DISCOS
Apse
Spirit
· 16 Nov 2006 · 08:00 ·
Apse
Spirit
2006
Acuarela / Popstock Portugal


Sítios oficiais:
- Apse
- Acuarela
- Popstock Portugal
Apse
Spirit
2006
Acuarela / Popstock Portugal


Sítios oficiais:
- Apse
- Acuarela
- Popstock Portugal
Tentativa imaginativa de reavaliar o 11 de Setembro corresponde a proposta interessante por parte da madrilena Acuarela.
Chegada a hora de ponderar - a frio - sobre as consequências e dimensão dos ataques ocorridos no 11 de Setembro, voltou a ser recorrente nas trailers, que promovem um filme, usar letras de estilo clássico romano, fazendo-as aparecer firmes e, quase de seguida, desaparecer envolvidas num negro de luto - como que em representação de algo que reinou e que se extinguiu com a chegada do declínio. A técnica conhece exemplo evidente na trailer de World Trade Center, filme recente de Oliver Stone. Sem outros antecedentes além de um EP homónimo, Spirit, assinado pelos Apse, é uma longa-metragem que não destoa ou desilude perante o trailer, se entendermos esse como representado pelo tríptico fatídico e exteriormente visível que combina o nome da banda e título do disco em letras de pesar, o artwork incidente sobre bosques vazios e todo um breu muito denso, mas pouco revelador quanto ao que irá proporcionar a escuta concreta de Spirit. Até aprisionar o peão na casa negra do seu xadrez, o primeiro longa-duração do quarteto Apse é apenas uma incógnita.

Porém, descobre-se, a médio prazo, que a timidez e reservas enigmáticas mantidas por Spirit não devem ser tomadas como sinais de egoísmo ou arrogância – tão simplesmente porque esses seus traços defensivos ajudam à contenção cerimonial que mantém um disco que conta pelos dedos de uma mão (ferida) as vezes em que comete a ousadia de libertar impulsos mais energéticos. Predominantemente místico, Spirit tende, na maior parte do tempo, a descrever um processo de evasão a partir de um fardo de chumbo (o estigma Brooklyn). Fá-lo projectando-se numa produção balanceada para a rarefacção dos elementos mais denunciadores do cariz rock (guitarras e baixo tornam-se longínquas regalias), almejando à infinidade etérea que oferece m as várias ascensões climáticas (“Legions” é valsa no ocaso) e explorando superficialmente uma série de sintetizadores cuja presença se sente como a do vapor que paira sobre um beco de Gotham City. Sem que a banda, tão inspirada por Brooklyn, acuse em demasia a paternalidade ou herança genética do bairro que actualmente serve de bandeira aos Interpol - Spirit não derrama bocejos boémios demasiado pessoais, perde todo o seu tempo útil a lamentar a ausência que se sente ao horizonte de Manhattan.

Tal como o ataque terrorista estabeleceu um antes e depois no universo dos transportes aéreos, também Spirit evidencia flagrantemente a ambição heróica de partir a partir de um invulgar ground zero onde, noutros tempos, estiveram de pé pilares correspondentes ao pós-rock e pós-punk, a que apenas se sente um odor semelhante ao de pólvora. A verdade é que se servir a pretensão e empenho excêntrico dos Apse para desmistificar ou desenvolver independência para com esses, dispõe este surpreendente Spirit de carta verde para ser, conforme sua vontade, o polterlgeist ou a assombração cessante do disco que a linearidade aguardaria à Acuarela ou até mesmo ao bairro de Brooklyn. Pontos de mérito para uns Apse que quebram – sem desvirtuar - com a linhagem, à custa de um álbum que é muito mais a bruma do que o correspondente maciço do que poderia ter sido, caso se mantivesse limitado a um plano térreo.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
RELACIONADO / Apse