DISCOS
June Tabor
Always
· 17 Jan 2005 · 08:00 ·
June Tabor
Always
2005
Topic


Sítios oficiais:
- Topic
June Tabor
Always
2005
Topic


Sítios oficiais:
- Topic
Ao longo das últimas três décadas, June Tabor assumiu-se como uma das vozes mais importante da folk britânica. Mas dizer isto não explica tudo. June Tabor assumiu-se como senhora das canções, independentemente do traço folk, facto consubstanciado não só nas canções que a própria escreveu, mas também na interpretação de temas de outros autores – June Tabor aprecia sobremaneira vasculhar no baú e dar nova vida a velhos temas tradicionais. Uma visita atenta pela sua rica discografia demonstrará que June Tabor trata a canção por tu; constrói-a ou então recria-a, torna-a sua, apodera-se da sua essência, acomoda-a ou deixa-a tomar consciência da sua própria liberdade e imortalidade. Em três décadas há muita coisa que pode correr mal, há muita coisa que pode ficar por fazer. Na verdade, tudo pode correr da pior forma – e depois torna-se obviamente complicado enfrentar o resto do caminho. June Tabor não é um desses casos. Foram sensivelmente três décadas de ouro, desde que começou a cantar nos seus tempos de estudos em Oxford até aos dias de hoje.

Uma prova disso mesmo é a espantosa caixa de 4 CDs lançada em 2005 (o mesmo ano em que a britânica editou igualmente um novo disco de originais, At the Wood's Heart) pela Topic, documento pesquisado e compilado por David Suff (que tinha sido já responsável por A boxful of secrets de Sandy Denny e por A Mighty River of Song dos Watersons) que resume de forma perfeita toda a carreira de June Tabor. Um verdadeiro serviço público. Ao todo são quase cinco horas de música, 67 temas (32 dos quais nunca antes lançados ou mesmo raros), lugar onde os temas de estúdio partilham confortável poiso com temas ao vivo. A acompanhar, um livro com 48 páginas (com imensas fotografias) onde se conta detalhadamente a vida de June Tabor (numa biografia da autoria de Ken Hunt, que conta com comentários da própria visada) e onde se pode igualmente ler excertos de entrevistas. Cada tema é igualmente merecedor de comentários da autoria da própria June Tabor ou de outros.

O mínimo que se pode dizer é que aventurarmo-nos por Always pode constituir uma imensa descoberta, uma viagem não ordenada cronologicamente. O mais certo é que nos percamos na intemporalidade das suas canções. A sua voz vale sozinha independentemente do seu acompanhamento (Always conta com alguns temas a cappella). Mas June Tabor tem igualmente a generosidade de fazer com que os músicos que a acompanhem possam brilhar (esta caixa quádrupla conta com um tema puramente instrumental). June Tabor carrega consigo estações, não precisa de trazer consigo cenários pois ela própria é capaz de os criar. Depois torna-se quase impressionante observar como a britânica é capaz de saltar do tradicionalismo para contemporaneidade sem deixar marcas; antes, funde-os e não deixa pontas soltas. É uma intérprete por excelência.

A compilação começa com uma versão live de “The Seeds of Love” (gravada muito recentemente propositadamente para ser incluída nesta retrospectiva) que serve de assentar de pés para tão longa e recompensadora jornada. Mas ao longo destas – já foi dito – quase cinco horas de música podem-se encontrar temas do seu disco de estreia a solo intitulado Airs and Graces e da sua colaboração com Martin Simpson, A Cut Above (1983), temas tradicionais como “Young Johnstone” e “Will Ye Go to Flanders”, alguns outtakes, selecções do seu trabalho com a Oyster Band, uma versão de “Casey’s Last Ride” de Kris Kristofferson com a Creative Jazz Orchestra entre muitas outras versões. A sua carreira é tão vasta e rica que se torna tão impossível destacar momentos como evitar esquecer alguém nos agradecimentos das cerimónias de entrega de Óscares. Em suma, Always é como um livro em que todos os capítulos, embora baralhados, são essenciais para a compreensão de um todo. Se começarem pela última página é garantido que vão voltar à primeira.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
RELACIONADO / June Tabor