DISCOS
Holy Sons
Decline Of The West
· 22 Ago 2006 · 08:00 ·
Holy Sons
Decline Of The West
2006
Awful Bliss / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- Holy Sons
- Awful Bliss
- AnAnAnA
Holy Sons
Decline Of The West
2006
Awful Bliss / AnAnAnA


Sítios oficiais:
- Holy Sons
- Awful Bliss
- AnAnAnA
Sem a necessidade de largar foguetes de artifício que até ele captem sondas de hype, Emil Amos tem vindo - sem assinalável bruá - a dar corpo a uma carreira que profetiza adventos drásticos ao futuro, recuperando alguma integridade ao verdadeiro espírito independente do passado. Percebe-se que o próprio há muito não goza de um sono descansado ao escutar o teor fatídico e avançar dolente de algumas marchas de pesar que compunham em 2003 um cativante The Burden of Hope assinado pelos pós-rockers Grails, de que Emil Amos faz parte. Em regime de solilóquio, o músico de Portland ocupa-se de manter bem activa a célula Holy Sons que opera num modo estritamente hermético, combinando esquizofrenicamente uma boa dose de instrumentos – teclados, caixas rítmicas, a guitarra acústica e eléctrica - que parecem executados por espíritos incógnitos, remisturando maniacamente as mesmas composições (entre os anos de 2003-2005), mantendo uma rotina de métodos reclusos quase comparáveis aos do mítico Jandek (enigma que o colega André Gomes ajuda a desvendar aqui). Reescrevendo a história como se possuído por um Mad Max convertido ao pacifismo, disposto a aceitar o inevitável destino de banjo nas mãos (na paranóica “Gnostic Device”).

De certo modo, Decline Of The West assinala o 11 de Setembro como seu mote de partida e principal responsável pelo pessimismo que alguém decidiu solitariamente metaforizar, propagar por canções de estruturas várias (pouco consonantes, até) e elevar até a um estrato de graciosidade que parece ser o antídoto de recurso para uma humanidade condenada a um beco sem saída. O próprio Emil assumiu que o disco terá resultado das “incontornáveis limitações impostas à evolução da consciência pelo tecto da actualidade”. Musicalmente falando, que haverá então a fazer para contrariar essa tendência apocalíptica? A julgar pelas versões presentes em Decline Of The West, talvez a solução passe por revisitar os ensinamentos de quem se abstraiu por completo da América – alinhada em parada moribunda - alienando-se dessa através de consumo espiral de erva ou recorrendo à aceitação da demência como instrumento criativo. Respectivamente, retrocedendo até aos tempos cavernais dos Sebadoh, com a tradução fiel de “Level Anything” que é puro Eric Gaffney e sobranceiro espécime de lo-fi circa The Freed Weed, e atracando firmemente numa sentida homenagem ao esforço cooperante de Daniel Johnston e Jad Fair numa “Nothing Left”, aqui surgida como reencarnação moderada em termos de solenidade religiosa, mas reincidente na repetição de slogans de redenção (marca recorrente de Johnston).

A substanciação desse universo paralelo efectua-se através de um intensivo levantamento histórico da subcultura veiculada em cassetes empoeiradas, que Emil tem às carradas e às quais extrai discursos eloquentes que dão voz à América maldita das frequências AM. Subcultura essa militarmente armada pela guitarra acústica que bastava a Woody Guthrie para aniquilar uma boa dose de fascistas. E mesmo que toda esta carga política pareça suficiente para fragilizar a espinha a um aspirante, Emil é completamente convincente enquanto escritor de canções e sobra inspiração ao épico “Satanic Androids” para provar isso mesmo.

Sobejam, de facto, abundantes pretextos para (re)descobrir o universo de Emil Amos e argumentos de peso para aguardar com entusiasmo os dois volumes de History que, em breve, tratarão de compilar os inéditos lo-fi dos primeiros quinze anos de produção. É provável que até convenha a Decline of the West manter-se em segredo, perdido em hibernação durante um par de anos. Nem que apenas até ao momento em que se dêem por revelados os pergaminhos suficientes à decifração de um plano mais grandioso do que aquele que Decline Of The West dá a escutar. Parece altamente pretensiosa toda esta conjuntura de factores, mas não o é certamente. Acontece que surpreende realmente a lucidez que demonstra Emil Amos na vigia atenta do mundo a partir de uma localização subterrânea. E, claro está, nas sinceras canções que advêm dessa experiência.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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