DISCOS
Jan Jelinek
Kosmischer Pitch
· 26 Jan 2006 · 08:00 ·
Jan Jelinek
Kosmischer Pitch
2005
~Scape / Flur
Sítios oficiais:
- Jan Jelinek
- ~Scape
- Flur
Kosmischer Pitch
2005
~Scape / Flur
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- Jan Jelinek
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Kosmischer Pitch
2005
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2005
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- Jan Jelinek
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Tudo faz o logótipo do próximo Campeonato do Mundo para convencer de que uma hospitalidade divertida e risonha aguarda os visitantes que decidirem viajar até à Alemanha em Junho. Aqueles olhos cerrados em bico parecem colocar uma pedra definitiva sobre a ideia de que o povo germânico é irreversivelmente frio e algo confuso na retoma de identidade pós-queda do Muro de Berlim (o facto de David Hasseholff ter cantado “I’ve Been Looking for Freedom” nessa importante ocasião é, de facto, traumático). Contudo, essa lenta recuperação colectiva em nada impediu os alemães de assumirem a vanguarda na leitura perspicaz da potencial globalidade da electrónica. Esse acompanhamento definido traduziu-se na estrutura sólida que as grandes cidades alemãs oferecem aos seus “autores”. Assim, como se se tratasse de um studio system à imagem de Hollywood, temos autores como Dellinger ou a dupla Dictaphone a gravar para a Kompakt ou City Centre Offices~, respectivamente, sem abdicarem de personalidade própria mas inseridos numa estética conjunta da casa. Jan Jelinek, o mais provável herdeiro de Pole (Stefan Betke), é ao mesmo tempo subsidiário do estúdio que o segundo gere, a ~Scape. O multifacetado mago da incessante cena berlinense havia já contribuído para a Expo de Hanover com um trabalho que combinava som e imagem de forma adequada à ocasião. O Bodyspace apela à FIFA que considere a contratação de Jelinek para a criação de uma composição que apele subliminarmente a comer a relva (e os fungos que dela brotam) em vez de espezinhá-la.
A comida representa, aliás, tema reincidente na carreira de Jelinek, que havia já integrado o colectivo Computer Soup e, nesse âmbito, cumprido uma série de performances únicas ao vivo. Aqui, Jelinek assume o nome próprio, em vez dos heterónimos Farber ou Gramm. E a forma da sopa (creme) pode ser, mais uma vez, a ideal para dar entender o que se escuta ao disco do produtor alemão. À semelhança do que acontecia no primeiro Loop-jazz-finding-records (título elucidativo), Kosmicher Pitch faz de um legado terminante matéria-prima pronta a conhecer renovado uso. Neste caso, cabe ao kraut-rock assentar a sua fluidez sobre a marquesa. E, tal como a sopa que não suporta sólidos de grande volume, também os cogumelos frescos do kraut não conhecem vapor ao tacho a não ser que já se encontrem laminados e prontos a adaptarem-se à horizontalidade linear da discrição (que demasiadas vezes é erroneamente associada ao chill-out de compilação puramente rentável). Kosmicher Pitch é caldinho de meteorito em marcha lenta confeccionado por Hobbit que domine as alavancas a um laptop.
As evocações não se ficam por aí. O press release, que acompanha Pitch, trata de assumir pelo disco a homenagem aos Cosmic Jokers – invenção malvada do produtor Rolf-Ulrich Kaiser, que, segundo a lenda, convidava para actuar nas suas sessões os mais geniais guitarristas da era kraut em troca de pequenas recompensas monetárias e alucinogénios à descrição. Jelinek nem sequer necessita de tomar o mesmo procedimento criminoso para reunir num disco o melhor kraut. Basta a Kosmicher Pitch levitar o seu glitch, samples diluídos e digitalizações diversas sobre o xadrez psicadélico do primeiro homónimo dos Cosmic Jokers (disco intemporal desprovido de início ou conclusão). Desnatar a espessura do leite ao mais recente disco de Caribou. Ou seja, eliminar-lhe as vocalizações e a presença instrumental bem mais assumida, em abono da fluidificação em parafuso que dilui os excessos. Adelgaçar tudo isso para mais habilmente percorrer sem saturação uma superfície esférica infinita e, a partir daí, permitir ao transe parcial servir de portal ao fabuloso mundo de Jelinek. Quem já jogou os níveis bónus de Sonic 2 saberá certamente qual é a sensação a que me estou a referir.
Mesmo após equacionadas todas as qualidades e catalizadores de interesse, parece faltar a Kosmicher Pitch pitada de especiaria que o promova à condição de clássico contemporâneo que premiava a actualidade eminente de Loop-jazz-finding-records (superior na exploração de potencialidades). Não restem contudo dúvidas quanto à durabilidade de Pitch, tal é o tempo que toma a assumir as formas anfíbias daqueles discos que se entranham irreversivelmente por adaptação. O gambuzino Kosmicher Pitch nunca se chega a revelar totalmente (até porque é enigmaticamente denso o seu substrato). Daí que a sua escuta seja uma permanente actualização, muito mais do que uma definitiva aquisição.
Miguel ArsénioA comida representa, aliás, tema reincidente na carreira de Jelinek, que havia já integrado o colectivo Computer Soup e, nesse âmbito, cumprido uma série de performances únicas ao vivo. Aqui, Jelinek assume o nome próprio, em vez dos heterónimos Farber ou Gramm. E a forma da sopa (creme) pode ser, mais uma vez, a ideal para dar entender o que se escuta ao disco do produtor alemão. À semelhança do que acontecia no primeiro Loop-jazz-finding-records (título elucidativo), Kosmicher Pitch faz de um legado terminante matéria-prima pronta a conhecer renovado uso. Neste caso, cabe ao kraut-rock assentar a sua fluidez sobre a marquesa. E, tal como a sopa que não suporta sólidos de grande volume, também os cogumelos frescos do kraut não conhecem vapor ao tacho a não ser que já se encontrem laminados e prontos a adaptarem-se à horizontalidade linear da discrição (que demasiadas vezes é erroneamente associada ao chill-out de compilação puramente rentável). Kosmicher Pitch é caldinho de meteorito em marcha lenta confeccionado por Hobbit que domine as alavancas a um laptop.
As evocações não se ficam por aí. O press release, que acompanha Pitch, trata de assumir pelo disco a homenagem aos Cosmic Jokers – invenção malvada do produtor Rolf-Ulrich Kaiser, que, segundo a lenda, convidava para actuar nas suas sessões os mais geniais guitarristas da era kraut em troca de pequenas recompensas monetárias e alucinogénios à descrição. Jelinek nem sequer necessita de tomar o mesmo procedimento criminoso para reunir num disco o melhor kraut. Basta a Kosmicher Pitch levitar o seu glitch, samples diluídos e digitalizações diversas sobre o xadrez psicadélico do primeiro homónimo dos Cosmic Jokers (disco intemporal desprovido de início ou conclusão). Desnatar a espessura do leite ao mais recente disco de Caribou. Ou seja, eliminar-lhe as vocalizações e a presença instrumental bem mais assumida, em abono da fluidificação em parafuso que dilui os excessos. Adelgaçar tudo isso para mais habilmente percorrer sem saturação uma superfície esférica infinita e, a partir daí, permitir ao transe parcial servir de portal ao fabuloso mundo de Jelinek. Quem já jogou os níveis bónus de Sonic 2 saberá certamente qual é a sensação a que me estou a referir.
Mesmo após equacionadas todas as qualidades e catalizadores de interesse, parece faltar a Kosmicher Pitch pitada de especiaria que o promova à condição de clássico contemporâneo que premiava a actualidade eminente de Loop-jazz-finding-records (superior na exploração de potencialidades). Não restem contudo dúvidas quanto à durabilidade de Pitch, tal é o tempo que toma a assumir as formas anfíbias daqueles discos que se entranham irreversivelmente por adaptação. O gambuzino Kosmicher Pitch nunca se chega a revelar totalmente (até porque é enigmaticamente denso o seu substrato). Daí que a sua escuta seja uma permanente actualização, muito mais do que uma definitiva aquisição.
migarsenio@yahoo.com
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