ENTREVISTAS
Xela
Mapa dos horrores
· 22 Jan 2007 · 08:00 ·
O último trabalho de John Twells chegou em forma de barco dos horrores, de documento sujeito a um conceito claro: a recuperação de filmes de terror italianos e respectivas bandas-sonoras. Esse é o motivo principal para que um dos donos da Type e metade dos Yasume esteja a caminho de Portugal para duas actuações. A ideia já lhe estava no sangue desde há algum tempo e provavelmente nas prateleiras que destinou às antigas VHS ou DVDs, assim como bandas-sonoras de filmes de terror (em CD ou vinil) made in Itália. Dario Argento, Giallo, Goblin, Riz Ortolani e Fabio Frizzi serão apenas alguns dos nomes directamente responsáveis por esta aventura marítima que se manifesta em The Dead Sea, terceiro disco de Xela e primeiro na editora própria de John Twells (partilhada com Stefan Lewandowski), a Type, selo fundamental (e de crescente importância) de uma certa electrónica proveniente do Reino Unido. The Dead Sea parece ser finalmente o disco que reúne as mais profundas e pessoais influências de John Twells: além das bandas-sonoras de filmes de terror italianos, este novo disco abraça o noise, as experiências adolescentes em bandas, a vontade de se reinventar de disco para disco. The Dead Sea é um arrojado passo em frente em relação a For Frosty Mornings and Summer Nights e Tangled Wool. Evoluções a serem conferidas brevemente e ao vivo no próximo dia 25 de Janeiro no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, num concerto inserido no ciclo “Senses”; no dia 27, actua no Teatro Passos Manuel, no Porto. Em ambos os dias tem a companhia de Keith Kenniff, que responde por Helios, projecto que faz também parte das fileiras da Type.
The Dead Sea é um disco muito diferente comparado com o teu trabalho anterior. É influenciado pelos cânticos do mar, noise e bandas-sonoras de terror italianas. É assumidamente um disco conceptual sobre um navio atacado por zombies. Sentiste que necessitavas de alguma coisa completamente nova para continuar o trabalho, algum clique para seguir um novo caminho?

Eu preciso sempre de coisas novas para me manter a mim mesmo interessado, mas fazer um álbum conceptual e toda a ideia do filme de terror tem vindo a desenvolver-se na minha cabeça há já muito tempo. Tenho vindo a coleccionar filmes de terror desde muito novo e sempre fui fascinado pela ideia de álbuns conceptuais por isso acho que era inevitável que este disco saísse mais tarde ou mais cedo. Confessadamente, a forma a forma como acabei por fazê-lo foi bastante “no momento” mas isso mantém-me na ponta dos meus pés.

Alguma vez tiveste medo que o conceito de um disco conceptual, na sua construção, pudesse de certa forma danificar o resultado final do disco, estrangulá-lo? Soubeste utilizar esse facto a seu favor?

Não, não tinha medo porque a ideia deste o inicio era fazer isto, era meio paródia realmente, por isso eu sabia que as pessoas não iam levar isto demasiado a sério e fiz um esforço para fazer o conceito complementar em relação à música em vez de fazê-lo estúpido por ignorância.

Como é que começou toda essa coisa dos filmes de terror italianos e as respectivas bandas-sonoras? Disseste há pouco que coleccionavas esses itens…

Sim, colecciono essas coisas, desde que vi e ouvi Suspiria de Dario Argento tornei-me obcecado com todas as coisas de Giallo e tudo associado com a banda Goblin! Depois disso consegui encontrar após uma pesquisa trabalho de Riz Ortolani, Fabio Frizzi e outros, todos eles foram uma enorme influência e inspiração para o meu trabalho.

Por outro lado neste disco existem influências de gente como os Earth e os Wolf Eyes, de música noise. De onde é que isso vem? De alguém que tenta ouvir toda a música que consegue?

Acho que é o meu trabalho ouvir toda a música que posso uma vez que escrevo criticas musicais e trabalho para uma distribuidora, mas sempre tive um pouco mais do que uma obsessão. Certamente quando ouvi os Wolf Eyes pela primeira vez eu sabia que tinha de ouvir mais, e o novo álbum dos Earth, Hex, deixou-me realmente espantado na forma como evocava tanto visualmente mas mesmo assim conseguia reter uma estrutura musical simples e profunda. O meu gosto musical muda muito rapidamente graças ao meu abastecimento sempre crescente de discos, o que talvez não seja uma boa coisa, mas que de certeza me faz trabalhar mais arduamente quando estou a escrever música… tenho de certa forma de me alcançar a mim mesmo bastante.

Então fazes música, lanças música na Type, distribuis música e escreves sobre música. Como é então gerir todas estas frentes ao mesmo tempo. É difícil para ti?

Acho que tudo se alimenta a si próprio muito bem, está tudo relacionado com a música no final de contas. Não acho que seja realmente difícil fazer tudo junto.

Mudando de assunto, quanta improvisação existe na musica que crias? É parte fundamental na génese dos teus temas?

Inicialmente há muito improvisação mas tudo é trabalhado como um escultor trabalha a pedra e acho que o resultado final é longe de ser improvisado, na sua maior parte pelo menos. Existem duas faixas no álbum que são quase inteiramente improvisadas!

Como é que a arte e o trabalho de Matthew Woodson acabou por fazer parte de The Dead Sea? Como é que se desenvolveu todo o processo entre ambos? Envolveu algum tipo de interacção especial?

O Matthew e eu temos vindo a trabalhar juntos há já algum tempo, e desde bastante cedo – quando o disco não estava ainda sequer terminado. Eu deixava-lhe saber ideias minas e ele criava esboços. Isto demorou bastante tempo, e passamos por bastantes esboços mas no fim de contas surgimos com algo que eu penso ser perfeito – é exactamente o que eu queria.

The Dead Sea foi lançado com alguma distância do disco anterior. Tanto quanto sei, esse “atraso” deveu-se ao tempo que dedicas à tua editora, a Type Records. É verdade? Como é estar no outro lado de lançar música para ti?

Não foi realmente lançado depois da altura que eu esperava; dei-me a mim mesmo uma data e mantive-a – e estava a trabalhar mesmo até ao momento de entrar no avião para Berlim para mistura-lo. Acho que ter um emprego a tempo inteiro e dirigir a editora significou obviamente que o disco demorasse mais tempo do que se não tivesse esses dois cargos, mas com disse antes talvez tivesse soado totalmente diferente também, já que não teria sido inspirado da mesma forma. Gosto realmente de lançar música, primeiro e antes de tudo adoro ouvir música, por isso lançar música, ter a hipótese de ver tudo desde as primeiras etapas, e ouvir os discos antes de toda a gente o fazer – é o sonho de todos os drogados da música, não é?


O teu primeiro disco foi editado na Neo Ouija, o Segundo na City Centre Offices e o terceiro na sua editora, a Type. Sentes-te finalmente em casa?

Sim, suponho que sim. É bom ter “total controlo”, por mais estúpido que isto soe. Significou que podia fazer vinil vermelho e coisas tontas como essa, o que foi um bónus.

Em The Dead Sea criaste uma espécie de banda-sonora para um filme imaginário. Não te interessa fazer bandas-sonoras para filmes reais, não sentes essa vontade? Vejo a tua música como um óptimo aliado para o cinema…

Eu adorava fazer bandas-sonoras para filmes, mas no entanto tinha de ser convidado para isso primeiro – não é assim tão fácil.

Também trabalhas como Yasume em dupla com Gabriel Morley, com quem lançaste alguma música. Quais são os planos para o projecto Yasume?

Não existem quaisquer planos para futuros lançamentos como Yasume, temo.

Voltando ao teu passado, o que é que guardas dos dias do rock lo-fi dos teus anos de estudante? O que é que aprendeste com essas experiências? Como é que daí passaste para a música electrónica, como é que começa essa relação?

Aprendi cedo que tocar com uma banda é uma diversão enorme! Toquei em bandas punk e gradualmente mudamos para o indie preguiçoso e finalmente para o lo-fi ruidoso/pós-rock… do género inspirado pelos Sonic Youth e Mogwai, mas quanto mais eu queria levar o som para a experimentação mais os outros membros das bandas ficavam fodidos, por isso eventualmente comecei a escrever música a solo. Isto começou com rock de guitarras com drum machines gravado em quatro-pistas, e depois lentamente a guitarra desapareceu e eu aprendi a utilizar o computador. Foi um processo interessante e acho que toda a música a que estive associado ajudou-me de certa forma – é divertido tentar coisas diferentes. Eu estaria numa banda de novo se conseguisse encontrar membros com mentes similares à minha.

Quem escolherias neste preciso momento se tivesses essa oportunidade de estar numa banda? Estarias interessado em explorar a música noise por exemplo?

Bem, espero finalmente poder trabalhar com o Erik Skodvin (de Deaf Center e Svarte Greiner) já que somos amigos há bastante tempo e é algo em que sempre falamos quando estamos bêbedos. Também estou a planear trabalhar com o Brad Rose - do projecto The North Sea – em alguma altura... talvez comecemos uma banda, mas para isso ele terá que se mudar para o Reino Unido antes.

Operas como Xela e com a Type desde Manchester. Como é a cena musical aí. É fácil por exemplo encontrar espaços para apresentar o teu trabalho ao vivo? Existe público para o trabalho da Type aí?

Não sou o maior fã de Manchester – mudei-me para aqui para trabalhar e ainda me estou a debater com isso. Actuei algumas vezes como DJ e toquei ao vivo uma vez, mas não tenho bem a certeza que tipo de público existe para o meu trabalho. Tinha uma audiência mais dedicada quanto vivia em Birmingham, mas isso foi construido durante muitos anos. O que digo é que Manchester tem realmente uma boa quantidade de concertos para ver…

Achas que as coisas seriam diferentes se te mudasses como Xela e como Type por exemplo para Londres? Achas que é verdade quando dizem que tudo o que acontece acontece em Londres?

Londres não é para mim, não sou o maior fã da Inglaterra na verdade, mas Londres não é mesmo para mim – demasiado movimentado, demasiada gente a ajudar-se a si mesma. Vejo a Type como uma editora internacional, não uma editora britânica e certamente não uma editora de Manchester por isso não acho realmente que importe se estou em Birmingham, Nova Iorque ou Helsínquia, as minhas ideias não vão ser mudadas.

Qual é a tua opinião acerca da música electrónica que é feita neste momento no Reino Unido? Como vês e sentes o dubstep por exemplo? Entendes o fenómeno? Evolução ou hype?

Bem, tenho obviamente uma opinião muito forte tendo em conta que tenho de escrever sobre ele e vende-lo, mas estou a apreciar muito do dubstep; editoras como a Tectonic estão onde eu me sinto mais em casa – sons espaciais e sombrios, de certa forma inspirados por Photek, eu gosto disso. No entanto existe no momento uma inundação de dubstep com um som muito similar, e agora vai ser importante para os artistas encontrarem uma voz única. Estou ansioso para ver o que acontece em 2007!

Como é que estás a traduzir o som deste novo disco para as actuações ao vivo? Pela sua complexidade, este disco representa um desafio maior nesse aspecto do que os teus discos anteriores?

O meu som é quase impossível de traduzir para as actuações ao vivo já que é um material muito intrínseco de estúdio, por isso quando toco ao vivo tendo a retirar elementos dessas faixas e improvisar com elas. Pode ser apenas um drone ou um lençol de ruído mas eu tento surpreender-me a mim mesmo e fazer algo realmente “ao vivo” em vez de meramente fazer playback de gravações do laptop – o que não é realmente interessante para ninguém, pois não?

A propósito, vais tocar em Portugal muito em breve com Helios numa espécie de showcase da Type tanto quanto sei. Como é que tudo isso aconteceu? O que é que podemos esperar dessas actuações?

Fomos convidados a tocar e ambos dissemos que sim. Acontecia que Helios ia estar em Portugal nessa altura já que ele tem bons amigos aí por isso foi muito fácil que nos juntássemos. Ele, Keith Kenniff, toca ao vivo com o seu irmão gémeo Colin e fazem um excelente espectáculo ao vivo com guitarras, bateria e teclados. O meu espectáculo ao vivo é um pouco diferente, é tudo aquilo que eu digo por agora!
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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