes, mas podia ter dito outra coisa qualquer.
Vejo o Pratica(mente) como o disco mais adulto da história do hip hop nacional. Achas que a evolução do hip hop português está a ir no sentido mais positivo? Como vês a massificação do género?
Tem [um lado] bom e mau. Há muitas pessoas que lançam um disco de hip hop porque está na moda. Mas com essa massificação três miúdos podem continuar a fazer rap. A maior parte do nosso público é jovem (nós vamos crescendo e eles ficam jovens à mesma) e às vezes não consegue compreender as referências de onde vimos. Há muitas más interpretações.
Depois de um Beats Vol. 1: Amor, é de esperar um segundo volume de temas instrumentais?
Já tenho aqui muita coisa. O mais difícil é montar o puzzle, contar a história. É preciso tomar decisões, haver critérios.
Pedro RiosQuis experimentar e fazer pela primeira vez um álbum sem desculpas. Os meus álbuns anteriores eram discos em que dizia "Dá um desconto, gravei em casa, a qualidade não está muito fixe". Havia pessoas que gostavam de mim e eu suspeitava se seria por ser uma coisa artesanal. Quis fazer um álbum sem desculpas, com todos os meios possíveis
Como é que olhas para os discos anteriores? Sentes-te confortável com eles?
Não oiço os meus discos de rimas anteriores. O de instrumentais [Beats Vol. 1: Amor] ainda consigo ouvir. São coisas que, pela altura em que saíram, não me envergonham. Se resistiram ao tempo é outra questão. Se o Entre(tanto) [1999] e o Sobre(tudo) [2002] saíssem hoje não estavam a altura. O álbum de instrumentais ainda estaria à altura.
A recepção ao novo álbum foi muito boa. Lideraste tudo o que era tabelas de melhores discos nacionais…
Fico contente, mostro à minha mãe para ela se sentir orgulhosa. Mas tenho que ser coerente, se as mesmas pessoas disserem que um próximo disco é o pior do ano. Considero a opinião dessas pessoas, como considero as opiniões de fãs normais de hip hop não especializados em jornalismo.
Como é que foi o processo de fazer o disco? Levaste quatro anos.
Grande parte do álbum foi previamente pensada. Já estava no estúdio a saber que estava a gravar faixas para o álbum. Quando estamos em casa, gravamos faixas que depois inserimos num contexto. O álbum de instrumentais teve um história, mas isso não quer dizer que quando fiz os beats estava a pensar num fio condutor. Neste caso, já pensei muito no álbum previamente.
É o disco em que tens mais convidados. Foste ambicioso?
Como estive quatro anos a fazer o álbum, tive muito tempo para pensar. Quando fazes as coisas em casa, é a coisa do momento: quem está é quem entra, quando a música já está boa fecha-se a loja. Aqui, foram-se limando as arestas. São quatro anos a adormecer com as músicas e a pensar o que é que poderia estar melhor. Há uma coisa muito contraditória: é o meu álbum mais pessoal.
É um disco muito auto-biográfico, com samples de gente a falar de ti nos órgãos de comunicação social ou o teu pai a ler um poema. És um arquivista?
Agora estou um bocado desleixado, mas tenho um arquivo muito vasto. Com o tempo aprendi a não apagar nada. Quando se está no modo de gravar um álbum, volto a ouvir essas coisas. É pensar o que é que se adequa a cada tema. Por vezes, dão mote a um tema.
Há presenças em samples ou como convidados de gente como Rui Veloso, António Pinho Vargas, Carlos Bica. Noto um padrão: são artistas portugueses.
Para ter identidade na minha música, sempre tentei trazer a música portuguesa para o meu mundo, que é, só por si, considerado muito americanizado.
Tens um método de trabalho privilegiado?
Não tenho, mas, ao mesmo tempo, estou sempre a criar, a pensar, sempre esponja, nunca meto o botão off. Nesse aspecto considero-me um artista a 100%, não é part-time. Neste momento estou com três músicas para participar em discos. Tenho andado o dia todo a pensar. Não estou parado com uma caneta na mão.
Qual é a tua relação com a MPC, a máquina em que fazes música?
É um aparelho espectacular. Não são as coisas mais avançadas que fazem as músicas. O que eu preciso para fazer música está ali. Quando se liga a máquina não há ali som nenhum, és tu que tens que os pôr lá e depois sequenciá-los, cortá-los e brincar com eles. Eu falo mesmo com a máquina. É como uma pessoa: podes conhecer a máquina há bastantes anos mas ela tem coisas lá dentro que não sabias.
Como começou a tua relação com o hip hop?
Um amigo meu mostrou-me uma cassete de videoclips, o MTV Raps. Fiquei fascinado. O que eu gostava e ouvia era música pop, aqueles projectos tipo Vanilla Ice, MC Hammer, Technotronics e essas tangas.
Isso foi por volta de que ano?
O momento de viragem em que me apaixonei mesmo foi 1993.
Quando é que começaste a fazer rap e produções?
Por volta da mesma altura.
E hoje, como está a relação com o hip hop?
Mal. Há uma coisa que está na Net, que é um DJ que se arriscou a juntar durante 50 minutos pedaços de 800 músicas – aquilo retrata a história do hip hop. Há ali uma fase – 1993, 94 e 95 – em que é só grandes sons. Depois desse pico as minhas reacções de wow! começam a ser mais esporádicas. A qualidade vai descendo. A última música que o DJ passa é uma nova do Nas, que se chama Hip hop is dead e até parece uma mensagem subliminar…
Esse declínio existe a um nível mainstream ou mais underground?
É em tudo. É claro que existe bom hip hop, mas tens que tirar muita merda de cima para chegares lá abaixo e tirares dali uma música à maneira. Os beats em 93, 94, 95 eram grandes sons, os grupos tinham mais identidade e traziam algo para a arte, para o hip hop. Hoje em dia é uma indústria que vive muito à pala dos produtores. O produtor hoje tem um papel tão relevante ou maior que o próprio rapper. Há pessoas que compram um disco por ser produzido por Neptunes e sem conhecer o rapper. O pior é que os Neptunes produzem 10 grupos que estão a sair na altura e acabam por monopolizar a variedade de sons. Disse Neptunes, mas podia ter dito outra coisa qualquer.
Vejo o Pratica(mente) como o disco mais adulto da história do hip hop nacional. Achas que a evolução do hip hop português está a ir no sentido mais positivo? Como vês a massificação do género?
Tem [um lado] bom e mau. Há muitas pessoas que lançam um disco de hip hop porque está na moda. Mas com essa massificação três miúdos podem continuar a fazer rap. A maior parte do nosso público é jovem (nós vamos crescendo e eles ficam jovens à mesma) e às vezes não consegue compreender as referências de onde vimos. Há muitas más interpretações.
Depois de um Beats Vol. 1: Amor, é de esperar um segundo volume de temas instrumentais?
Já tenho aqui muita coisa. O mais difícil é montar o puzzle, contar a história. É preciso tomar decisões, haver critérios.
pedrosantosrios@gmail.com
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