DISCOS
Battles
EP C / B EP
· 07 Mar 2006 · 08:00 ·
C-1. F-5. H-3.
A América do Norte, enquanto tubo de ensaio de cultura popular, entrega-se - com uma frequência indesejável - a um culto necrófilo de figuras históricas desaparecidas em ocasiões misteriosas. Parodia-se essa postura com a recorrente piada lançada aos extraterrestres chegados ou em rota de regresso: Tragam o Elvis de volta!. Agrada à nação ianque a ideia de que os elementos mantenham a disposição que lhes mereceu a notoriedade e direito à eternidade. Leva isso a que haja sempre uma facção de obcecados em reconstituir puzzles de improvável solução (o investigador por lazer é chamado de buff). Gente incapaz de admitir que terão sido tantos os lugares em que foi dado como certo o paradeiro de Jimmy Hoffa como pontos desolados em que desembocaram as equipas de investigadores, que provavelmente se terão deparado com cenários semelhantes ao que Jason Fulford fotografou ao serviço do conceito Battles. Enquanto se mantinham fixos os olhos sobre o ventre de Mata Hari, as suas mãos matreiras trataram de reinventar a ordem certa para as coordenadas cartesianas. O actual underground nova-iorquino pela-se por ludibriar o mundo. EP C / B EP emite o som de uma cooperante e quadrangular elevação do pós-rock acima do beco sem saída onde todos os ensinamentos assimilados acusam um desgaste terminal e a necessidade de conhecerem novas funções (quase sempre, concordantes com a electrónica, ou não fosse este um disco da Warp) .
Tudo na água: impressões imediatas, ideia preconcebida de “super-banda”, quaisquer esperanças depositadas na repetição musical dos envolvidos.
B-9. H-7. F-9.
Como se não constituísse desafio suficiente ter de desbravar a mata de sobreposições para (re)descobrir o que ocultam os processos de transmutação tecnicamente meticulosos, eis que os Battles optaram por fasear essa demanda por três EP’s lançados em pouco mais de três meses. Sendo que, comparativamente, EP C é o registo que mais acusa uma marca própria do selo que traz estampado: a matemática deflagrante da Monitor. Com o armazenamento num só suporte, o que até aqui era enigma tríptico, passa agora à condição de mosaico englobante – ampliaram-se os detalhes às paisagens desérticas, aproximaram-se os títulos acrónimos que encaixam entre si, compactou-se um conceito que a favor do seu magnetismo velado tinha a tripartição. Ah! E passou a ser mais económico trazer por casa o trabalho editado pelos Battles em 2004. Por sua vez, os EPs originais – de edição limitada – passarão, muito em breve, a valer o triplo do investimento depositado neles.
Culpem os quatro suspeitos do costume por instigarem ao coleccionismo: Ian Williams, Dave Konopka , Tyondai Braxton, John Stanier (consultar entrevista anexa para dados biográficos). Tal como convém ao exercer discreto da espionagem, nenhum deles chega a ver a sua identidade ser revelada escancaradamente, mas por aqui ainda são verificáveis espécimes de DNA suficientes à identificação dos missionários. John Stanier, que ao serviço dos Helmet e Tomahawk era já extraordinário, é obrigado a redobrada perícia (ou seja, a obedecer a tempos maquinais) para ser merecedor de um lugar na quadrilha. Tyondai Braxton actua como entidade nevrálgica-orquestradora (em palco, é vê-lo a suar sem saber para onde se virar), muito por causa de não lhe ser estranho esse posicionamento – atendendo a que já comandou vários projectos avant-garde - e de ter como pai o multi-instrumentista de jazz Anthony Braxton, que, em tempos, também conduziu o seu próprio quarteto. Ian Williams, o quadrante que, segundo o esquema presente na página do grupo, uniu os restantes membros, bastas vezes tem de estimular a animosidade dos parceiros munido apenas de guitarra e teclado (arma que lhe era estranha nos Don Caballero). Os Battles adaptam-se às exigências de cada missão.
Em circunstância e meio a manter em sigilo, dois cibernautas especulavam sobre quais teriam sido as circunstâncias a contribuir para que Jamie Lidell multiplicasse a sua retro-soul sob a égide editorial da Warp – reputada label de Sheffield que tem vindo a conferir uma elasticidade irregular ao seu catálogo, ao ponto de já aceitar recicladores movidos a hype e estrilho. Tal política de aquisições era defendida por um dos interlocutores com: “A Warp promove o Lidell para arrecadar dinheiro e, com isso, lançar bom IDM”. Se a essa boa nova adicionarmos o zeloso apadrinhamento dos Battles por parte da Warp, então já soa a barganha o preço a pagar pelas nódoas derramadas na respeitável lapela da label britânica. A culpa de tudo isto será da influenza traficada por Scott Herren, que promove o bom nome da casa enquanto Prefuse 73 e havia pago aos Battles para se juntarem a ele numa digressão que procurava convencer um público hip-hop quanto às capacidades que ainda sobravam às guitarras na era pós-Dr. Dre. A haver um quinto Battle, Scott Herren seria a figura com perfil para tal.
Um num barco de 3 canos. Jamie Lidell dorme com os peixinhos. Ao lado dos Maximo Park. Embalados pelo último disco de Boards of Canada.
D-4. A-9. F-1.
Para se quebrar o código aos Battles, há que esgotar as possibilidade de encaixe entre as faixas dispostas em ambas as rodelas. “IPT 2”, por exemplo, representa o positivo dub-wise de “IPT – 2”, que consta do segundo disco, onde surge desprovido do delay e palmas do seu arquétipo. “SZ2” será porventura uma encruzilhada à qual é perceptível tráfego intenso e onde, a certa altura, se verifica uma operação de desmantelamento que envolve a rusga de ritmos recuperados ao drum n’ bass. No seu cavernoso aprisionamento de glitch sonolento, “Bttls” assume-se como a mais Warp das faixas representadas e aquela que mais flagrantemente regista efeitos directos da pouco convencional escola avant-garde de Tyondai Braxton (que, a solo, chega a fazer amor com uma guitarra perante audiências universitárias).
"HI / LO", presente no segundo disco, pode até ser o epicentro de todo esse marasmo multi-referencial. Reproduz na exactidão aquela sensação que reconhecemos às sequências dos filmes de ficção-científica em que uma trupe se vê enclausurada entre quatro paredes que se fecham sobre si e é necessário um rasgo de genialidade a qualquer um dos presentes para interromper esse avançar compressor. Neste caso peculiar, exige-se aos instrumentos dos Battles um consenso ebuliocópico capaz de fazer frente a um vicioso loop que, emitido em alto volume, tornará pontiagudas as orelhas dos canídeos da vizinhança (ou assim acontece com o meu casal York Shire). Este será, por excelência, o exercício que mais revela acerca de uns Battles naturalmente reticentes. “Tras 2”, segunda das três partes que compõem a composição “Tras” (partindo do princípio que são conjugáveis), é um daqueles crepúsculos vertiginosos que, sorrateiramente, faz desaparecer de cena todos os seus instrumentos sem que sobre um para assumir a culpa da golpada. Primeiro as guitarras, depois uma bateria quase kizomba e, por último, aquilo que parece ser uma pandeireta.
Pandora implode. As vogais em Bttls ocultam-se à revelia de uma apreciação definitiva que as deseje embalsamadas num chavão obtuso. No final, tal como no início, quatro ecrãs transmitem imagens indefinidas de ruas vazias. Às subterrâneas manifestações artísticas de Nova Iorque, Tóquio, Baltimore e Boston foram pilhadas fórmulas que, convenientemente, não se perscrutam com uma supérflua passagem da vista pela vegetação, que ocupa a capa com o simples intuito de assinalar o vazio habitável por um corpo gasoso imensurável. O fôlego – criativamente calibrado de acordo com a oxigenação de pulmões entediados com o rumo actual do rock - terá de ser adquirido a uma audição preferencialmente auscultada de EP C/B EP.
Porta-aviões afundado. Sentidos submersos. Para já (e ainda nos reserva o presente ano um novo disco), EP C/B EP é o lançamento mais cativante de 2006.
Miguel ArsénioA América do Norte, enquanto tubo de ensaio de cultura popular, entrega-se - com uma frequência indesejável - a um culto necrófilo de figuras históricas desaparecidas em ocasiões misteriosas. Parodia-se essa postura com a recorrente piada lançada aos extraterrestres chegados ou em rota de regresso: Tragam o Elvis de volta!. Agrada à nação ianque a ideia de que os elementos mantenham a disposição que lhes mereceu a notoriedade e direito à eternidade. Leva isso a que haja sempre uma facção de obcecados em reconstituir puzzles de improvável solução (o investigador por lazer é chamado de buff). Gente incapaz de admitir que terão sido tantos os lugares em que foi dado como certo o paradeiro de Jimmy Hoffa como pontos desolados em que desembocaram as equipas de investigadores, que provavelmente se terão deparado com cenários semelhantes ao que Jason Fulford fotografou ao serviço do conceito Battles. Enquanto se mantinham fixos os olhos sobre o ventre de Mata Hari, as suas mãos matreiras trataram de reinventar a ordem certa para as coordenadas cartesianas. O actual underground nova-iorquino pela-se por ludibriar o mundo. EP C / B EP emite o som de uma cooperante e quadrangular elevação do pós-rock acima do beco sem saída onde todos os ensinamentos assimilados acusam um desgaste terminal e a necessidade de conhecerem novas funções (quase sempre, concordantes com a electrónica, ou não fosse este um disco da Warp) .
Tudo na água: impressões imediatas, ideia preconcebida de “super-banda”, quaisquer esperanças depositadas na repetição musical dos envolvidos.
B-9. H-7. F-9.
Como se não constituísse desafio suficiente ter de desbravar a mata de sobreposições para (re)descobrir o que ocultam os processos de transmutação tecnicamente meticulosos, eis que os Battles optaram por fasear essa demanda por três EP’s lançados em pouco mais de três meses. Sendo que, comparativamente, EP C é o registo que mais acusa uma marca própria do selo que traz estampado: a matemática deflagrante da Monitor. Com o armazenamento num só suporte, o que até aqui era enigma tríptico, passa agora à condição de mosaico englobante – ampliaram-se os detalhes às paisagens desérticas, aproximaram-se os títulos acrónimos que encaixam entre si, compactou-se um conceito que a favor do seu magnetismo velado tinha a tripartição. Ah! E passou a ser mais económico trazer por casa o trabalho editado pelos Battles em 2004. Por sua vez, os EPs originais – de edição limitada – passarão, muito em breve, a valer o triplo do investimento depositado neles.
Culpem os quatro suspeitos do costume por instigarem ao coleccionismo: Ian Williams, Dave Konopka , Tyondai Braxton, John Stanier (consultar entrevista anexa para dados biográficos). Tal como convém ao exercer discreto da espionagem, nenhum deles chega a ver a sua identidade ser revelada escancaradamente, mas por aqui ainda são verificáveis espécimes de DNA suficientes à identificação dos missionários. John Stanier, que ao serviço dos Helmet e Tomahawk era já extraordinário, é obrigado a redobrada perícia (ou seja, a obedecer a tempos maquinais) para ser merecedor de um lugar na quadrilha. Tyondai Braxton actua como entidade nevrálgica-orquestradora (em palco, é vê-lo a suar sem saber para onde se virar), muito por causa de não lhe ser estranho esse posicionamento – atendendo a que já comandou vários projectos avant-garde - e de ter como pai o multi-instrumentista de jazz Anthony Braxton, que, em tempos, também conduziu o seu próprio quarteto. Ian Williams, o quadrante que, segundo o esquema presente na página do grupo, uniu os restantes membros, bastas vezes tem de estimular a animosidade dos parceiros munido apenas de guitarra e teclado (arma que lhe era estranha nos Don Caballero). Os Battles adaptam-se às exigências de cada missão.
Em circunstância e meio a manter em sigilo, dois cibernautas especulavam sobre quais teriam sido as circunstâncias a contribuir para que Jamie Lidell multiplicasse a sua retro-soul sob a égide editorial da Warp – reputada label de Sheffield que tem vindo a conferir uma elasticidade irregular ao seu catálogo, ao ponto de já aceitar recicladores movidos a hype e estrilho. Tal política de aquisições era defendida por um dos interlocutores com: “A Warp promove o Lidell para arrecadar dinheiro e, com isso, lançar bom IDM”. Se a essa boa nova adicionarmos o zeloso apadrinhamento dos Battles por parte da Warp, então já soa a barganha o preço a pagar pelas nódoas derramadas na respeitável lapela da label britânica. A culpa de tudo isto será da influenza traficada por Scott Herren, que promove o bom nome da casa enquanto Prefuse 73 e havia pago aos Battles para se juntarem a ele numa digressão que procurava convencer um público hip-hop quanto às capacidades que ainda sobravam às guitarras na era pós-Dr. Dre. A haver um quinto Battle, Scott Herren seria a figura com perfil para tal.
Um num barco de 3 canos. Jamie Lidell dorme com os peixinhos. Ao lado dos Maximo Park. Embalados pelo último disco de Boards of Canada.
D-4. A-9. F-1.
Para se quebrar o código aos Battles, há que esgotar as possibilidade de encaixe entre as faixas dispostas em ambas as rodelas. “IPT 2”, por exemplo, representa o positivo dub-wise de “IPT – 2”, que consta do segundo disco, onde surge desprovido do delay e palmas do seu arquétipo. “SZ2” será porventura uma encruzilhada à qual é perceptível tráfego intenso e onde, a certa altura, se verifica uma operação de desmantelamento que envolve a rusga de ritmos recuperados ao drum n’ bass. No seu cavernoso aprisionamento de glitch sonolento, “Bttls” assume-se como a mais Warp das faixas representadas e aquela que mais flagrantemente regista efeitos directos da pouco convencional escola avant-garde de Tyondai Braxton (que, a solo, chega a fazer amor com uma guitarra perante audiências universitárias).
"HI / LO", presente no segundo disco, pode até ser o epicentro de todo esse marasmo multi-referencial. Reproduz na exactidão aquela sensação que reconhecemos às sequências dos filmes de ficção-científica em que uma trupe se vê enclausurada entre quatro paredes que se fecham sobre si e é necessário um rasgo de genialidade a qualquer um dos presentes para interromper esse avançar compressor. Neste caso peculiar, exige-se aos instrumentos dos Battles um consenso ebuliocópico capaz de fazer frente a um vicioso loop que, emitido em alto volume, tornará pontiagudas as orelhas dos canídeos da vizinhança (ou assim acontece com o meu casal York Shire). Este será, por excelência, o exercício que mais revela acerca de uns Battles naturalmente reticentes. “Tras 2”, segunda das três partes que compõem a composição “Tras” (partindo do princípio que são conjugáveis), é um daqueles crepúsculos vertiginosos que, sorrateiramente, faz desaparecer de cena todos os seus instrumentos sem que sobre um para assumir a culpa da golpada. Primeiro as guitarras, depois uma bateria quase kizomba e, por último, aquilo que parece ser uma pandeireta.
Pandora implode. As vogais em Bttls ocultam-se à revelia de uma apreciação definitiva que as deseje embalsamadas num chavão obtuso. No final, tal como no início, quatro ecrãs transmitem imagens indefinidas de ruas vazias. Às subterrâneas manifestações artísticas de Nova Iorque, Tóquio, Baltimore e Boston foram pilhadas fórmulas que, convenientemente, não se perscrutam com uma supérflua passagem da vista pela vegetação, que ocupa a capa com o simples intuito de assinalar o vazio habitável por um corpo gasoso imensurável. O fôlego – criativamente calibrado de acordo com a oxigenação de pulmões entediados com o rumo actual do rock - terá de ser adquirido a uma audição preferencialmente auscultada de EP C/B EP.
Porta-aviões afundado. Sentidos submersos. Para já (e ainda nos reserva o presente ano um novo disco), EP C/B EP é o lançamento mais cativante de 2006.
migarsenio@yahoo.com
RELACIONADO / Battles