DISCOS
Leafcutter John
The Forest and The Sea
· 14 Set 2006 · 08:00 ·
Leafcutter John
The Forest and The Sea
2006
Staubgold / Flur
Sítios oficiais:
- Leafcutter John
- Staubgold
- Flur
The Forest and The Sea
2006
Staubgold / Flur
Sítios oficiais:
- Leafcutter John
- Staubgold
- Flur
Leafcutter John
The Forest and The Sea
2006
Staubgold / Flur
Sítios oficiais:
- Leafcutter John
- Staubgold
- Flur
The Forest and The Sea
2006
Staubgold / Flur
Sítios oficiais:
- Leafcutter John
- Staubgold
- Flur
Sublimação fabular da chamada electro-acústica representa uma das maiores surpresas do ano e ocupa lugar cimeiro entre as cativantes edições da berlinense Staubgold.
Perante gélido desinteresse de um taxista, o personagem de Richard Linklater – logo no início do filme Slacker que também realizou – elaborava entusiasmado uma dissertação mais ou menos fundamentada sobre as realidades paralelas, ou a suposta continuidade hipotética de tudo aquilo que interrompem os instantes decisivos. Quando havia sido sua opção escolher o táxi como meio de transporte, imaginava-se – ao pensar em voz alta - numa circunstância por cumprir onde teria sido bem mais sucedido ao conhecer uma jovem interessante (muito mais que o taxista, certamente). Como argumento para a sua ideia multiplamente existencial, o interlocutor referia que os destinos rejeitados por Dorothy em O Feiticeiro de Oz não deixariam de ter acontecido noutra realidade só por terem sido vitimas do critério da miúda que se viu num reino de fantasia após ter sido levada por um furacão. Em toda a sua abundância digressionista, Slacker percorre sensibilidades artísticas várias e deixa bem assente a ideia de que uma fonte criativa não estagnava só porque outra corria com maior força nas imediações. Tal como a cena de Austin, no Texas, não cessou, mesmo após ter sido eclipsada pela muito mais mediatizada explosão de Seattle.
Da mesma forma que o britânico John Burton (Leafcutter John, em modo artístico) não deixou de explorar a electrónica - amadurecida durante período cumprido na label Planet Mu – só porque agora se encontra na capacidade de compor folk magnífica, nua de adornos pop (e, mesmo assim, perfeitamente limada), instrumental no progresso que confere à narrativa aqui presente. A glória que se descobre a The Forest and The Sea parte de premissa tão simples quanto essa: a cada rama criativa o seu devido tempo de florescimento. Encontram-se livres de se podarem mutuamente as canções que nunca o são por inteiro e os complementares apontamentos de electrónica glitchiana e rude acústica captada a instrumentos estranhos (alguns, ao que se sabe, típicos da Grécia) e a field recordings de um mar convulso. A vida é plena de possibilidades, tal como já adiantava o disco dos DNTEL. Porquê então interromper e mutilar o seu natural fluir, quando muito mais abundantemente produzem duas frentes aliadas? O esclarecimento jaz na evolução pendular que cumpre um The Forest and The Seaque, predominantemente, dá forma à sensação de que podem estar aqui condensados dois discos inteiros (e qualitativamente equivalentes) de folk e outro de electrónica maciça. O quarto disco de Leafcutter John podia ter conhecido uma existência bucólica de barba longa ou uma muito mais densa corporização abstracta. Em vez disso, optou por equilibrar as duas num milagre ininterrupto.
Mediante o que já foi dito, suspeitar-se-ia à partida que The Forest and The Sea necessitasse de um conceito como muleta para o seu peso estrutural. E assim se sucede com a aplicação narrativa de uma fábula em que dois protagonistas se perdem na floresta, onde adormecem cansados, para, no dia seguinte, despertarem junto ao mar que decidem atravessar como única saída possível. Porém, a fábula que conta Leafcutter John é muito mais que um auxiliar forçado – é, sim, o ponto-base para o yin-yang entre os pólos combinados, o moderador passivo do diálogo entre a folk depurada da floresta e o oceano de elementos electro-acústicos. Sendo que a primeira preenche com verbalidade subtil aquilo que o segundo entoa somente por meio de simbolismos orgânicos (próximos dos que se escutam aos discos japonesa Noble).
Além disso, o estado compacto que desenvolvem as dualidades do disco está directamente relacionada com a ideia de que toda a narrativa condensa tempo - The Forest and The Sea jamais parece disperso ou afectado por jet-lag emocional (gerado pela discrepância entre componentes) porque conhece os métodos mais económicos de contar a sua história sem, mesmo assim, descartar a hipótese de ser memorável nesse papel. Contribui para isso que a aproximação ao abstracto se suceda de um modo em primeira instância consciente e, só depois, instintivo - quando o disco mergulha numa fase intermédia mais onírica (aliás, como atestam as três composições que formam trilogia "Dream"). É nessa transição que The Forest and The Sea vê serem colocadas à prova todas as apostas assumidas e acima descritas. Custa a crer, mas, por vezes, parece a desarmada folk resistir ilesa às investidas de uma acústica de vigoroso porte concréte ou tantas vezes subtraída aos field recordings que abundam.
Enquanto livre transeunte de universos sonoros aparentemente distintos, The Forest and The Sea resulta também como convincente afronta a discos electro-acústicos de dimensões liliputianas, atrofiados por imposição de esquemas protocolares tantas vezes resultantes da paternalidade assumida pela label que os lança. Por contraste, coroar-se-ia The Forest and The Sea como um belo e inspiradíssimo bastardo que não se presta a vergar (ou deixar corromper) o que de mais encantador suporta a sua sumarenta seiva em prol da reputação da Staubgold ou dos antecedentes discográficos de Leafcutter John. Sob pena da racionalidade arruinar o momento, imagine-se fantasiosamente que o personagem John soube avaliar com anciã sabedoria a fertilidade dos terrenos - o do songwriting e o respectivo ao abstraccionismo – onde plantou os seus feijões mágicos. Os pés-de-feijão que daí brotaram serviram idealmente à escalada de um Leafcutter John que, com isso, obteve um alcance panorâmico e elucidado de um provável e recomendável futuro de sonoridades fundidas. Partilhar dessa visão, por 45 minutos que sejam, soa a rara oportunidade de espreitar pelo buraco da fechadura o que se vai passando no Éden da electrónica actual. Arrebatadora surpresa.
Miguel ArsénioDa mesma forma que o britânico John Burton (Leafcutter John, em modo artístico) não deixou de explorar a electrónica - amadurecida durante período cumprido na label Planet Mu – só porque agora se encontra na capacidade de compor folk magnífica, nua de adornos pop (e, mesmo assim, perfeitamente limada), instrumental no progresso que confere à narrativa aqui presente. A glória que se descobre a The Forest and The Sea parte de premissa tão simples quanto essa: a cada rama criativa o seu devido tempo de florescimento. Encontram-se livres de se podarem mutuamente as canções que nunca o são por inteiro e os complementares apontamentos de electrónica glitchiana e rude acústica captada a instrumentos estranhos (alguns, ao que se sabe, típicos da Grécia) e a field recordings de um mar convulso. A vida é plena de possibilidades, tal como já adiantava o disco dos DNTEL. Porquê então interromper e mutilar o seu natural fluir, quando muito mais abundantemente produzem duas frentes aliadas? O esclarecimento jaz na evolução pendular que cumpre um The Forest and The Seaque, predominantemente, dá forma à sensação de que podem estar aqui condensados dois discos inteiros (e qualitativamente equivalentes) de folk e outro de electrónica maciça. O quarto disco de Leafcutter John podia ter conhecido uma existência bucólica de barba longa ou uma muito mais densa corporização abstracta. Em vez disso, optou por equilibrar as duas num milagre ininterrupto.
Mediante o que já foi dito, suspeitar-se-ia à partida que The Forest and The Sea necessitasse de um conceito como muleta para o seu peso estrutural. E assim se sucede com a aplicação narrativa de uma fábula em que dois protagonistas se perdem na floresta, onde adormecem cansados, para, no dia seguinte, despertarem junto ao mar que decidem atravessar como única saída possível. Porém, a fábula que conta Leafcutter John é muito mais que um auxiliar forçado – é, sim, o ponto-base para o yin-yang entre os pólos combinados, o moderador passivo do diálogo entre a folk depurada da floresta e o oceano de elementos electro-acústicos. Sendo que a primeira preenche com verbalidade subtil aquilo que o segundo entoa somente por meio de simbolismos orgânicos (próximos dos que se escutam aos discos japonesa Noble).
Além disso, o estado compacto que desenvolvem as dualidades do disco está directamente relacionada com a ideia de que toda a narrativa condensa tempo - The Forest and The Sea jamais parece disperso ou afectado por jet-lag emocional (gerado pela discrepância entre componentes) porque conhece os métodos mais económicos de contar a sua história sem, mesmo assim, descartar a hipótese de ser memorável nesse papel. Contribui para isso que a aproximação ao abstracto se suceda de um modo em primeira instância consciente e, só depois, instintivo - quando o disco mergulha numa fase intermédia mais onírica (aliás, como atestam as três composições que formam trilogia "Dream"). É nessa transição que The Forest and The Sea vê serem colocadas à prova todas as apostas assumidas e acima descritas. Custa a crer, mas, por vezes, parece a desarmada folk resistir ilesa às investidas de uma acústica de vigoroso porte concréte ou tantas vezes subtraída aos field recordings que abundam.
Enquanto livre transeunte de universos sonoros aparentemente distintos, The Forest and The Sea resulta também como convincente afronta a discos electro-acústicos de dimensões liliputianas, atrofiados por imposição de esquemas protocolares tantas vezes resultantes da paternalidade assumida pela label que os lança. Por contraste, coroar-se-ia The Forest and The Sea como um belo e inspiradíssimo bastardo que não se presta a vergar (ou deixar corromper) o que de mais encantador suporta a sua sumarenta seiva em prol da reputação da Staubgold ou dos antecedentes discográficos de Leafcutter John. Sob pena da racionalidade arruinar o momento, imagine-se fantasiosamente que o personagem John soube avaliar com anciã sabedoria a fertilidade dos terrenos - o do songwriting e o respectivo ao abstraccionismo – onde plantou os seus feijões mágicos. Os pés-de-feijão que daí brotaram serviram idealmente à escalada de um Leafcutter John que, com isso, obteve um alcance panorâmico e elucidado de um provável e recomendável futuro de sonoridades fundidas. Partilhar dessa visão, por 45 minutos que sejam, soa a rara oportunidade de espreitar pelo buraco da fechadura o que se vai passando no Éden da electrónica actual. Arrebatadora surpresa.
migarsenio@yahoo.com
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