DISCOS
Takagi Masakatsu
Air's Note
· 29 Jun 2006 · 08:00 ·
Takagi Masakatsu
Air's Note
2006
Defstar


Sítios oficiais:
- Takagi Masakatsu
- Defstar
Takagi Masakatsu
Air's Note
2006
Defstar


Sítios oficiais:
- Takagi Masakatsu
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Casos há em que se ocupa a mera casmurrice de bloquear o que de melhor pode frutificar a produção de um artista. É marca comum do iconoclasta recuar voluntariamente à estagnação quando as expectativas que lhe são periféricas suplicam por obra que supere a porção estável de trabalho que lhe é anterior. Vincent Gallo alega ter deixado de pintar no apogeu da sua criatividade com o intuito de privar as pessoas dos seus belíssimos quadros. Foram 20 anos os que separaram Harvest de Harvest Moon e Neil Young de um público massivo. Numa altura em que era o mais cotado argumentista do mundo, Tarantino decidiu adaptar um policial alheio - Rum Punch, de Elmore Leonard, que se veio a tornar em Jackie Brown. Takagi Masakatsu compõe com a naturalidade de alguém que sonha sereno, e, sem alarido ou agravo de expectativas salivares, acaba de lançar no seu Japão natal uma refinada jóia de pop talhada a uma escuta auroral.

A pretensão faz por se limitar a índices mínimos, quando a peça de arte se fica pela duração que intermedeia o EP e o disco de corpo inteiro – o desusado mini-álbum. Mas importa mencionar os lançamentos próximos deste Air’s Note, para que se entenda que este 2006 é – para já – editorialmente trílogo para Masakatsu: a honrosa label Carpark tratara recentemente de reeditar o duplo (CD+DVD) Journal for the People, compreensiva amostra da emotividade pura que o próprio capta em viagens pelo mundo, enquanto que ao livro e DVD que compõem Bloomy Girls suspeita-se que seja o mais luxuoso suporte que a arte do nipónico conheceu até aqui. A tiragem do último é de tal forma limitada que, em poucos anos, valerá 10 vezes o seu preço se Takagi Masakatsu mantiver a mesmo nível qualitativo para a sua produção.

A hora, contudo, pertence à magia impalpável de Air’s Note, cuja essência tantas vezes não precisa de aliar mais que três ou quatro componentes para criar milagrosos pontos de convergência em que melodiosos arranjos consumam um duradoiro flirt com a linha do horizonte. E assim se revela Air’s Note: alongado sobre um horizonte de pop bem mais assumida e abundantemente lisonejira - traço associável ao facto de conhecer edição numa subsidiária da Sony japonesa. Predominantemente balsâmico no seu revelar translúcido, o precioso mini-álbum consegue uma improvável aproximação ao que produziria Jimmy LaValle se submetesse a melancolia outonal do seu Album Leaf ao optimismo da temporada veraneante. Sente-se a temperatura agradavelmente amena a uma “Watch the World” que nasce como mais um dia diamântico – contidamente pastoral nas voz próxima de Vashti Bunyan e tão minimalmente enternecedor quanto o melhor Iron & Wine. Perdurará na memória o primeiro mergulho em algo de tão gracioso como “Watch the World”.

Air’s Note arrebata o intimo pela forma como preenche com arranjos elegantes e favos de electrónica secretista os espaços entre extremos quase adjectiváveis como Wong Kar-waianos. Haja dúvidas e a melhor solução passará por avaliar as dimensões da conduta de ar dramático que separa a inicial “Ophelia”, que se transporta ao peito como um broche em memória dos mais agradáveis dias de Verão, do momento absolutamente sublime que é “One by One”, para a qual Masakatsu recrutou a voz docemente suplicante de Aqualung (Matt Hales), como se este se tratasse do predestinado capaz de conduzir até um imperturbável estado de graça o piano que por lá anda enamorado. Air’s Note tem a capacidade de convencer que é a esse plano indeterminado que o coração pertence. É meloso afirmá-lo desta forma, mas aquele que muito provavelmente será dos mais equilibrados discos de Masakatsu até à data legitima todo o tipo de pieguice empregue na sua abordagem.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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