DISCOS
L. Pierre
I Hate T-Shirts That Say 1977 EP
· 16 Dez 2005 · 08:00 ·
L. Pierre
I Hate T-Shirts That Say 1977 EP
2005
Melodic


Sítios oficiais:
- Melodic
L. Pierre
I Hate T-Shirts That Say 1977 EP
2005
Melodic


Sítios oficiais:
- Melodic
Compreende-se a necessidade de descompressão a alguém que, no traje de que se serve para ganhar a vida – os Arab Strap -, tenha já documentada em seis discos e outros tantos EPs uma vida sexual tão conturbada como a de qualquer uma das quatro protagonistas de Sexo e a Cidade. Sem jamais equacionar todas as hipóteses à sagaz ironia britânica, o mundo esperava que Aidan Moffat se limitasse a partilhar confessionalmente os desgostos provocados por neuróticas e ninfomaníacas, e prolongasse esse discurso dolente ad-nausea. Para o bem do deboche kitsch e para o mal de alguém que entenda as músicas de Arab Strap como versículos de uma bíblia de sentimentalismo, L. Pierre actua como a caprichosa traição que cobre com maquilhagem qualquer fragilidade gritante que Moffat possa ter deixado a descoberto recentemente. O EP I Hate T-Shirts That Say 1977 só podia ser artimanha de mão luxuriosa empenhada em fazer do lixo luxo.

A ironia vislumbra-se a quilómetros de distância da faixa que dá título ao EP (que reaproveita material originalmente pensado para Touchpool). O ódio cultivado pelas t-shirts vintage serve como mero pretexto para um exercício que exemplifica o hip-hop como o mais implacável dos revitalizantes para detrito de toda a estirpe - neste caso, um sample orquestral recuperado a um qualquer disco comprado por tuta e meia num Cash Converter de Glasgow. A uma tosquinha colagem de farpas easy-listening serve de estimulante o MC texano Notes e o seu flow suficientemente sofisticado – coisa que, actualmente, é o que parece bastar para colocar de pé um cadáver musical bem enterrado e proporcionar-lhe uma nova caminhada triunfal pelos topes (quando, provavelmente, nunca tinha passado da obscuridade na sua primeira vida carnal). L. Pierre significa também o direito à reciclagem.

O título é simplesmente acessório (até porque Moffat admite alguma simpatia pelo ano de 1977, em que viu estrear A Guerra das Estrelas) e factor que contribui para a falsidade do objecto, já que tudo parece pronto a aguardar quem recorde sorridente esses últimos anos da década do disco-sound. Talvez por isso, “Biblebash!” se dedique a parodiar / homenagear a irreparabilidade do capsular From Here To Eternity (de 1977, precisamente) de Giorgio Moroder, com uma espécie de fervor electro-religioso que, anos mais tarde, havia de marcar presença nos singles inesquecíveis de gente como Falco ou Bonnie Tyler. Já “Black Disco Vista” acusa flagrantemente o seu autor como interveniente nos desidratados anos em que o Ecstasy era moeda de troca na noite das urbes europeias. Faixa altamente recomendável a festas de Carnaval temáticas e ainda mais a reportagens televisivas sobre o fenómeno do tuning.

Tão curioso quanto a música a que serve de recipiente, é o minimalismo gráfico do EP, que de acordo com o próprio Moffat, procurou reproduzir o mais fielmente possível o CD-R tal como enviado para a label Melodic. Prova superada, meu caro highlander. A coisa tem elevado potencial de coleccionador. O disco conserva realmente o aspecto caseiro de um banal consumível com a capacidade 700 megas (ao ponto de manter no verso as “Instruções para manuseamento” em várias línguas).

Justaposto a The Last Romance dos Arab Strap e Touchpool - ambos lançados este ano -, I Hate T-Shirts That Say 1977 comprova o excelente momento de forma que Aidan Moffat atravessa actualmente. Ficam reunidas as condições para que 2005 possa constar do calendário chinês como o ano do patinho feio, que um dia se atreveu a bater asas até conseguir atingir com o bico a bola de espelhos rodopiante.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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