DISCOS
Biosphere
Cirque
· 08 Out 2002 · 08:00 ·
Biosphere
Cirque
2000
Touch


Sítios oficiais:
- Biosphere
- Touch
Biosphere
Cirque
2000
Touch


Sítios oficiais:
- Biosphere
- Touch
Cirque: anfiteatro circular ou semicircular natural, com paredes íngremes escavadas geralmente por um glaciar. Pode também ser um adjectivo que designa o tipo de glaciar que se forma integralmente dentro do anfiteatro. A formação do “cirque” é um “loop” de “feedback positivo”, já que a sombra da superfície deste pelas paredes torna-o mais eficiente na retenção da neve, formando gelo fluído, que corrói e aprofunda o “cirque”.



Fiz exactamente a mesma pergunta (retórica) quando escrevi uma crítica a um álbum de Telefon Tel Aviv (que apaguei sem querer, mas isso é outra história). Qual é a diferença entre a música “ambiente” e a música “ambiental”?

Existe uma enorme confusão à volta dos conceitos que definem se uma música é “ambiente” ou não. Ou seja, à volta dos conceitos que permitem colocar um determinado CD em repetição permanente no elevador ou no Continente durante uma qualquer época sem ser a de Natal (para essa já têm, provavelmente, algumas cassetes preparadas para o efeito). Um amigo meu chamou aos Múm “música de elevador” e eu concordei, desde que, da mesma forma, chamasse aos Red Hot Chili Peppers música de carrinhos de choque.

O auge da música ambiente será, muito provavelmente, o “Mirror Conspiracy” dos Thievery Corporation ou o álbum homónimo dos Gotan Project. Simples, para se beber um copo enquanto se ouve, hype quanto baste.

No entanto, existe uma outra corrente, bastante distante, que se faz representar por Harold Budd, Robert Rich ou pelos irmãos Roger e Brian Eno. É nessa corrente que se integra Geir Jenssen, o homem por trás do projecto Biosphere. Na crítica a Manitoba referi a localização cada vez mais a norte dos projectos electrónicos. Geir Jenssen é, por sinal, norueguês (há quem chame ao som de Biosphere “Artic Sound”), e a sua música é fria, fria não como um frigorífico, mas como uma tundra deserta e cinzenta-azulada. Como se cada sample fosse uma brisa gelada a corroer a pele. Biosphere transforma uma ardente tarde de Verão num iceberg. Mas em que nesse iceberg, se se fizesse um exame aprofundado ao gelo, se revelassem camadas fervilhantes de vida microscópica, camadas que se equivalem aos layers que incessantemente se repetem nas composições dub dos ambientes de “Cirque”.

Esses mesmos ambientes consistem, numa análise muito geral, de um recurso à repetição, quase exaustiva, de motivos levados à abstracção quase total: o conceito de melodia é secundário em relação às texturas construídas a partir de sub-basses muito profundos (que constituem frequentemente a batida e a melodia ao mesmo tempo), “pads” macios e ruídos ambientais (sendo este “ambientais” no sentido de “environment”), sempre conjugadas com programações minimais. São fragmentos sonoros que apenas fazem sentido dentro de um todo sendo este maior do que as partes ( tal como os elementos de uma qualquer composição abstracta ), que é o universo pós-orgânico de “Cirque”. É impossível descrever cada música per si, sendo essencial a estruturação prévia dos ambientes (e a sua devida contextualização), que se alteram progressivamente.
É este o significado de “Ambient Techno” (e reflicta-se no significado e génese da palavra “Techno”), movimento que Geir Jenssen iniciou com “Microgravity”, em 1992.

O nome Biosphere deve-se ao já longínquo projecto Biosphere 2 Space Station Project, de 1990, que testaria as possibilidades de colónias auto-suficientes no espaço, em condições completamente isoladas. E, citando Heitor Alvelos, “Geir Jenssen's Biosphere has likewise been steadily creating a self-contained aural universe. Once inside, we will experience the outside world through the spherical window. As if watching a movie where, despite the monumental scale, we still manage to feel we belong in the script.”

É também um conjunto de sons evocativos de cenários imensamente reflectivos, de um universo estético puro e etéreo, banda sonora de imensidões geladas, sem esquecer o inerente elemento humano, que integra e molda esses cenários num conjunto de sons que desafiam a noção de escala e de repetição.

Geir Jenssen cria paisagens quase tangíveis através de elementos abstractos, o que é contraditório. No entanto, conseguimos sempre sentir “the man behind the machine”, ou seja, uma inequívoca sensação de aproximação ao Ártico e à solidão de um homem em Tronso, Noruega, a 500 km a norte do círculo polar, que espreita pela janela e vê apenas gelo.
Nuno Cruz
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