DISCOS
Carlos Bica & Azul
Believer
· 20 Dez 2006 · 08:00 ·
Carlos Bica & Azul
Believer
2006
Enja


Sítios oficiais:
- Carlos Bica & Azul
- Enja
Carlos Bica & Azul
Believer
2006
Enja


Sítios oficiais:
- Carlos Bica & Azul
- Enja
Carlos Bica regressa ao trio Azul, convida DJ Illvibe e transforma o seu jazz numa nova forma mutante - e brilhante.
O que fazer depois de se editar vários discos onde as possibilidades do jazz são exploradas num modelo de técnica e beleza irrepreensível? Fazer um novo volume de música bela usando os mesmos métodos do costume? Ou partir à aventura e explorar um bocadinho mais à frente, trilhando outros caminhos? Carlos Bica optou claramente pela segunda hipótese e neste novo disco para além dos companheiros habituais do trio Azul, os excelentes Jim Black e Frank Mobus, convidou um DJ – o alemão Illvibe - para dar outra dimensão à sua música. A verdade é que em Believer a música de Bica deixou de ser, numa visão purista, jazz: acolheu formas diversas e transmutou-se bem para lá da habitual melodia/swing/improviso. A responsabilidade de DJ Illvibe (filho do mestre do piano free Alexander Von Schlippenbach) é apenas parcial e circunstancial, pois apenas surge em 5 dos 13 temas do disco. A “culpa” terá mesmo de ser atribuída ao líder Bica, que fugiu definitivamente das fronteiras do jazz puritano e remodelou a sua música para um estado líquido.

A gélida “Iceland” abre o disco, num breve dueto entre a guitarra de Möbus e o contrabaixo de Bica, que é logo seguido pelas vassouras de Black, num primeiro momento de arrastada contenção melódica. O segundo tema, “Alguém Olhará Por Ti”, demonstra uma vertente do trio mais expansiva, numa abordagem quase rock, com os três instrumentos em interligação perfeita. A interligação é, aliás, marca constante em todo o disco, em que cada espaço está preenchido, cada elemento intervém no instante exacto e não há qualquer falha, numa coesão irrepreensível. Mesmo quando são abordados territórios menos comuns, como é o caso da faixa “P-beat” (com o convidado Illvibe em grande plano), a coesão e dinâmica permanecem.

Um pouco mais afastada da toada geral do ábum é a faixa “Catch the Cat”, belíssimo dueto entre o scratch de Illvibe e bateria de Black, mas cuja criatividade justifica plenamente a inclusão. Um solo melancólico na nona faixa, “Portuguese Seamen”, remete-nos para o anterior (e soberbo) Single, edição BorLand do ano passado. Mas o que se conclui com facilidade é que em qualquer contexto que se apresente o contrabaixo de Bica é sempre um primor de técnica, bom gosto e apetência pela melodia. O ponto mais alto do disco acontece com o tema título, “Believer”, que é também a faixa mais longa (9m38s). Neste tema o trio constrói um monumento crescente de ritmo sobre o qual a guitarra de Möbus arranca sentimento de cada nota com uma delicadeza quase genial.

Aqui já não há jazz no sentido conservador do termo. Aqui há jazz enquanto música aberta à melodia, ao ritmo, à experimentação, ao improviso. A utilização de rotulagens será sempre discutível e neste caso é absolutamente dispensável. Uma audição completa deste disco bastará para que esta música nos conquiste completamente a alma e fará com que nos esqueçamos de tudo o resto. O trio Azul escolheu para título Believer. Nós cremos que Carlos Bica alcançou aqui um sublime pico criativo.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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